Por uma cultura política de rigor e honestidade intelectual

PorAmílcar Spencer Lopes,17 nov 2023 20:07

Por opção, nunca quis ter uma página no facebook. E continuo, na minha, de não fazer parte dessa plataforma digital.

Entretanto, pessoa amiga mostrou-me, ocasionalmente, dois textos, integrantes de um diálogo entre dois fundadores e antigos dirigentes do Movimento para a Democracia, sobre a natureza do pensamento político de Amílcar Cabral. Tudo muito a propósito da controvérsia sobre a comemoração do Centenário, daquele reputado nacionalista.

Sem querer aferir dos propósitos de uns e de outros, julgo que o assunto, tal como está apresentado nesses dois textos, que me foram dados a ler, situa-se mais no plano teórico de saber, insistir ou justificar se Amílcar Cabral foi um marxista, revolucionário, democrata e por aí fora.

Embora esses temas possam ter, ainda hoje, algum interesse para discussão académica, durante simpósios organizados para o efeito, ou para estudiosos de ciência política e história das instituições políticas, parece-me, todavia, que não é esse o foco da questão, com foros de celeuma, que se levantou com a não aprovação do projecto de resolução sobre a celebração oficial do centenário do nascimento de Amílcar Cabral, discutido e rejeitado, há dias, no Parlamento cabo-verdiano.

Na minha perspectiva, nada obsta a que a efeméride seja lembrada e assinalada, com decência, como me referi, há dias, noutro texto. Como soe dizer-se, é um facto histórico; Amílcar Cabral é uma figura histórica, de primeiro plano, que merece ser relembrada. Só que, como se poderá constatar da leitura do citado projecto de Resolução, o PAICV não se contenta com a comemoração da data. Quer canonização. Com culto e devoção. E, quiçá, oratório, para peregrinação, regular.

Ou seja, na minha maneira de ver, o que está em causa é a forma como o PAICV quer promover essa celebração.

Vão-me dizer que não é o PAICV, mas sim, a Fundação Amílcar Cabral (FAC).

Bom, foi o Grupo Parlamentar daquela força política, na Assembleia Nacional, que levou a controversa resolução a debate e eventual aprovação do plenário, daquele Órgão de Estado.

Mas sempre diria que a FAC é essencialmente integrada e dirigida por conhecidos e assumidos militantes do PAICV, com projecção e influência, ainda hoje (para não dizer, vitaliciamente), na estratégia e acção, daquele partido político.

É caso para se lembrar, como gostava de dizer o meu saudoso amigo Jaime, que jóte era 7, morrê 14, fcâ 21

Mas, voltando ao que interessa. Quem é que se lembraria, em pleno século XXI, depois de mais de trinta anos da consagração, entre nós, de um regime democrático e da constitucionalização de um Estado de Direito Democrático, de vir propor uma resolução parlamentar, exigindo que, em todas as correspondências oficiais, durante todo o ano de 2024, deve figurar a expressão “Ano do Centenário de Amilcar Cabral”?

Ou ainda, que “Os Municípios cabo-verdianos, bem como as instituições públicas, são convidados e encorajados a elaborar programas de celebração do centenário, à escala local e de coordenar as suas actividades comemorativas com a Comissão Nacional “ (sic)?

E há, ainda, um terceiro artigo, de igual teor, para abranger o sector privado, as organizações da sociedade civil e as comunidades emigradas.

Ora, isso é puro e duro “partido força dirigente da sociedade e do Estado”, resgatado do artigo 4.º, da defunta Constituição de 1980.

Que me desculpem a expressão, mas só uma mente situada no e sitiada pelo Regime de Partido Único, pode ter ideia tão luminosa ou teimar que essa é a forma de se comemorar, com dignidade, o centenário do nascimento de Amílcar Cabral.

E depois, vem-se dizer que o MpD e os seus Deputados são contra a comemoração do Centenário de Amílcar Cabral.

Uma afirmação e generalização abusivas, por não corresponder à realidade dos factos, tal como explicitados acima. E, o pior, é que essa narrativa vem sendo, insistente e sistematicamente, repetida e propalada nas rádios e televisões do País, e não só.

E é assim que uma colunista de um conceituado diário português decide, também, surfar a onda de pressão e desinformação despoletada, internamente, e, tratando o projecto de Resolução rejeitado pela Assembleia Nacional de “simples proposta para assinalar o centenário do seu nascimento”, lamenta aquilo que classifica de “chocante indiferença de Cabo Verde”, perante a memória de Amilcar Cabral.

Tenho, sempre respeito pela opinião dos outros e aprecio pessoas coerentes. Reservo, no entanto, o direito de discordar delas. Como, espero, façam, em relação à minha pessoa.

O diálogo entre as partes é sempre desejável e o debate político, eventualmente profícuo. Mas há que haver e respeitar regras. Por mais que as fakenews estejam em voga, não me parece que sejam um exemplo a seguir, para se atingir objectivos políticos, ainda que inconfessados.

Todos ficaríamos, certamente, a ganhar, se decidíssemos cultivar o rigor e a honestidade intelectual, no tratamento de questões de Estado ou de interesse nacional.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Amílcar Spencer Lopes,17 nov 2023 20:07

Editado porAndre Amaral  em  17 nov 2023 20:07

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