No Hospital da Cidade do Mindelo, da Freguesia de Nossa Senhora da Luz, na ilha de São Vicente, nascia, a 25 de agosto de 1954, às vinte e uma horas, Antero Júlio Gonçalves dos Santos, mais conhecido por Tey Santos, que passaria, de imediato, a coabitar com os seus progenitores, na famosa Rua de Cavoquim, uma das artérias da urbe mindelense, paralela à Rua João Machado. De ascendência “profundamente badia”, o seu pai, Júlio Armando dos Santos, nasceu em Bolama, na Guiné-Bissau, “de passagem para Cabo Verde” (Tey Santos, 2011), e chegou às ilhas, ainda criança, com a mãe Maria Libânia Dias, avó paterna de Tey, nascida na Ribeira Prata, no Concelho do Tarrafal de Santiago, e residente em Paiol, onde, finalmente, viria a morrer. Aliás, as avós de Tey Santos, na linha ascendente, são todas naturais da ilha de Santiago, inclusive a materna, D. Angelina Gonçalves, nascida em Fontes D’Almeida, nas imediações da localidade de Ribeirão Chiqueiro, no Concelho de S. Domingos, que viveria em São Tomé e Príncipe, durante algum tempo. Nado em terras guineenses, o pai, todavia, considerava-se santiaguense, mais precisamente oriundo do Concelho Tarrafal, na freguesia de Nhu Santo Amaro, tanto mais que, de acordo com o próprio filho, “fez toda a vida em Cabo Verde” (Idem). Por outro lado, a mãe de Antero Júlio, D. Maria Gonçalves Furtado dos Santos, de profissão doméstica, religiosa e lutadora pela educação dos filhos, nasceu na Ilha de Príncipe, em São Tomé, tendo-se estabelecido, mais tarde, em S. Vicente, onde viria a falecer. Antigo funcionário dos Correios, Telégrafos & Telefones de Cabo Verde, “o meu pai era buldonhe, trabalhava em algumas áreas como a mecânica e a eletricidade e, inclusive, foi Chefe dos CTT na Fontinha (…), na cidade do Mindelo, até a independência” (Tey Santos, 2024), e, na altura, circulava entre as ilhas de Santiago e São Vicente, por motivos profissionais, razão por que Tey tenha vivido parte da infância na cidade da Praia, entre 1 e 7 anos de idade.
Do ponto de vista da composição do agregado familiar, nasceram do casamento quatro filhos, dos quais Antónia Júlia Gonçalves dos Santos, filha primogénita, nascida na cidade da Praia, em 1951, e três varões – José Júlio, Júlio de Lourdes e Antero. Além dos filhos apenas do casal, o pai teve, também, duas filhas – Libânia, residente em Paris, e Maria de Jesus Leal, radicada em Lisboa. Ainda criança e em idade escolar, Tey frequenta e conclui a instrução primária nas Escolas Camões e de Chã de Cemitério, bem como os ensinos secundário e complementar, nos Liceus Gil Eanes (Liceu Velho) e Ludgero Lima, de forma intermitente. Pese embora ter nascido em terras guineenses, o pai considerava-se santiaguense. Curiosamente, dos quatro filhos do casal, “sou o único nascido em São Vicente, os demais são naturais da ilha de Santiago” (Tey Santos, 2024). Nascido no Mindelo, a infância de Tey, todavia, decorreu, numa primeira fase, na Cidade da Praia, e, a partir dos sete anos de idade, na do Mindelo, onde, também, se radicaria definitivamente e iniciaria o percurso musical, viajando de um lado para outro, em digressões várias. Ligado essencialmente ao desporto e à música, tanto na infância como na adolescência, “jogava futebol no meio da malta, em S. Vicente, sempre na posição de lateral e nunca cheguei a pertencer a qualquer clube federativo da ilha”. (Tey Santos, 2017).
