Ilha do Sal foi descoberta há 564 anos

PorIldo Rocha ramos Fortes,16 dez 2024 8:15

Ildo Rocha ramos Fortes - Jornalista e Investigador sócio-cultural
Ildo Rocha ramos Fortes - Jornalista e Investigador sócio-cultural

​A Ilha do Sal celebrou no dia 3 de Dezembro os 564 anos da sua descoberta. Essa grande façanha fora protagonizada pelo navegador italiano António da Nola ao serviço da coroa portuguesa no quadro da expansão portuguesa.

O acontecimento histórico nunca foi comemorado na ilha, mas ao que parece nos 50 anos da independência de Cabo Verde que se celebra em 2025, o Presidente da Camara Municipal do Sal, Júlio Lopes, vai avaliar uma proposta da sociedade civil que pretende incluir o 3 de Dezembro na lista das datas históricas como acontece em relação ao 15 de Agosto e 15 de Setembro que são feriados no município. A proposta será submetida à Assembleia Municipal para análise das três bancadas do órgão deliberativo do município. O Movimento para a Democracia (MpD), o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV) e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID).

Júlio Lopes vai mais longe dizendo que as conquistas da ilha do Sal sempre serão celebradas nas ilhas e na Diáspora e cita o exemplo dos 90 anos da aterragem do primeiro avião italiano que acontecerá a 15 de Agosto de 2029 com iniciativa da sociedade civil.

A ilha do Sal é pequena e muito plana; a maior elevação, o Monte Grande, tem 406 metros, mas mesmo assim ostenta duas das sete maravilhas de Cabo Verde: Salinas de Pedra de Lume e a praia de Santa Maria.

Com mais de trinta mil habitantes, o crescimento demográfico nos últimos 20 anos é impressionante. Em 1970 tinha 5.505 habitantes, em 1980 subiu para 5.826, em 1990 tinha 7.715, no ano 2000 quase duplicou o número de habitantes:14.816. Em 2010 dados do Instituto Nacional de Estatística indicaram 25.779 habitantes e em 2021 o número de habitantes subiu para 33. 615 com taxa de crescimento de 2,5 por cento (%). Dados do INE indicam que em 2030 a ilha do Sal terá 50 mil habitantes. A ilha do Sal contribui com 10,5% para o Produto Interno Bruto (PIB).

São conquistas de várias gerações. A acontecer a instauração da celebração do 3 de Dezembro irá certamente coincidir com a libertação massiva de terrenos em Pedra de Lume que permitirá à nova geração construir as suas casas, um sonho de várias gerações. A Câmara Municipal do Sal, afirma Júlio Lopes, quer ver as pessoas a viveram felizes no seu território. Júlio Lopes está muito motivado para trabalhar para as causas da ilha do Sal depois de ter recebido dos munícipes a legitimidade para comandar os destinos da ilha por mais quatro anos.

Na verdade, sabemos que a problemática da titularidade dos terrenos de Pedra de Lume tem suscitado muitas interrogações, angústias, discussões políticas e jurídicas.

Desde 1919, altura em que a companhia francesa, Salins du Cap Vert, supostamente comprou os terrenos de Pedra de Lume, já viveram seis gerações no território conhecido como berço da identidade salense.

Para entender melhor a problemática de Pedra de Lume, é necessário conhecer um pouco da nossa história com todas as suas vivências. O processo carece de uma análise racional à luz das leis da República Portuguesa e da República de Cabo Verde depois de 5 de Julho de 1975. Sabemos também que que muitas leis do sistema jurídico português ainda são aplicadas em Cabo Verde, para evitar um vazio legal na administração da justiça e no funcionamento das instituições.

Desde a independência de Cabo Verde três salenses comandaram os destinos da Ilha: Lourenço Lopes, cujo o mandato foi marcado pela transferência da sede do concelho de Santa Maria para Espargos, foi Delegado do Governo ainda no regime do Partido Único. Basílio Ramos, Presidente da Câmara Municipal do Sal de 1996 a 2002, sociólogo e político de grande verticalidade. Travou várias lutas por Cabo Verde e pela Ilha do Sal. Enquanto Presidente da Câmara pugnou na justiça pela titularidade dos terrenos de Pedra de Lume, processo que ainda hoje se arrasta.

Em 2004, já com José Pimenta, Presidente da Câmara Municipal, foi assinado um acordo com a Turinvest Holding SA, do investidor Andreia Stefafina, para desbloquear parte do problema. A ideia era permitir que filhos de Pedra de Lume pudessem construir casa na terra onde nasceram. O contrato com o empresário italiano era para desbloquear de uma vez por todas o projeto de requalificação de Pedra de Lume, primeira localidade habitada na Ilha, e cujas Salinas constituíram durante muitos anos a única atividade económica da ilha.

Depois de avanços e recuos, a Câmara Municipal, liderado pelo autarca Júlio Lopes, parece ter resolvido de vez o problema que se arrastava há muitos anos. Os habitantes vão poder construir as suas casas, concretizando assim o sonho dos seus antepassados.

