Um ilustre viajante em Cabo Verde: a escala do Príncipe de Joinville em 1837

Jorge Cólogan y González-Massieu, Doutor em Direito
Jorge Cólogan y González-Massieu, Doutor em Direito

No final do século XVIII e início do século XIX, Cabo Verde já se tinha tornado um importante ponto estratégico e de referência no Atlântico, como porto de escala obrigatório, juntamente com as Ilhas Canárias, em todas as rotas transatlânticas entre a Europa, África e América, para as relações marítimas comerciais, exercícios navais e operações militares e para todo o tipo de expedições científicas, de natureza geográfica e botânica.

Assim, muitos europeus que fizeram escala ou visitaram o arquipélago contribuíram, através dos seus escritos e diários de bordo, para divulgar e reforçar, na Europa, a imagem de Cabo Verde como um lugar exótico e paradisíaco em África, exaltando a beleza das suas paisagens e destacando a riqueza da sua flora e fauna endémicas.

Uma dessas visitas, provavelmente a primeira na história do arquipélago feita por um membro da realeza europeia, foi a escala na Praia, na ilha de Santiago, do jovem Francisco de Orleães, Príncipe de Joinville, nascido em Neuilly-sur-Seine, França, em 1818, sétimo filho do rei Luís Filipe I de França e de Maria Amália de Bourbon-Duas Sicílias.

Com a ascensão do seu pai ao trono, após a Revolução de 1830, o nosso protagonista tornou-se Príncipe Real da «Monarquia de Julho» em França. Foi educado no liceu Henrique IV e depois entrou para a marinha francesa, fazendo várias viagens e campanhas. Assim, embarcou pela primeira vez em 1831, a bordo da fragata Artemisa, para navegar a partir de Marselha, ao longo da costa de França, fazendo escala na Córsega, Livorno, Nápoles e Argélia. Em 1834, embarcou na fragata Syrène com destino a Lisboa, Açores e Canárias; em 1835, a bordo do Didon, com destino a Portsmouth e Cork; em 1836, a bordo da fragata Iphigénie com destino a Esmirna, o que lhe valeu o posto de tenente; e em 1837, a bordo do Hércules, um navio de 100 canhões comandado por M. Casy, para fazer uma viagem de seis meses de formação através do Atlântico, com destino ao Brasil.

Após uma escala anterior na ilha de Gorée, no Senegal, o Príncipe de Joinville ancorou na baía da Praia, a 9 de dezembro de 1837. No seu diário de bordo (1), o jovem marinheiro não hesitou em registar a sua primeira impressão da Praia a partir do convés do Hércules: «situada sobre uma rocha no fundo da enseada, à qual se chegava através de uns sendeiros escarpados, sob um sol que queimava». De seguida, o Príncipe mandou chamar a bordo o Cônsul de França, pois era sua intenção desembarcar no dia seguinte e efectuar um passeio com outros membros da tripulação, para conhecer a natureza da ilha.

No dia 10 de dezembro, muito cedo de manhã, alguns membros da tripulação, chefiados pelo Príncipe de Joinville, partiram do barco e desceram pelo lado esquerdo da praia de Gamboa, onde um soldado negro lhes prestou as devidas honras. Subiram até à cidade, isto é, ao Plateau, e dirigiram-se à residência do Cônsul, onde receberam a visita do Governador em exercício. De acordo com Francisco de Orleães, tratou-se de «uma das figuras mais grotescas que já vi na minha vida: um negro gordo, velho, vestido com um uniforme português que a enormidade das suas nádegas fazia usar de uma forma estranha». Parece que, com o intuito de impressionar ainda mais o Príncipe, o Governador teve a brilhante ideia de usar um enorme chapéu de plumas brancas, o que lhe dava um aspeto certamente engraçado.