O processo de socialização musical: a aprendizagem informal, o autodidatismo e influências várias
Conquanto ele próprio não tenha certeza de que os seus avós e bisavós estivessem ligados à música, Tey Gonçalves, ou Tey Bonga (Tey Santos, 2017 e 2018), como é também conhecido, tem a música no gene. Num lar familiar de tranquilidade absoluta, os filhos do casal foram educados no meio da música, se bem que o pai e os avós não tivessem sido músicos, conforme explica o próprio baterista: “O meu pai não era músico, mas gostava de ouvir música, educou-me a ouvir música clássica em casa, através de um rádio antiquíssimo a válvula, pick up, com gira-discos da marca alemã Blaupunt, que difundia músicas e programas musicais. Ainda cedo, habituei-me a ouvir música e estava atento aos discos que os nossos emigrantes traziam de fora, eu ouvia-os, escutava muita música erudita, jazz, música latina e pop music, entre outros géneros,quando tinha dez anos já ouvia sinfonias.Em casa, falávamos português, por causa da escola, e a minha mãe, a vertente santiaguense do crioulo. Conversando, há dias, com a minha irmã Julinha, ela lembrava-me de uma composição de Mozart que ouvíamos em casa, na nossa infância, o meu pai gostava daquela composição e costumava pô-la no gira-discos a tocar. (Tey Santos, 2018).
Em rigor, a iniciação musical de Tey Bonga verifica-se em finais da década de 60, por volta de 1967, quando Tey contava com 13 anos de idade. Nessa altura, ele costumava frequentar a casa da Tina de Mateus Tchaina, onde vivia Cabanga, seu amigo de infância, e, ali, ambos começaram a aprender “tocar lata de manteiga”. Em casa da Tina, tia do Cabanga, recorda Tey Santos, “eu aproveitava as latas de manteiga vazias, retirava-lhes o assento, a base, e fazia o prato de choque da bateria. Quando ouvia uma música, se me interessasse, imitava-a. Tínhamos um grupo de lata de manteiga, o seu vocalista era um rapazinho, de nome Mingas, filho de um agente policial português destacado na ilha de São Vicente. Na altura, eu tocava clarinete com teia de aranha e o Cabanga, bateria de lata. O grupo tinha, também, um guitarrista” (2011).
Apesar de ser de lata de manteiga e, portanto, não se revestir de seriedade, o grupo ensaiava e “tocava de brincadeira” no Canalim Mateus Tchaina (antigo Canal João Beto) e no Quintal de Nha Nené, avó de Jean-Pierre (Janot), onde, mais tarde, funcionaria o Bar Morabeza de Celso, irmão mais velho do cantor Jorge Sousa. Na verdade, a aprendizagem musical de Tey, que se considera um “autodidata”, fortemente influenciado por sonoridades musicais diversas, ocorre através do ensino informal e parte da experiência de “tocar lata”, deixando-se, todavia, influenciar pelo pai que, apesar de ter a quarta classe de instrução primária, “lia muito, era culto”. (Idem).A sua aprendizagem musical, explica Tey Gonçalves, verificou-se através da audição musical, “todas as músicas influenciaram-me, desde o soul music e o rock music, sempre fui aberto a influências musicais e trabalho o ouvido. Eu, o José Júlio, meu mano, e o saudoso Júlio (Djulay), outrora cinturão negro de karaté e baterista, tínhamos veia musical, apoiados pelo nosso pai, cuja presença na nossa educação musical foi muito importante”. (Idem).Posteriormente, Tey começa a aprender a executar instrumentos musicais ligados às áreas da bateria e percussão, contando com o apoio sobretudo do seu irmão mais velho, José Júlio, “já na altura exímio guitarrista e executante de outros instrumentos musicais, que me aconselhava e me transmitia ensinamentos teóricos (Idem). A sua casa, em São Vicente, na Rua dos Descobrimento, mais conhecida por Rua Papa Fria, era muito frequentada por jovens interessados na aprendizagem da música e, de acordo com Tey Gonçalves, “ela sempre foi um espaço de atividades culturais, ensaios e debates” (Idem). Na década dos anos 70 do século passado, José Júlio, que estudava em Lisboa e vinha de férias a São Vicente, era um “fator congregador importante, influenciou toda a malta (…) e todos nós. Autodidata como eu, o meu irmão frequentou a escola de D. Bibi, professora de piano, em São Vicente”. (Tey Santos, 2021).Além de tocar bateria e percussão, Tey “arranha o violão em casa” (2011), isto é, faz algumas notas. Se bem que não se considere compositor, Tey, tem seis composições instrumentais, na base da percussão, das quais algumas gravadas em disco, das quais “dois trabalhos em disco com o Dany Mariano”(Tey Santos, 2021). No plano meramente da criação musical, o artista, que reside em Chã de Monte Sossego, perto do Recinto Desportivo Oeiras, na cidade do Mindelo, compôs, até ao presente, seis composições instrumentais, na base da percussão propriamente dita, algumas delas gravadas em discos dispersos e é, também, pai de Rossini, jovem baterista do reputado conjunto santantonense Cordas do Sol.