Júlio António Dos Reis Lopes é Presidente da Câmara do Sal desde de 2016. Apesar de ter sido eleito na Lista do MpD, o salense nascido na Ilha do Aeroporto, capital do turismo cabo-verdiano, sempre diz que é Presidente de todos, pois aceitou o desafio para liderar o destino da ilha graças à sua capacidade técnica. Mas os salenses veem muito mais nessa figura carismática de Cabo Verde: inteligência rara e humildade.

Júlio Lopes apoia sempre a iniciativa da sociedade civil para celebrar momentos históricos porque, como diz, é um Presidente para fazer as pessoas felizes.

De acordo com a história da expansão portuguesa, a ilha do Sal foi descoberta a 3 de dezembro de 1460 pelo navegador italiano ao serviço da coroa portuguesa, António da Nola. Na altura fora surpreendido pelo acúmulo de sal aí existente a véu aberto, onde parecia que um olho de água salgada ia temperando as águas da chuva que caíam. Pouco visitada até ao século XVIII, razão pela qual não havia na altura grandes informações sobre o número dos seus habitantes. Em 1720, o capitão George Roberts, no livro que escreveu sobre a sua viagem às ilhas Canárias, Cabo Verde e Barbados, regista alguns dados etnográficos que revelam que a ilha do Sal já era então habitada.

Factos históricos

No início do Séc. XIX e na sequência de um naufrágio, chegou à Ilha da Boa Vista Manoel António Martins, que ascendeu a uma carreira política em Cabo Verde, tendo sido governador nos anos 1834-1835. Algumas pessoas da Boa Vista começam nessa altura a ir para o Sal levando o seu gado. Manoel António Martins, já na ilha do Sal, decidiu explorar a salina natural encontrada por Nola e situada no monte que já se chamava Pedra Lume, «por causa das pederneiras ou sílex que ali aparecem».

A fim de escoar o sal, mandou construir um túnel perfurando o monte de um lado a outro. No entanto, esse sal não apresentava a qualidade exigida, e não melhorou com a construção de marinas artificiais, o que numa primeira fase o fez desanimar. No entanto, por mero acaso, em 1833 que o terreno próximo da povoação de Santa Maria produzia um belíssimo sal, o tal sal que Manoel António Martins tanto queria encontrar.

Aforou em Abril de 1846 as Salinas de Pedra de Lume ao seu filho Aniceto António Ferreira Martins e deu início por sua conta à exploração do novo terreno salífero. A fim de facilitar o seu transporte instalou uma linha de caminho-de-ferro que ligava a salina ao lugar do embarque, onde as vagonetas eram puxadas por mulas ou acionadas pelo vento através de velas desfraldadas.

Apesar de nessa altura a ilha do Sal fazer parte do concelho da Boa Vista, em função da exploração e exportação do sal, especialmente para o Brasil e América do Norte, o Governo ordenou em 1837 a instalação de uma alfândega e de um governo militar.

António Ferreira Martins geria a ilha como se fosse sua propriedade o que é atestado pelo facto de, em 1839, o conselheiro ter solicitado à Coroa o aforamento «por si e por seus correspondentes em Lisboa, Matheus da Silva Louro e José da Silva, 2 léguas e meia quadradas de terreno e areais em diversos pontos da ilha, compreendendo os que já lhe estavam na posse», como relata Botelho da Costa em 1882, em comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa, ainda que seja verdade que o Decreto de 29 de Dezembro de 1839 apenas se referir a duas léguas de areais.

Graças a essa concessão, a Ilha do Sal começou a crescer em população e, em 1840, já contava com cerca de 400 habitantes, ainda que na maioria escravos. Em 1855, viria a ser administrativamente separada da Boa Vista, ficando a partir dessa data a ser governada por um administrador e uma comissão municipal. Já exportava por ano cerca de seis mil moios de sal, mas nada produzia para consumo das suas gentes pelo que, tal como a Boa Vista, importava do estrangeiro, principalmente da América, todas as mercadorias e utensílios de que necessitava. Em 1856 foi criada na ilha uma Câmara Municipal para substituir a Comissão Municipal.

Manoel António Martins impulsionou não só a ilha do Sal como conseguiu explorar grandes interesses na Boa Vista, Brava e Santo Antão. Numa deslocação aos Estados Unidos, trocou um carregamento de sal por desmontáveis casas de madeira com as quais viria a dar início à povoação que ele chamou de Porto Martins, mas que se perpetuou como sendo de Santa Maria.

Morreu a 4 de Julho de 1845 e foi enterrado na ilha do Sal, tendo a sua viúva, Maria Josefa Martins, decidido mudar-se para a Boa Vista a fim de tomar conta dos negócios da família, tendo ficado à frente da sociedade que foi criada com a designação de M. A. Martins.

