Natal, sim, mas com dignidade

PorAmílcar Spencer Lopes,26 dez 2022 7:08

A dignidade é um valor intrínseco ao ser humano. Ela não depende de nenhuma atribuição externa. É, sim, inerente ao ser. O ser humano é inerentemente digno.

É isso mesmo que vem, afinal, proclamado e reconhecido, expressamente, nas hodiernas democracias constitucionais, forma menos imperfeita de organização política das sociedades humanas.

Um valor enformador de princípios que norteiam, designadamente, a Constituição de 1992, que rege a República de Cabo Verde e nela têm respaldo.

No entanto, a Comunicação Social, particularmente a televisão nacional, com o beneplácito da classe política, teimosamente habituou-se a, por ocasião do Natal, trazer para dentro da casa dos espectadores cenas de distribuição de sopas e merendas para velhos, acções a que, pomposamente, se decretou chamar de inclusão social.

Nada tenho contra a distribuição sopas ou promoção de almoços, lanches ou outras formas de convívio social, para pessoas que se encontram em situação de precariedade, por razões de idade, saúde, familiares, económicas ou outras.

Que isso se faça, no entanto, não apenas pelo Natal, mas de forma regular e normal, com recato, de preferência em lares e centros apropriados, salvaguardando a intimidade de cada um e não com estrondo, exibicionismo e demagogia. Porque, ao invés de inclusão, o que se sublinha é, a meu ver, a exclusão dos mais desfavorecidos e desvalidos da sorte.

Senão, vejamos: Cabe Verde tem, felizmente, muitos ilustres octogenários e nonagenários. No entanto, nunca a televisão mostrou qualquer um deles a tomar parte nos convívios para velhos, promovidos por ocasião do Natal. Sinal de que a inclusão propalada é ficção. Pelo menos na forma exibida.

Considero, pois, programação de mau-gosto, demonstrativa de insensibilidade, senão mesmo de uma certa hipocrisia, a atitude de mostrar, sistematicamente por ocasião do Natal, cenas de velhos que, por necessidade ou fragilidade de ordem vária, aparecem alegres e inocentemente a congratular-se da lembrança e benefício de uma sopa ou de uma confraternizaçãozinha, para consolar-lhes da amargura de viver, muitas vezes, esquecidos ou abandonados.

Penso que tais demonstrações de solidariedade podem e devem ser realizadas, sim, mas de forma menos mediática e mais digna.

A infância e a velhice são fases da vida do ser humano que demandam cuidados especiais. E impõem, acima de tudo, respeito e direito à intimidade. Merecem, por isso, protecção, como está, aliás, constitucionalmente determinado. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1099 de 21 de Dezembro de 2022. 

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Autoria:Amílcar Spencer Lopes,26 dez 2022 7:08

Editado porSara Almeida  em  26 dez 2022 7:08

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