De grupos de “lata de manteiga” aos quatro primeiros conjuntos musicais
Concluídos os primeiros passos na música, Tey Santos, que tinha cerca d 14 anos de idade, e Cabanga, nascido em terras santomenses e ligeiramente mais velho, optariam por uma postura mais séria na música e passariam ambos a frequentar a casa de Padre Simões, professor de Música, sita na Rua Argélia, nas imediações da Casa da Música, com a necessária anuência dos pais e da tia Tina de Mateus Tchaina. Em casa de Nhô Padre, como era carinhosamente conhecido pelos jovens que frequentavam assiduamente aquele espaço musical, lembra Tey, “toquei, primeiro, num grupo musical com um dos meus irmãos” (2011). No entanto, desde o início, não pertenceu ao conjunto musical do Padre Simões, pois, conforme ele próprio esclarece, “o baterista do grupo de Nhô Padre, o Beto, foi para a tropa e, a pedido do Padre, fui substituí-lo e, quando cumpriu o serviço militar (…) resolveu emigrar” (Idem). Entretanto, em 1969 (Carlos Gonçalves, 2022), Padre Simões cria o conjunto Robins constituído por Kiki Lima (viola baixo), Kaká Barbosa (viola solo), Tony Óscar (órgão), Tey Santos (bateria), José Rui (Kotchi) Martins (voz) e Toi Pinto, também conhecido por Toi Cabecinha (viola ritmo e voz). Kiki Lima, o então baixista do grupo, reconstitui o ambiente e as circunstâncias da sua criação: “O Tey Santos, de facto, foi o primeiro baterista do conjunto. Na altura, todos nós elementos do conjunto começávamos a vida musical. Eu próprio, o Kotchy, o Toy Cabecinha, o Tey, o Tony Óscar e o Kaká Barbosa éramos todos estreantes em conjuntos, nenhum de nós tinha tocado em nenhum conjunto musical. O conjunto Robins pertencia inteiramente ao Padre Simões, os instrumentos eram dele, ensaiávamos e tocávamos em bailes ali no João Bintim, atrás da Igreja do Nazareno. Nhô Padre ficava à porta a controlar e dizia às pessoas, “entrem, entrem boa música e boas gajas’”. (2024). Os integrantes do conjunto não se moviam pelo dinheiro, mas, sobretudo, pela vontade de aprender a tocar e pelo divertimento, tanto mais que, prossegue Kiki Lima, “quase todos nós éramos meninos, tínhamos entre 15 e 16 anos de idade, estávamos, estávamos todos entusiasmados, não pensávamos no dinheiro que pudéssemos angariar do Padre Simões com os bailes”. (Idem).