A família Martins ia caindo em desgraça política e já economicamente depauperados, os herdeiros de Manoel António Martins começaram por se associar, em 1850, ao comendador António de Sousa Machado, genro do defunto e deputado às Cortes, dando origem à firma M. A. Martins & Sousa, sociedade que viria a ser judicialmente dissolvida em 1860, pondo termo ao monopólio de exportação do sal pelos irmãos Machado, entrando também em serviço a firma Vera Cruz & C., propriedade do marido de uma das netas do conselheiro Martins.

Nesse tempo descobriu-se sal em diversas partes da América Latina, o que fez com que a indústria da ilha decaísse consideravelmente por volta de 1884, tanto mais que o Brasil, um dos maiores consumidores do sal cabo-verdiano, tinha acabado por estabelecer pautas protecionistas como forma de desenvolver uma indústria similar no país.

De acordo com os apontamentos de Désiré Bonnaffoux, os herdeiros de Aniceto António Ferreira Martins acabaram por vender as suas explorações de Pedra de Lume a dois comerciantes, mas que também não tiveram melhor sorte na sua rentabilização. Razão por que estes igualmente viriam a vendê-las em 1919 à sociedade Salins du Cap Vert que iniciou uma intensiva exploração do sal, destinado à exportação para as colónias francesas e belgas da África.

Sem dúvida que essa nova exploração foi de extrema importância porque não só deu um novo alento à ilha, com a chegada de trabalhadores de Santo Antão, São Nicolau e Boa Vista, como também de algum modo serviu para descongestionar Mindelo cujo porto nessa altura já estava em plena decadência, e com uma grande massa trabalhadora desempregada e faminta.

Para responder a um tão grande número de gente – duas centenas de pessoas - foi preciso construir alojamentos para trabalhadores, artífices, empregados e suas famílias, providenciar assistência sanitária, cantina, abastecimento de água potável, uma flotilha de lanchas e doca para as abrigar e carregar, oficinas mecânicas e carpintaria, uma central elétrica, maquinaria para peneirar e pulverizar o sal… Foi construído um teleférico de 1.100 metros de comprimento que transportava 25 toneladas de sal por hora desde as salinas de Pedra de Lume até ao cais de embarque, vencendo desse modo o que anos atrás tinha sido o calcanhar de Aquiles de Manoel António Martins na sua luta contra a cratera, a saber, conseguir dali elevar o sal.

No entanto, face à descoberta de outras Salinas no Mundo, a exportação não tinha a expressão desejada e necessária, pelo que a ilha não teve condições económicas para se desenvolver, até que ocorreu a instalação do aeroporto na localidade de Espargos, um planalto quase vazio que tirava o seu nome do facto de no tempo das chuvas ali nascerem grandes quantidades de espargos bravos.

Espargos surge cerca de cem anos depois de Santa Maria, já no tempo da alta tecnologia, quando São Vicente como escala obrigatória dos vapores rumo ao sul já era coisa do passado. É por isso que a elite sanvicentina da época exerce junto dos poderes públicos uma forte pressão no sentido de essa benfeitoria ser instalada na sua ilha, argumentando que de qualquer modo São Vicente já tinha uma longa tradição de prestação de serviços e a mudança de marítimo para aéreo não seria assim tão complicado. Porém inutilmente.

Durante muitos anos Sal manteve-se apenas como um aeroporto perdido na desolação de um deserto castanho e confrangedor, um simples local de passagem a que a brevidade das escalas não proporcionava a indução de qualquer outro tipo de desenvolvimento.

Porém, a independência nacional não traria apenas a mudança do nome do Aeroporto. Trouxe também a necessidade de se prestar uma maior atenção ao local que aos poucos foi sendo conhecido dos estrangeiros e rapidamente se começou a assistir a uma mudança na paisagem da ilha, especialmente depois do chamado processo de extroversão económica e a inserção de Cabo Verde na economia mundial, o que acabou levando o Sal a entrar na senda do turismo, onde já navega de velas desfraldadas sobre grandes complexos hoteleiros, esperemos que rumo a bons portos. A ilha do Sal e Cabo Verde estão a crescer e desenvolver. O país é reconhecido internacionalmente pelas boas práticas de gestão da coisa pública e uma referência em África em todos os indicadores. As recentes eleições autárquicas é mais uma prova. Na verdade, mais uma vez Cabo Verde deu mais uma lição da vitalidade da sua democracia, no ano em caminhamos a passos largos para celebrarmos os 50 anos de independência.

3 de Dezembro é também o Dia da Morna cujo patrono é B. Leza, Francisco Xavier da Cruz, nascido no Mindelo a 3 de Dezembro de 1905. SAL além de ser terra da Morna e também uma salgadura que tem doçura. Afinal SAL é Sab, SAL é doce de paragem ou de passagem. Morabeza pura.

Fontes bibliográficas:

- O Senhor das Ilhas, Maria Isabel Barreno

- Désiré Bonnaffoux, Revista Djá Sal 1989

- Germano Almeida: Nos Guenti - Cabo Verde 2015

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1202 de 11 de Dezembro de 2024.

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Autoria:Ildo Rocha ramos Fortes,16 dez 2024 8:15

Editado porAndre Amaral  em  16 dez 2024 8:15

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