Lopes Talaia tem uma CABEÇA

PorJoão Cardoso / Lelá,14 ago 2023 7:32

​#I# Quando a nossa inteligência é cintilante torna-se fácil abraçar as palavras e os verbos agregando sons e ritmos com a musicalidade igual à vida que é um jardim. Sei que no meio do jardim há sempre árvores da vida e árvores do conhecimento do Bem e do Mal (sem balanças do tempo) nas suas dimensões floridas para as colheitas nas primaveras da vida. Sei que a inteligência é liberdade como o ar. Diz-se também que ninguém repara quando é puro, mas asfixia-se quando é rarefeito. Muitas vezes não nos apercebemos disto!

#II#

Nos jardins da história, da nação e da identidade, os hinos, levaram-me a embalar nas cinco composições musicais mais antigas para a formação dos principais elementos da sonoplastia moderna: Phos Hilaron (início do século IV d.C.) chamado de Lumen Hilare que é uma das primeiras canções cristãs; no Hino de Oxirrinco (280 d.C.) que evoca o silêncio com o artifício de louvor à Santíssima Trindade; no epitáfio de Sícilo ou Seikilos (100 d.C.), escrito como dedicatória à Euterpe – a Musa Grega da Música – que é o primeiro registro de uma partitura completa e nos Hinos Delfícos (128 a.C.) feitos para serem preformados no PYthaides ateniense entre 138 a.C. e 128 a.C. e no Hino Hurriano para Nikkal (1.400 a. C.), considerado a canção mais antiga do mundo. O Hino Hurriano para Nikkal é uma homenagem à deusa semita dos pomares.

#III#

Mas sem o silêncio das leituras da história, sem o silêncio de pensar a nação e sem o silêncio da identidade da nação nos pomares faço um sobrevoo na história do primeiro Hino de Cabo Verde “Esta é a nossa Pátria Amada” escrito por Amílcar Cabral: Sol, suor, o verde e o mar/Séculos de dor e esperança/Esta é a terra dos nossos avós! /Fruto das nossas mãos/Da flôr do nosso sangue: Esta é a nossa pátria amada… (Não poderei desassociá-lo da glória da cultura e da busca da civilização)? Pensando e puxando pela razão da história, da nação e da identidade realimentei-me na fonte de Norbert Elias ao considerar a cultura através de uma temporalidade instável e efêmera, valendo-se da metáfora das flores no campo que, em algum momento específico, desabrocham segundo a oportunidade da estação.

Por outro lado, a civilização nos remete, propriamente, a factos políticos, económicos, sociais e religiosos, com um caráter de avanço moral e ético. A civilização está, pois, colocada numa dimensão temporal linear e constante, numa dinâmica relativamente estável que se reporta ao movimento próprio do progresso.

#IV#

Mas será que a história se repete? Na linha do pensamento e compreensão de Elias da cultura e da civilização como movimento próprio do progresso com viés identitários próprios e da profunda rutura no pomar florido desabrochou o “Cântico da Liberdade” que foi adotado como hino de Cabo Verde no dia 26 de maio de 1996. A mudança fez parte da revisão constitucional de 1992 que instaurou o multipartidarismo e definiu os novos símbolos nacionais para Cabo Verde. Amílcar Spencer Lopes “Miquinha” com uma CABEÇA compôs a letra e Adalberto Higino Tavares Silva “Betú”, inteligentemente, orquestrou a melodia “Cântico da Liberdade”: Canta, irmão/Canta, meu irmão/Que a liberdade é hino/E o homem a certeza/Com dignidade, enterra a semente/No pó da ilha nua; /No despenhadeiro da vida/A esperança é do tamanho do mar/Que nos abraça/Sentinela de mares e ventos/Perseverante/Entre estrelas e o Atlântico/Entoa o cântico da liberdade. Res-so-ar...res-so-ar.

#V#

Nesta história do “Cântico da Liberdade” sei que não há professor nem aluno para dizer que o aluno conhece o professor, mas o professor não conhece o aluno. (Sei que Deus é de toda a gente que o quiser!) Longe de pensar que certas pessoas são como pastilha elástica na sola do sapato doutrem. Por isso, por nós, para quem precisa de alento o “Cântico da Liberdade” é portador de uma identidade e virtude autêntica que ultrapassa as fronteiras da nação conquistando a civilização na Sociedade Aberta. (Não poderei desassociá-lo da glória da cultura e da civilização!)

Amílcar Spencer Lopes é uma personalidade discreta e viveirista de espécies endémicas como o tortolho “Euphorbia tukeyana” do Parque Natural de Monte Gordo da sua ilha natal. Além da carreira diplomática, político e jurídica é um homem das artes (poeta e compositor de pena leve). Os livros: “ILHA FORMOSE” e Outras Mornas e PÁGINAS DE UM TEMPO PRETÉRITO são mais que tatuagens eternas de lembranças imortais dos tempos.

#VI#

Miquinha, o homem das artes, que é amigo dos espaços íntimos nos jardins da amizade e das noites. Sei que o poema “Ilha de mar e sol”: Maio/terra de Betú e Liminha/de Nhô Bento e Zulmira/bordado de espuma/em mar claro de anil... e a composição “M SUNHA”: ‘ M sunha q’ bó /nha terra q’rêtcheu/no tá. Bem d’mon dode/ ôdje na céu/pa strada d’ Liberdad, salpicam e personificam o perfume da amizade e do amor silabado - profundamente - como o símbolo da deusa Filotes apaixonada ao encontrar a própria liberdade.

#VII#

Sei que Lopes Talaia é um bom garfo e nada como abrir o apetite com uma boa cana fresca di Saniklau acompanhado de Caranguej de Juncalinh “Hino ao marisco” embebecido num refogado com alho, cebola e muito tomate, para depois deliciar, com umas garfadas no Modj d’capod ou di Saniklau. Claro. Conviver cada dia preparada dá prazer num local tão frágil como o mundo.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1132 de 9 de Agosto de 2023.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:João Cardoso / Lelá,14 ago 2023 7:32

Editado porSara Almeida  em  14 ago 2023 7:32

pub.

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.