Na altura, o conjunto atuava em bailes e interpretava o reportório então em voga recheado de cumbias, música brasileira, música pop e música de Cabo Verde. Extinto o conjunto Robins, em 1972 (Carlos Gonçalves, 2022), Tey integra, o grupo musical Sensation, criado, também em casa de Nhô Padre, no Mindelo, pelo irmão José Júlio Gonçalves (viola solo e voz), no primeiro semestre de 1970 (Tey Matos, 2024), constituído ainda por Antero “Tey” Matos (viola baixo), Carlos “Lola” Lima (viola solo), Jorge “de Djindja” Lima (voz) e César Melo (viola). O efémero grupo atuava apenas em espetáculos e tinha influências da música moderna, nomeadamente, do renomado guitarrista internacional Carlos Santana, como recorda Carlos Lima,um dos seus integrantes: “Aquando da criação do grupo Sensation, José Júlio Gonçalves, conhecido por JJ, não era compositor, não se faziam arranjos musicais, tocávamos por imitação e recebíamos de fora influências da época. Lembro-me, por exemplo, do Tey Santos ter tocado num único espetáculo do grupo no Eden Park com cabelo desfrisado e calças boca de sino e camisa comprida, imitando James Brown, numa época interessante em que a música pop estava na moda. O José Júlio, irmão mais velho do Tey, que estudava em Portugal, trouxe algumas influências na forma de se vestir. Através do Padre Simões, o nosso grupo comprou uma bateria que pertencia ao West Side” (Carlos Lola, 2024).Fundado na década de 70, o grupo de José Júlio Gonçalves teria mais de um ano de vida e cessaria definitivamente a sua atividade musical no ano seguinte e não depois de 1972 como se terá afirmado, conforme lembra o seu baixista Tey Matos, na altura, estudante liceal, que contava 16 anos de idade: “O Sensation foi criado na primeira metade de 1970 e não antes dessa data, não tendo ultrapassado os primeiros meses do ano seguinte. De facto, aquando da fundação do grupo, eu estudava o quarto ano dos liceus, sob o olhar atento e rigoroso da minha mãe, e, no ano seguinte, em 1971, volvidos escassos meses, o grupo desapareceria, por razões ligadas à indisponibilidade dos seus elementos, na altura estudantes” (2024). A confirmar a informação relacionada com a data da criação do grupo, o compositor e cantor Dany Mariano socorreu-se de uma foto de então do seu arquivo pessoal na qual aparecem os elementos do Sensation, numa atuação musical no Palco de Padre Simões instalado na sua casa, precisamente em junho de 1970. (2024).
Com a extinção do Sensation, também ele efémero, criado por José Júlio Gonçalves, de que era, também, mentor, “passei a acompanhar, na bateria, outros colegas músicos, e, depois, no limiar da década de 70, fui convidado por Malaquias Costa (violino e violão) para integrar Os Alegres (1970 - 1972), conjunto musical fundado por Malaquias Costa (violino e violão) e composto, ainda, por João Freitas (bateria e voz), Hermes Morazzo (voz), Kiki Lima (viola) e Toi Cabecinha, entre outros (Tey Santos, 2021). Entretanto, em março de 1973, Tey Santos, que completara 19 anos de idade, antecipa o seu ingresso como voluntário no serviço militar português em Cabo Verde, onde permanece até 25 de abril do ano seguinte, na sequência da Revolução dos Cravos, em Portugal, conforme recorda o seu colega de incorporação mais velho, José Bonaparte “Pato” Marques, recruta 8/73: “Eu e o Tey incorporámos, em 1973, os recrutas no Centro de Instrução do Morro Branco, para preparação militar, e, três meses depois, fomos colocados como soldados no Departamento de Engenharia, no Quartel Geral, perto da Fábrica de Tabaco. Durante o serviço de recrutas, pertencíamos à mesma caserna e partilhávamos o mesmo beliche, consolidando daí uma relação de amizade muito forte, que ainda hoje perdura. O Leonel Almeida e o Djosa do conjunto Os Caites, também, pertenciam à incorporação de 1973” (2024).
Entretanto, em março de 1973, Tey Santos, que completara 19 anos de idade, antecipa o seu ingresso como voluntário no serviço militar português em Cabo Verde, onde permanece até 25 de abril do ano seguinte, na sequência da Revolução dos Cravos, em Portugal, conforme recorda o seu colega de incorporação mais velho, José Bonaparte “Pato” Marques, recruta 8/73: “Eu e o Tey incorporámos, em 1973, os recrutas no Centro de Instrução do Morro Branco, para preparação militar, e, três meses depois, fomos colocados como soldados no Departamento de Engenharia, no Quartel Geral, perto da Fábrica de Tabaco. Durante o serviço de recrutas, pertencíamos à mesma caserna e partilhávamos o mesmo beliche, consolidando daí uma relação de amizade muito forte, que ainda hoje perdura. O Leonel Almeida e o Djosa do conjunto Os Caites, também, pertenciam à incorporação de 1973” (2024).
