Adeus meu amigo Franklim Palma!

PorBruno Spencer,10 out 2023 10:58

O nosso encontro era sempre no Restaurante Dragoeiro, em Achada Santo António. O encontro era ocasional, sem nenhuma combinação prévia. Acontecia sempre que eu ia e o encontrava.

 Ele, como eu, íamos sempre sem acompanhante, isso facilitava imenso o diálogo que iríamos ter. Após a degustação do prato da casa, eu ia à mesa dele para falarmos. Entretanto, nos últimos tempos quando eu ia ao restaurante, notava a ausência dele. Pensava que estivesse fora do país. Não estava ausente, disse um amigo, estava sim, doente em casa. Combinei com um amigo, também muito amigo dele, para irmos visitá-lo. Só que não chegamos a concretizar a nossa pretensão porque faltou-nos o telefone ou o móvel dele. Minha esperança era sempre poder vir encontrar alguém que me pudesse dar os contactos para que a visita pudesse ser realizada. A esperança caiu por terra quando me disseram um dia que Palma tinha deixado o mundo dos vivos. A tristeza apoderou-se de mim porque perdi um amigo, também por não puder vê-lo que poderia ser pela última vez.

Conheci o Palma no actual Liceu Domingos Ramos, na altura chamava-se Liceu Adriano Morreira. Eu frequentava o então chamado Ciclo Preparatório, no período de manhã, ele, no Liceu, no período da tarde. Ele de manhã praticava o desporto no referido Liceu que tinha um ginásio preparado para isso. Lembro-me que praticava atletismo e basquete. Palma era alto, bem constituído e tinha porte de atleta.

Já mais tarde, vim conhecer melhor Palma, como jornalista, no extinto Jornal Voz di Povo que era propriedade do Estado. Era muito brincalhão e as brincadeiras às vezes eram picantes, algumas vezes eu ficava chateado, mas tudo se passava porque via que o que dizia não tinha maldade nenhuma.

Das recordações do meu malogrado amigo, ficam as histórias que me contaram da sua infância e da sua actividade profissional como jornalista. Histórias interessantes e que estão na minha memória e gostaria de partilhá-las com o caro leitor.

A PIDE/DGS

A PIDE/DGS, Policia Internacional da Defesa do Estado, mais tarde chamada Direcção-Geral de Segurança, era uma polícia política e uma das polícias mais temíveis do período colonial. A tortura e a brutalidade que praticavam punham toda gente com medo. Palma contou-me que a casa onde morava no Plateau, na Praia, ficava perto do escritório da referida polícia. Mais de uma vez, ouvia gritos e gemidos que vinham do interior do escritório. Era com certeza de pessoas que estavam a ser interrogadas sob tortura. Mais, quando os presos eram transportados para outra dependência, os vizinhos não podiam ficar na rua para não verem o estado em que o preso se encontrava. Como ele era criança, às vezes conseguia furar a vigilância e ficava triste quando via que o preso sequer podia andar, eram os agentes que o levavam à viatura.

Uma história que deu muito que falar na Praia, na altura, se deu com um tio dele que era funcionário da chamada Rádio Clube. Ora, o tio para além de ser funcionário também explorava um bar na mesma rádio. O inspector da PIDE tinha bebido, chegou a hora de se pagar a conta, entregou dinheiro ao tio, só que este não tinha troco para lhe dar. Num gesto de amizade, convidou ao cliente que pagasse noutro dia. Então, o dito inspector querendo mostrar que era poderoso doou uma bofetada ao tio. Este, querendo mostrar que era homem e não temia nada, agarrou um instrumento metálico para desferir encima da cabeça do inspector. O pior não aconteceu porque as pessoas que estavam ali intervieram e acalmaram o tio. Quem acabou com o abuso do inspector da PIDE foi o Comandante da então chamada Polícia de Segurança Pública. Assistiu a tudo, interveio e deu uma valente sova no inspector. O que passou na Rádio não ficou entre os murros da mesma, veio um juiz da metrópole para inquirir o que se tinha passado.

Mais histórias sobre a PIDE meu amigo me contou. No Liceu, nos intervalos, os agentes da PIDE iam vasculhar os materiais dos alunos para verem se encontravam algo que os pudessem incriminar. A PIDE tinha também funcionário no Liceu, conhecido como bufos, que estavam sempre de olhos postos nos alunos. Quem estudava tinha de fazer muita ginástica para não cair nas armadilhas da polícia política dessa época.

O ministro dos Negócios Estrangeiros ficou perplexo. Palma acusado de ser bruxo

Havia um encontro na ilha do Sal entre o ministro dos Negócios Estrangeiro de Cabo Verde e o seu homólogo espanhol. Palma, como jornalista, foi indicado para fazer cobertura do evento. Antes de ir, teve a preocupação de ler a imprensa e preparou um conjunto de questões que iam ser colocadas aos dois chefes de diplomacia. Estávamos no tempo de partido único e os jornalistas tinham de ter muita atenção nas perguntas que faziam aos governantes. Por isso, Palma antes de ir ao Sal teve a preocupação de mostrar ao ministro as perguntas que iam ser feitas na conferência de imprensa. O ministro ao vê-las, pediu que fossem retiradas, é que a imagem do país ficaria em causa. Terminado o encontro entre os dois ministros, veio a conferência de imprensa. A imprensa espanhola estava ali também presente e os jornalistas espanhóis fizeram perguntas que tocavam a matéria que Palma já tinha anotada e preparada. No final do encontro, o ministro de Cabo Verde ficou perplexo e disse ao Palma TU ÉS BRUXO!”

Apertada segurança nas viagens presidenciais

Contou-me de duas viagens presidências ao estrangeiro com apertada segurança no país visitado: Argélia. Fazia parte da comitiva como jornalista. Chegado ao aeroporto, depois de descer do avião, quis fotografar o presidente visitante e o presidente da casa. Preparando para fazer a foto, sentiu que alguém, atrás dele, o agarrou. Sem temer e com sangue-frio, conseguiu fazer a foto que pretendia. Ele sabia que era um elemento da segurança que estava atrás. Talvez o elemento de segurança quisesse saber ou comprovar qual o instrumento que tinha nas mãos.

Iraque. Fazendo parte da comitiva presidencial, chegou ao Iraque. O protocolo disse aos jornalistas para não fazerem nenhuma foto e caso necessitassem de alguma ser-lhes-ia dada. Como estavam parados, um alto elemento da comitiva cabo-verdiana disse aos jornalistas “estão de férias”? Ao que Palma respondeu: “férias forçadas!”. Pelo o que passou no Iraque depois, a conclusão que se pode chegar é que o país se preparava para uma guerra, dessa forma exercia toda a pressão sobre jornalistas estrangeiras que estavam no seu território.

Com este pequeno artigo quis, simplesmente, homenagear, modestamente, o meu amigo. Que Deus o tenha! 

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Autoria:Bruno Spencer,10 out 2023 10:58

Editado porAndre Amaral  em  10 out 2023 10:58

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