Isto é, toda a nossa existência gravita em torno do que oferecemos e não do que recebemos. Já sabemos que vivemos o tempo mais conturbado e com acentuado “centralismo do eu”.
Um antropocentrismo pós-moderno presente em sociedades que postulam um capitalismo voraz e não só.
Uma complexidade interpessoal e intrapessoal com evidências e reflexos intransponíveis no ponto de vista simples. A materialidade se contrapondo ao escopo da espiritualidade.
Perante o quadro subjacente, emerge-se um novo paradigma. Um despertar da consciência, num mergulho ao inconsciente; na dimensão mais criativa e pró-ativo. A humanidade precisa de um novo recomeço, um novo olhar interno e Intra interno. Impossível caminharmos nesse enredo fatídico e fictício.
Estamos num embalo desenfreado e consubstanciado de sofisticação que, no entanto, não passa de uma utopia arcaico e insensível. Não podemos correr o risco de uma extinção da relação humana genuína, por pura ganância e alienação da imagem. Nesta senda dramática, atropelamos o bom senso relacional construtivo, ao crivo de atitudes inconsistentes e incongruentes.
Numa apatia terrível no que tange ao “racionalismo” do verdadeiro sentido do ser, com seu enfoque no bem-estar comum e na compaixão autêntica.
“Baixar ao nível da outra pessoa”.
Uma definição que realmente condiz com o sentido da compaixão. Sem ela, a sociedade deixa de existir e o mundo deixa de sorrir. É o motivo principal da alegria e do sorriso dos que muitas vezes, andam á deriva. O mundo vive um panorama quase esgotável da compaixão. A cada dia que passa, notamos as discrepâncias entre o que temos e o que não oferecemos.
Vivemos pelos excessos e reproduzimos a ineficácia do ser. Tanto temos, mas pouco oferecemos. A economia da compaixão padece e está pálida e anémica. Me refiro á compaixão em sua essência. Não se trata de uma conveniência caricata e sim de um genuíno ser que consegue oferecer sem esperar nada em troca. Reitero vivamente, que a nossa existência e a transcendência passam necessariamente pelo “tapete vermelho” da compaixão. Devo salientar, que não se trata de um produto religioso, a qual deve ser comercializada pelas avenidas e pelas praças. Antes, de um princípio universal e transversal na vida e para a vida de todos que desejam viver numa dimensão altruísta, em paz interna e satisfeito ou realizado. Todos os grandes homens da história foram compassivos.
A compaixão, é o reflexo da alma, que emana de um ser e encanta os que buscam uma resposta e um sentido para a vida. Que se redescobre nas facetas mais emocionantes da história humana. Uma resposta que abraça, que não rejeita o diferente, que não seja paliativa, mas que redescobre o genuíno. Extinguindo os preconceitos, removendo a superficialidade e a superioridade.
A compaixão reacende a chama da paixão, da emoção e queima a palha da falsa razão. É o único antídoto contra a ambição desmedida e o desdém pelo apreço e afeto. Elementos que devem ser inclusos da arte da compaixão: o apreço e o afeto. Entram nessa lista, a imparcialidade, a gratidão, o reconhecimento, a empatia e a generosidade. Princípios universais da existência humana. Onde estes princípios não fazem eco, a extinção de um relacionamento humano saudável será fatal. A partilha sincera e o sentido mais pleno da humanidade estão intrinsecamente ligados ao ato da compaixão. No evangelho Lucas, temos um episódio fantástico que enquadra perfeitamente no tema em epígrafe.
Num embalo de lágrimas e lamentos de uma mãe que tinha acabado de perder o seu único filho. A imagem da sepultura, envolto em pânico e profunda dor e
a única esperança daquela mãe se diluindo. Num ápice relâmpago, o olhar de Jesus, lucidamente se apega á vítima. Num ato da compaixão e não da pena (reação sem ação pró-ativa), aproxima-se e interage com a mulher. Nos bastidores, ouve-se uma voz que se emerge como a “luz no fim do túnel”: “ Mulher não chores”. Jesus, aproxima e toca no caixão onde estava o morto, e o menino se levanta e segue o seu caminho.
Este é o sentido da compaixão: Reacender a chama da alma do outro em agonia e faze-lo reviver plenamente. Interagir intencionalmente e causar uma mudança revolucionária.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1204 de 24 de Dezembro de 2024.