Um percurso musical incontornável
Após a sua passagem pelos Alegres, o baterista faz parte do conjunto musical Kwela Tabanca fundado, no Mindelo, em 1974, e constituído ainda por Vasco Martins (baixo e guitarra), Valdemiro “Vlú” Ferreira (guitarra, voz e baixo) e José Luís “Pinúria” Ramos (baixo), numa altura em que, em S. Vicente, em pleno contexto revolucionário, predominava um ambiente de efervescência musical e sopravam ventos do Continente, isto é, “nós, músicos, bebíamos em África, particularmente na música da Nigéria e do Gana, recebíamos influências musicais diversas”. (Tey Santos, 2021). Nesse contexto marcado, particularmente, pela presença de comícios políticos, Tey Santos diz ter-se deixado influenciar pela música africana e, especialmente, pela banda Osibisa de afro-rock por e Fela Kuti (1938-1997), multi-instrumentista nigeriano, músico, compositor e precursor do género musical afrobeat, conhecido por misturar yorubá, jazz, funk e percussão africana. Considerado pelo próprio baterista e percussionista mindelense um “muito passageiro quarteto musical”, o efémero Kwela Tabanca, que cessa suas atividades musicais após 25 de abril daquele ano, a anteceder a independência nacional, “fez um tipo de trabalho possível, começou um tipo de investigação e estilização baseado noutras influências que não havia antes em Cabo Verde e que outras bandas nada disso tinham feito. Na altura, eu, o Vlú, o Pinúria e o Vasco, integrávamos aquele quarteto de fusão musical e começámos a receber influências várias. Eu, com a minha base rítmica, ouvia S. Jon, ia à Ribeira de Julião e gravava toques de tambor de Nhô Hipólito Miranda, tamboreiro de Figueiral de Santo Antão”. (Tey Santos, 2021).Em abril de 1975, no âmbito da festa dos finalistas do Liceu Ludgero Lima de São Vicente do ano letivo 1974-75, um grupo de estudantes desse estabelecimento de ensino secundário deslocou-se à Guiné-Bissau para efeitos de intercâmbio recreativo e cultural, fazendo-se acompanhar de um conjunto musical “ad hoc” constituído por seis elementos dos quais se destacava o baterista Tey Santos (bateria), de ascendência guineense, conforme evoca Calú de Nha Basila, ele próprio finalista: “O grupo musical criado apenas para aquele fim era constituído pelo Vlú (viola solo), Nhela de Puldina (viola ritmo), Nhelass (viola baixo), João Daia (coros) e eu próprio (voz). Apesar de o Tey não ser finalista, convidámo-lo a fazer parte do grupo e acompanhar-nos na nossa deslocação a Guiné-Bissau, no período das férias da Páscoa daquele ano de 1975. Os ensaios do nosso grupo faziam-se com os instrumentos do Cobiana, num sítio em Bissau onde a banda tinha o hábito de ensaiar e, inclusive, chegámos a tocar com o Cobiana Jazz num baile e noutros locais da capital guineense. O repertório musical do nosso grupo foi essencialmente constituído por músicas de intervenção de Cabo Verde e algumas da Guiné-Bissau que eram, de facto, as músicas mais tocadas, na altura”. (2024).
Entretanto, no mesmo ano de 1975, após a deslocação a Guiné-Bissau com fins recreativos e culturais, a convite do músico santiaguense Moisés Baptista, cantor, teclista e compositor, falecido no início dos anos 80 do século XX, Tey parte para Bélgica para integrar os Black Blood, grupo que fez sucesso na Europa, em meados dos anos de 1975/76, no estilo afro-pop (Carlos Gonçalves, 2022). Através de Moisés e dos Black Blood, que congregava no seu seio músicos cabo-verdianos como o falecido médico cirurgião, José Manuel “Zefra) Fragoso (Praia, 2 de novembro de 1952 – 11 de abril de 2021), e alguns estrangeiros, reconhece Tey Gonçalves, “conheci elementos de outras bandas e, com o próprio Moisés, fizemos um trabalho discográfico em disco, um single, que esteve na top (2011)”. Na Bélgica, antes do seu regresso definitivo a Cabo Verde, entre 1975 e 1976, imposto pela ausência de condições adequadas que lhe permitissem permanecer nesse país, “trabalhei com uma banda belga do género musical pop formada na década de 1970 e participei na gravação de um LP, a nível da percussão” (Idem). Tirando proveito da sua permanência temporária na Bélgica, Tey frequenta a academia, durantes, alguns meses, e ali adquire conhecimentos