Este é o quarto ano que vivo o Dia do Pai sem o meu pai. Março sempre foi um mês muito especial na minha família: o dia de aniversário do pai a 26, precedido do Dia do Pai a 19. Sou de uma família que gosta de celebrar, gosta de festa e tudo é um bom motivo para nos reunirmos para festejar a vida. E de repente, estas duas datas deixaram de ter a presença viva do pai. Ficaram as memórias.
Memórias que me levam de volta à minha infância, ao tempo que que achava que o meu pai sabia tudo, sabia falar todas as línguas, em que tudo era possível com o meu pai. Um tempo em que não havia medo, porque ele estava presente. Dele herdei algumas coisas interessantes, como o gosto pela política, pelo Direito e a esperança numa África de sucesso para todos os que nela quisessem viver, trabalhar e amar. Com o meu pai percebi o valor da palavra dada, o compromisso com o que assumimos fazer, a solidariedade, o estar ao serviço dos outros. Muitas vezes, digo ou faço alguma coisa e de imediato percebo que estou a repetir o meu pai. Já adulta, conversar com ele, discutir opções de vida, contar-lhe as minhas aventuras, era uma alegria. Alegria maior, ainda, era ver quando os seus olhos brilhavam quando lhe falava das coisas que estava a fazer e que queria fazer e com as quais ele concordava que valia a pena. Mas também se zangava sem se zangar. Escreveu-me algumas cartas em tinta vermelha que me fizeram chorar no momento e me fazem sorrir agora.
2. Ter pai é importante na vida de qualquer pessoa. Uns perdem os pais quando ainda são crianças porque o pai morre ou porque desaparece da sua vida. Paras estas crianças, o Dia do Pai é sempre um dia de sofrimento que ao longo dos anos se transforma em revolta até que deixa pura e simplesmente de interessar. Estas situações levaram muitas escolas a suprir do seu calendário de comemorações este dia. Pessoalmente, entendo que não devia ser assim. Na escola devia aprender-se a viver e a enfrentar tudo. Porque, na verdade, a maioria dos colegas falarão deste dia do pai e das coisas que vão fazer com os seus pais. E os que não têm pai, não terão oportunidade de exprimir o que sentem, nem a oportunidade de serem apoiados pelos professores que os ensinariam a não se sentirem diminuídos pelo facto de não terem um pai presente na sua vida, nesse dia.
3. A nossa Constituição da República declara que todas as crianças têm direito a especial proteção da família, da sociedade e do Estado, que lhes deverá garantir (…) cuidados especiais em caso de (…) carência afetiva. Por outras palavras, a nossa lei magna reconhece o direito ao afeto. Direito esse que começa na família. Começa, na realidade, ainda antes da criança nascer. Afeto que deve ser dado pelo pai e pela mãe. O direito ao afeto é importante para o desenvolvimento integral da criança. Uma criança que conhece e cresce rodeada de amor, carinho atenção, de um modo geral, adquire mais segurança, tem mais condições para enfrentar os desafios, desenvolve mais capacidades de interação com os outros. A presença da mãe é fundamental, a presença do pai é igualmente fundamental nos cuidados e afetos para com os filhos. Há ordenamentos jurídicos, designadamente o Brasileiro, onde a ausência voluntária do pai na vida da criança, privando-a do seu afeto, foi considerada como causa de responsabilidade civil e o pai omisso obrigado a indemnizar o filho pelos danos causados na sua personalidade pela falta de afeto.
4. Muito se discute entre nós, a pensão de alimentos que o pai tem de prestar e a questão do registo das crianças. Felizmente, que hoje em dia, em Cabo Verde, já diminuímos em muito a falta de registo de nascimento das crianças que era motivado, em grande parte, pela não apresentação do pai. Hoje, é possível fazer o registo mesmo sem o nome do pai. Claro que não ter o nome do pai é também um problema que afeta o direito da criança. Esta tem o direito à identidade e isso implica o direito de saber e usar o nome da mãe e do pai. Mas, o maior problema nos tribunais de família, relacionados com os filhos, continua a ser a não prestação de alimentos por parte do pai. Alguns pais entendem que pagar uma pensão de alimentos pelos filhos é dar dinheiro para a mãe ter boa vida, arranjar outros homens e não sei que mais argumentos denegridores da honra da mãe. A sua convicção é tão forte que podem ir ao extremo de deixar de ter um emprego só para não serem obrigados a prestar alimentos. Nestes casos, não é uma decisão judicial que consegue alterar a situação. Saudamos, por isso, a iniciativa declarada da Associação das Mulheres Juristas (AMJ) de criar um Centro de Mediação Familiar. Pensamos que por esta via, muitas das questões ligadas à não prestação de alimentos aos filhos serão bem resolvidas.
5. Muitas vezes, aquando da regulação do poder parental, fala-se do direito de visita, significando os dias em que os filhos menores ficam ou veem o pai (referimos o pai, porque na grande maioria dos casos entre nós, é a mãe que fica com a guarda dos filhos). Isto já gerou uma campanha «Pai não é vista». Urge corrigir esta mentalidade de fixar dia de visitas em que o pai pode ver os filhos. É um direito/dever do pai estar com o filho e é um direito do filho estar com o pai. Assim, o Tribunal deve fixar em que dias o pai deve ir ver com o filho, estar com ele fora da casa da mãe e até passar alguns dias com a criança, conjugando estes dias de forma a não afetar as atividades escolares. E ir ver a criança e ficar com ela deve constituir uma obrigação que tem de ser cumprida salvo caso de força maior. Não é para ser cumprida apenas quando dá jeito ao pai ou à mãe. Por isso, a mãe também não pode criar constrangimentos ao exercício deste direito do pai. Temos visto, infelizmente, muitos conflitos gerados entre os casais desavindos quando um quer impedir o outro de estar com o filho e de participar na vida deste.
Mas hoje é Dia do Pai e seria bom que não tivéssemos tantas crianças no Sudão, em Gaza, na Ucrânia, no Haiti e pelo mundo fora, privadas do convívio, cuidado e afeto dos seus pais por causa dos conflitos armados que nesses lugares vão levando os homens para morrer nas frentes de batalha. Que São José interceda por nós, pecadores.