Um estado de direito deve ser (também) um estado de moral

PorDavid Leite,11 set 2024 8:43

Alguns observadores da sociedade civil, visivelmente afectos à "mouvance" presidencial, vêm conclamando o Presidente da República a usar das suas prerrogativas constitucionais para interpelar o Poder Executivo sobre alegadas falhas e excessos da governação. Acham que o PR deve acordar do seu torpor e afirmar-se "au-dessus de la mêlée".

Porém, neste jogo de "verdade ou consequência" entre as mais altas instituições da República, vai um passo entre o que é e o que deveria ser. Trocando por miúdos, é de recear que alguma degenerescência moral queira assentar arraiais nas mais altas esferas do Poder, extravasando da órbita governamental até à própria Presidência da República. Se há uma crise moral nas instituições, ela é transversal.

O que não nos ocorre é o inconfesso beneplácito de uma opinião pública (ou parte dela) que continua polarizada entre dois posicionamentos quando se aponta o dedo a uma entidade ou instituição pública: de um lado a crítica contundente, do outro a devota indulgência dos "guardiões do templo" - tudo depende das convicções ou simpatias político-partidárias de cada sujeito. Assim, qualquer degradação moral e institucional encontra respaldo em ideias fixas (para não dizer fanáticas) bem patentes em algumas mentes esclarecidas que, dos dois lados da "barricada", tentam defender o indefensável por mera lealdade ao partido ou personalidade da sua simpatia! A falta de uma visão holística (não estritamente partidária) da sociedade política resulta em debates parciais e tendenciosos que não levam a lado nenhum!

Não nos descuidemos: desencantos de carreira versus dívidas ao poder político toldam o discernimento e coarctam a independência de pensamento. Não há debate político digno desse nome quando a razão e o bom-senso tendem a sucumbir a raciocínios do tipo "o meu partido tem razão, quem não é pelo meu partido está errado!"

Esta espécie de maniqueísmo primário, cada um sufragando os erros do seu Partido e repudiando tudo o que vem do lado oposto, contribui para alimentar a degenerescência moral e os abusos do Sistema. Haja em vista os escândalos; os mega-projectos envolvendo verbas avultadas que não dão em nada; grandes obras estruturantes, inauguradas com pompa e circunstância para depois nos surpreenderem com graves defeitos funcionais (barragens que não retêm água, portos assoreados) sem que sejam assacadas responsabilidades.

Por fanatismo florescem os escândalos... até que chegou lá onde nunca, jamais, em tempo algum, deveria ter chegado - a Presidência da República! Do palácio do Platô emanou, recentemente, o mais retumbante escândalo institucional jamais vindo a público em Cabo Verde! E por mais que os fiéis "guardiões do templo" prefiram assobiar para o lado, minimizando o caso como uma perversa "manigância" do Governo, o que ninguém pode negar é que este vexame nacional cobriu de opróbrio a função presidencial e mexeu com a imagem do País.

E ainda não é tudo: o epílogo deste escândalo está nas mãos do Tribunal de Contas, tal uma espada de Dâmocles pairando sobre o PR, cujo capital moral pode, por causa disso, resultar cerceado ou inibido para exercer com aprumo a função presidencial e moralizar a acção governativa. Et por cause: um Chefe de Estado não deve esgotar a reserva moral que o legitima nos seus poderes constitucionais enquanto árbitro e moderador do Sistema. Com que autoridade, com que disposição de ânimo pode o PR brandir os seus pergaminhos constitucionais (e morais) depois de um escândalo de tão graves proporções?

Aliás, se a crise é transversal, quem pode moralizar quem? Quero crer que o Estado de direito democático deve estar alinhado com a autoridade moral que se espera dos eleitos da República, dos quais o mais alto magistrado da Nação é o expoente máximo, primus inter pares. Sem moral, o Estado de direito é uma miragem!

Tenho dito. Mantenhas e uma feliz semana a todos


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Autoria:David Leite,11 set 2024 8:43

Editado porSara Almeida  em  11 set 2024 8:43

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