teóricos, que lhe terão permitido abrir os seus horizontes e ouvir outros estilos musicais. Não obstante a sua curta permanência na Bélgica, o baterista e percussionista mindelense trouxe desse país “ideias diferentes, em termos de ritmos brasileiros” (Tey Santos, 2011), bem como alguma experiência e influências musicais, que, posteriormente, transportaria para o Kolá 1 ao qual pertenceu, um conjunto musical formado, no Mindelo, em novembro de 1975, constituído ainda por Tolas, Teck Duarte, Pomba, Pinúria, Tey Barbosa, Dany, irmão de Toi Cabecinha, Elsa e Nanda, entre outros. De regresso à ilha de São Vicente proveniente da Bélgica, Tey casa-se com D. Maria Elisabeth dos Santos, mais precisamente no dia 23 de julho de 1977, na Conservatória do Registo Civil de São Vicente, e, dessa união matrimonial, nascem quatro filhos dos quais dois gémeos varões, mais um rapaz e uma menina. Após o seu casamento aos vinte e três anos e três dias antes do nascimento do par de gémeos, a 13 de outubro de 1977, curiosamente, “começo a trabalhar na empresa de Abastecimento - EMPA, em São Vicente, onde me aposento como Chefe de Secção de Vendas, na categoria de assistente administrativo, aos 65 anos de idade. Muita coincidência na minha vida!”, remata Tey Santos (2024). Na altura, tentando conciliar música, trabalho e estudo, Tey estuda à noite, tentando concluir o curso complementar e só viria a consegui-lo, na década de 1980, depois de algum sacrifício, “com a média de 15 valores” (Tey Santos, 2024).
Outra formação musical à qual pertenceu Tey Santos foi o Mindel Band (1991-1992), um grupo musical instrumental de Cabo Verde formado em São Vicente “a pedido do meu amigo e colega Humberto Ramos, e sob proposta de Djô da Silva, produtor musical, para ser a banda de suporte da Cesária” (Tey Santos, 2019). Constituída por Humberto Ramos (teclas), Tey Santos (bateria e percussões), Bau (guitarra, cavaquinho e violino), Voginha (guitarras) e Luís Ramos (baixo), “a banda surgiu numa altura de poder criativo dos músicos, todos nós viemos de uma formação de autodidata com grande educação auditiva, em diversos géneros musicais como a música tradicional cabo-verdiana, o jazz e a música erudita” (Idem). O Mindel Band, explica Tey Santos, “era um grupo de fusão da música instrumental de Cabo Verde com outros géneros musicais como o jazz, o punk rock, mas sem fugir à base e à essência da música cabo-verdiana, com uma linha própria, mais modernizada e mais adaptada aos géneros musicais, a nível internacional. Nas suas digressões musicais, acompanhávamos a Cesária e, também, tocávamos músicas instrumentais.”. (Tey Santos, 2017). Em 1991, antes do término de suas atividades musicais, o Mindel Band gravou e editou em Paris, através da Lusáfrica, um CD intitulado “Mindelo”, de resto muito procurado, com a participação de Ramiro Mendes, na guitarra baixo.
Uma vida inteiramente consagrada à música
Na reta final da sua intensa e rica carreira musical e respondendo a uma proposta concreta do seu colega músico, Manel de Candinho, então Vereador da Câmara Municipal de São Domingos para o pelouro da Cultura, Tey, em março de 2017, muda de residência para a ilha de Santiago, mais concretamente para o Município de S. Domingos, a título provisório, com o intuito de integrar um interessante projeto musical financiado pela autarquia santiaguense. O projeto visava, prioritariamente, de acordo com o baterista mindelense, “dar aulas de música a escuteiros de S. Domingos ligados a essa edilidade, primeiro, e, depois, tocar com o conjunto Bulimundo e outras bandas, ou seja, eu mataria dois coelhos de uma só cajadada. Na altura, o Bulimundo precisava de um baterista” (Tey Santos, 2019). A despeito de alguns constrangimentos iniciais, felizmente ultrapassados, que terão gerado algum desconforto, a estadia em Santiago, entre 27 de março de 2017 e agosto de 2018, do músico sanvicentino permitiu-lhe voltar às raízes, conhecer melhor o mercado de trabalho dessa ilha, encetar contatos musicais interessantes e, sobretudo, aperfeiçoar-se como baterista do Bulimundo no acompanhamento rítmico do funaná, enquanto género musical tipicamente santiaguense, hoje património cultural imaterial nacional.