Após o encontro oficial, os membros da tripulação deram início a um agradável passeio pelo interior da ilha de Santiago, através de colinas e vales, onde viram magníficas paisagens, pássaros com longos bicos vermelhos e plumagem azul-cobalto —a famosa passarinha de Cabo Verde—, assim como macacos. O calor era muito intenso, pelo que, sendo obrigatória uma pausa para o almoço, foram levados a uma magnífica selva de loureiros, onde descansaram e comeram sob a sua espessa sombra. Em seguida, escreve Francisco de Orleães no seu diário de bordo, desceram por uma ladeira íngreme de vegetação exuberante, formada por coqueiros, bananeiras, anileiros e acácias, até ao fundo do vale, onde foram recebidos pelos habitantes do lugar. Descansaram e foram agraciados com excelentes laranjas e cocos. Depois, partiram para Trindade, que, de acordo com o jovem Príncipe, era «um dos locais mais bonitos que tenho conhecido: um vale formado por massas de rochas vermelhas, muito escarpadas em alguns lugares, no fundo do qual um riacho rega belas plantações de coqueiros gigantescos e laranjeiras monstruosas».

À tarde, Sua Alteza foi convidada a jantar na residência do Cônsul de França, o qual, antes da partida, entregou aos membros da tripulação, num gesto de cortesia pela escala na Praia, sete bois e catorze perus para o trajeto até ao Brasil.

No dia seguinte, 11 de dezembro, após esta pitoresca escala no arquipélago, o Príncipe de Joinville partiu no Hércules com destino ao Rio de Janeiro. Terminada a sua viagem ao Brasil, o nosso protagonista voltou a embarcar em 1839, desta vez na Créole, com destino ao México, para intervir na Guerra dos Pastéis e lutar frente a Veracruz, por ocasião da declaração de guerra feita pela França ao governo mexicano; e em duas ocasiões a bordo da Belle-Poule: a primeira, em 1840, com a missão de repatriar os restos mortais de Napoleão Bonaparte da ilha de Santa Helena, onde parou previamente nas Canárias para subir ao Teide, o Pico de Tenerife (2); e a segunda, em 1842, novamente com destino ao Brasil, para pedir a mão da sua futura esposa, Francisca de Bragança, filha do imperador Pedro I do Brasil, com quem casou em 1843 e com quem teve dois filhos. Curiosamente, a Belle-Poule com o Joinville a bordo, ancorou uma vez mais na baía da Praia, mas a pressa da viagem o impediu descer à terra.

Mais tarde, participou na Guerra Franco-Marroquina de 1844, onde alcançou o posto de vice-almirante. Após a Revolução de 1848, exilou-se em Inglaterra, tentando, sem sucesso, restaurar a Monarquia em França. Depois de alguns anos nos Estados Unidos, retornou a França após a queda do Segundo Império, em 1870, e participou na Guerra Franco-Prussiana, onde foi preso e exilado novamente. Eleito para a Assembleia Nacional em 1871, demitiu-se em 1876 e morreu em Paris em 1900.

Poucos se lembram hoje da figura do Príncipe de Joinville, que foi, para a história de França, como autor das obras Essais sur la marine française (1853) e Études sur la marine (1859 e 1870), um dos principais promotores da modernização da Marinha francesa no século XIX. Além disso, deve também ser recordado na história de Cabo Verde como o primeiro viajante ilustre, membro da realeza europeia, que visitou as nossas ilhas no século XIX.

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(1) Journal de voyage - Campagne à bord du vaisseau L'Hercule (Afrique et Amérique) - 9 décembre 1836 - juillet 1838 (J3306). Fonds François d'Orléans, dit le prince de Joinville (XIXe siècle). Musée National de la Marine de France.

(2) Cólogan y González-Massieu, Jorge. Un viajero ilustre en Canarias: las escalas de Francisco de Orleans, príncipe de Joinville, en el puerto de Santa Cruz de Tenerife. Boletín de la Real Academia de la Historia, Tomo 218, Cuaderno 1, 2021, pp. 243-282.

(3) Vieux souvenirs – Mémoires de François d´Orléans, Prince de Joinville. Bibliothèque National de France.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1241 de 10 de Setembro de 2025.

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Autoria:Jorge Cólogan y González-Massieu,15 set 2025 7:39

Editado porAndre Amaral  em  15 set 2025 7:39

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