Aparentemente, o regozijo teve lugar não só nas hostes da oposição. Enfim, quem está no serviço público, particularmente no Governo está sempre passível de ser visado e acusado com ou sem justiça. Ou seja, está sentado numa cadeira ejectável. Enfim, gostaria que a celeridade e pretensa moralidade, injustificadas neste caso, possam ser aplicadas por quem de direito, de forma permanente e generalizada.
Contudo, considero de toda a justiça trazer a público uma pequena tentativa de fazer o balanço do trabalho de Carlos Duarte Santos enquanto Ministro, durante os 5 anos que esteve em funções. Ou seja, realçar alguns aspectos daquilo que eu considero os seus sucessos e a sua herança.
- Foi nomeado Ministro em Dezembro de 2019 e 3 meses depois, o país viu-se no turbilhão da pandemia de Covid 19, com a paralisação total das actividades económicas, particularmente o turismo e os transportes.
- No domínio do turismo, Carlos Duarte Santos resistiu e ultrapassou a visão insular e estreita dos nossos “pretensos sabichões” e alinhou-se com os principais sujeitos do mercado mundial do turismo, o que valeu a Cabo Verde, nunca ter estado 100% fechado a turistas e ter sido um dos primeiros países a serem considerados seguros, pelo mercado europeu (não pelo governo, cuja decisão nesta matéria não tem significância). A prova disso, é o facto de o fluxo mundial do turismo em 2023, ainda não ter atingido o nível de 2019, mas Cabo Verde, ultrapassou este nível. Parabéns, Carlos Duarte Santos, pela coragem, tenacidade e visão.
- Sem fazer muito barulho, algumas iniciativas visando desenvolver o turismo nas outras ilhas, estimulando outros nichos, num quadro da oferta complementar, tiveram continuidade com ele e as outras ilhas estão tendo o fluxo turístico que podem ter, no contexto evolutivo de Cabo Verde.
- Soube desenvolver e manter um diálogo activo com os agentes turísticos, a vários níveis. A ilha do Sal, Santiago e S. Vicente estão tendo um certo embrião do turismo de alojamento que é mais direcionado para os pequenos operadores e, mesmo, famílias. Ou seja, deixa uma mutação latente no turismo, sem cair na demagogia barata de maldizer do modelo principal que temos, e vai ser dominante por muito tempo, que é o “tudo incluído”.
- Um outro sucesso indelével do Ministro Carlos Duarte Santos foi o reforço das relações institucionais com os principais grupos hoteleiros e operadores. Realçamos o estreitamento das relações com a TUI que elevou o nível de confiança em Cabo Verde a tal ponto que este grupo decidiu construir um segundo resort da sua mais prestigiada marca “ROBINSON CLUB” na ilha da Boa Vista. De momento existem apenas 25 unidades desta marca em somente 15 países espalhados pelo mundo.
- No domínio dos transportes aéreos, herdou uma situação explosiva e desastrosa à volta da privatização da TACV e instabilidade e dificuldades no relacionamento com a transportadora privada concessionária dos transportes aéreos internos.
- A situação dos transportes aéreos internos acabou por explodir em Maio de 2021, mas previdente e pró-activo, Carlos Duarte Santos já tinha tomado medidas que impediram a paralisação da conectividade interna, embora a solução trazida não tivesse sido muito duradoira e acabou também por explodir. Contudo, apesar de não ter todas as ferramentas de intervenção, Carlos Duarte Santos nunca cruzou os braços e sempre procurou trazer soluções intercalares ou provisórias, para as situações cada vez mais difíceis e exigentes que vivemos, em matéria de transporte aéreo interno.
- E mais, lançou as bases para uma nova companhia aérea que se vai dedicar aos voos internos e talvez regionais: As Linhas Aéreas de Cabo Verde. Se a entrada da BINTER com o monopólio dos voos nas linhas internas pode ser justificável, não há dúvidas que o processo foi mal conduzido, porque teve mais pendor político que comercial. E assim, não poderia dar certo.
- Nos transportes aéreos internacionais, durante o lock-down, perante a inoperacionalidade da TACV, garantiu que a TAP assegurasse as ligações mínimas entre Cabo Verde e Lisboa, os chamados voos sanitários.
- No concernente à TACV, fez tudo o que podia para ajudar a corrigir os erros cometidos no processo de privatização, mas esta tarefa era mais difícil que recolar os vidros de um copo de cristal que se partiu. Finalmente, a solução foi o resgate das ações que tinham sido cedidas aos islandeses.
- Entretanto, Carlos Duarte Santos conseguiu conquistar a transportadora Easy Jet “low cost” (baixo preço) para o mercado de Cabo Verde, objectivo que a priori não era evidente e nem foi fácil. E se não houver incertezas nas expectativas dos investidores (andamos a mexer demasiado, e para mal, na legislação sobre os investimentos), a nossa oferta de quartos/camas vai aumentar, o que confortará a nova transportadora e poderá ainda trazer outras.
- Foram continuados os esforços que já existiam, para promover outros nichos de mercado e integrar progressivamente, as outras ilhas no circuito turístico. Os resultados são promissores e o Governo tem apenas que não deteriorar a nossa competitividade fiscal e atratividade, para que haja novos e mais investimentos para as outras ilhas.
- Apesar da ganância e pressão existentes à volta do Fundo do Turismo, conseguiu que alguma fração seja utilizada na requalificação de certos destinos internos, criação de outros e promoção de Cabo Verde como destino turístico. Particularmente este último que é a principal razão e missão do Instituto do Turismo tem sido um calvário. Espero que o novo Ministro tenha melhor sorte, porque o Fundo do Turismo é um “saco” onde todos querem ir meter a mão “para apanhar a sua parte”.
Podemos dizer com toda a justiça que Carlos Duarte Santos deixou um legado significativo. Apesar do contexto desafiador, especialmente com a pandemia e os obstáculos no setor dos transportes, ele soube enfrentar os desafios com determinação, visão estratégica e ações concretas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1215 de 12 de Março de 2025.