Além desses conjuntos musicais acima referenciados, Tey Santos fez parte de vários grupos musicais como sejam Os Caites, The Kings, Broad Band, Kolá 1 e 3, Pilon, Revolução, Pedra d’Calçada, Cabo-Samba, Grito de Mindelo, Trio Miles, Quarteto VTPV, Ozone, Banda Firrin, Banda da Cesária Évora, Banda suporte de Paulino Vieira, Super Grito, Rabecada, Voz de Cabo Verde e Orquestra Nacional de Cabo Verde, entre outros, e integrou, igualmente, bandas de suporte de vários cantores e compositores e, no exterior, bandas de suporte de alguns artistas (Tey Santos, 2023). No seu rico e vasto percurso musical, marcado, também, por “caminhadas, vivências (…), algumas tropeçadas e calapadas” (Tey Santos, 2023), ao longo de uma vida inteiramente dedicada à educação e à aprendizagem, ao serviço da música e da cultura, o artista mindelense levou a bandeira de Cabo Verde às nove ilhas habitadas, através, nomeadamente, de digressões a cerca de 70 países da Europa, África, Ásia e América, com realce para França, Alemanha, Noruega, Áustria, Lituânia, Senegal, Angola, Hong Kong, Bielorrússia, Moldávia, Ilha Reunião, Austrália, Brasil, Venezuela, Martinica, Guadalupe, Guina, Estados Unidos da América, entre outros.
Igualmente, Tey Bonga participou em várias tournées como músico da banda da Cesária Évora, concertos, e festivais nacionais e internacionais, e, também, participou, em estúdio, na gravação de vários discos, desde os anos 70/80, até a época atual, em Portugal, França e Cabo Verde com os seguintes artistas: em vinil, Moisés, com Two Man Sound, na Europa; Raízes & Apartheid, Dany Mariano; Nka por si com Zezé & Zeca de Nha Reinalda, sob a direção de Paulino Vieira; Universo da Ilha, Vasco Martins; Hermínia da Cruz Fortes, Coraçon Leve e Cavol; com Voginha, Felicidade; Quinta com Mariana Ramos; Zé Luís, Serenata; Toy Jack, Paraíso Escondido; Princesito, Spiga; com Bau, Top d’Coroa; Jailza, Silêncio e Ilha Azul; Jorge Humberto, Nov’Astral; Dudu Araújo, Pidrinha, Sodade, Fé e Esperança; Fantcha, Nha Caminhada; Cesária Évora, Mar Azul, Café Atlântico & Nha Sentimento.
Na esfera musical, além dos irmãos, José Júlio Gonçalves dos Santos, nascido, na Praia, a 30 de agosto de 1952, e Júlio de Lourdes (Djulay), este último nascido, também na mesma cidade, a 25 de outubro de 1960 e falecido no Mindelo, em 1979, são familiares próximos de Tey Santos, do lado paterno, Beto Dias (primo), cantor e instrumentista, e Neuza de Pina (sobrinha), cantora. Afora o elenco resumido e acima referenciado de grande parte de discos gravados com muitos artistas, Tey Santos gravou com Luís Morais, Boy Gê Mendes, Antonim Travadinha, Voz de Cabo Verde (Paz e amor), Dudú Araújo (Pidrinha) sem contar com artistas estrangeiros como Sum Alvarinho, de São Tomé e Príncipe (arranjos de Paulino Vieira), Rui Veloso e Sérgio Godinho, os dois últimos portugueses. (Tey Santos, 2023). Filiado, primeiro, na Sociedade de Autores Franceses, e, depois, em 2021, na Sociedade Cabo-verdiana de Música (SCM), sob o número 1261, o exímio baterista e percussionista sanvicentino, portador de uma sólida cultura musical, tem sido defensor acérrimo dos direitos legítimos dos músicos cabo-verdianos, da música cabo-verdiana, no geral, e do mecenato, em particular, através da sua prática permanente, da sua postura ética irrepreensível e, sobretudo, da sua valiosa obra musical dispersa, de resto, na vasta discografia de consagrados compositores e instrumentistas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1168 de 17 de Abril de 2024.