Verificou-se que é possível conciliar a tradição com a inovação de modo a obter um produto de qualidade, competitivo e sustentável e, sobretudo, capaz de gerar maior renda ao produtor do queijo artesanal e à sua família. É possível e viável, portanto, apostar nesse produto e nos seus subprodutos para o desenvolvimento económico e social da comunidade de Monte Grande.
O desafio, realmente, é envolver as pessoas numa discussão mais profunda do que seja o desenvolvimento para além da sua relação simplista com o crescimento económico, ainda que este seja a condição necessária, não é a suficiente. Desenvolvimento é mais complexo e incorpora, além das variáveis económicas, os aspetos imateriais, a preservação da tradição, a participação da comunidade nos assuntos locais e, sobretudo, possibilita a convivência e partilha de ideias, gerando uma preocupação com o bem-estar das outras pessoas e um compromisso em apoiar iniciativas em benefício à comunidade.
O desenvolvimento lida também com outras questões recorrentes e controversas, tais como: para desenvolver, precisa-se importar modelo? Mobilizar recursos externos? Confiar a execução das ações às pessoas locais ou ao técnico e estrangeiro? Como resposta, pôde-se entender é possível conceber um desenvolvimento endógeno em torno daquilo que a região de Monte Grande tem disponível e sabe produzir, potencializando o processo através da otimização das atividades sem perder a tradição.
A metodologia do evento foi diluir a questão de protagonismo, permitindo que a comunidade, na sua diversidade, fosse a principal promotora da festa e recebesse as pessoas de maneira natural, oferecendo-lhes o que se come e se faz no dia a dia. Assim sendo, servimos no dia da festa, de manhã à tarde: cuscuz com leite, gufongo com café do Fogo, papa com leite, djagacida, feijoada, carne com mandioca, xerém, entre outros. De bebida, o manecon das ladeiras e recantos das lavas do vulcão. São pratos e bebidas que, além de saciar a fome e a vontade de beber, despertam memórias nas pessoas em torno de uma vida árdua, mas digna, e que possibilitou a vários filhos da comunidade oportunidades para melhorarem as condições de vida pessoal e familiar. Ademais, o intuito era lembrar à própria comunidade que o simples é bonito, tem uma história e consegue gerar uma experiência rica às pessoas que buscam um turismo gastronómico natural e genuíno.
O evento contemplou uma parte formativa na Queijaria de Cutelo Capado, conduzida pelo produtor de queijo do Planalto Norte da Ilha de Santo Antão, o jovem Ramídio Cruz, muito amável e disposto a ajudar os produtores da localidade a melhorarem a qualidade do queijo e a aproveitarem o soro para a feitura de doces e requeijão. Ficamos felizes, porque a maioria dos produtores de queijo, disse que jamais descartará o soro, como fazia, passará a fabricar requeijão e doces a base do soro. Isso é fundamental, pois aumenta a renda e melhora qualidade de vida da família, permitindo o fortalecimento do setor e a valorização da história e cultura local. A par desses benefícios, a formação partiu de uma realidade penosa enfrentada pelos produtores de queijo da Ilha do Fogo, de maneira geral: o transporte regular, acessível e viável interilhas. Assim sendo, a proposta ensaiada é de investir também nos queijos com um ponto de maturação maior, do tipo meia cura ou curado, que suportariam um tempo de validade maior, podendo chegar a várias ilhas, consoante a regularidade de transporte para o devido efeito.
O concurso do melhor queijo de Monte Grande seguiu vários procedimentos e análise de júri composto por três pessoas, individualmente com conhecimento técnico, comercial e logística, e vivência na lida com o campo e produção de queijo. Entendeu-se por bem não informar antecipadamente os prémios para não tornar o evento em competição e retirar a dimensão natural e interativa da festa.
Os prémios haviam sido determinados: um bode de raça melhorada para o primeiro lugar, três sacos de milho para o segundo e dois sacos de milho para o terceiro lugar, sendo os milhos a contribuição da União das Cooperativas da Ilha do Fogo. No dia do concurso, a Câmara Municipal de São Filipe, na figura do Presidente, Nuias Silva, reforçou os prémios com a contribuição de cinquenta mil escudos de modo que todos os participantes foram contemplados com algum tipo de ajuda.
A Festa do Queijo é de Monte Grande, feita pelas pessoas da região, de modo a beneficiá-las com confecção e exposição de diversos produtos agropecuários, é também um pretexto para reunir pessoas interessadas e dispostas em combinar ideias e perspectivas num formato favorável ao desenvolvimento socioeconómico equilibrado da região.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1071 de 8 de Junho de 2022.