A tragédia quotidiana do povo cubano e o discurso da cooperação técnica da embaixada de Cuba em Cabo Verde

PorSOS Cuba em Cabo Verde,14 nov 2025 9:20

Há dias em que as imagens falam mais alto do que qualquer discurso. As de novembro de 2025, que circulam nas redes sociais sobre a situação em Cuba são insuportáveis: idosos e crianças desnutridas a vasculhar lixo em busca de comida, hospitais e farmácias sem medicamentos, famílias sem luz nem água há dias, falecidos cujos familiares aguardam horas por transportes mortuórios que nunca chegam…. Sentimos um nó físico no estômago - não apenas de dor, mas de impotência e até de incredulidade. E, no entanto, nas notícias nos últimos dias em Cabo Verde, lia-se que o Embaixador de Cuba anunciou a possibilidade de ampliação da cooperação técnica com o nosso país nas áreas da agropecuária e da saúde. Uma pergunta impõe-se: como é possível oferecer o que não se tem?

A falência agrícola de um país outrora fértil: Durante décadas, Cuba foi apresentada como modelo de autossuficiência agrícola. Hoje, essa imagem é uma miragem. Segundo o United States Department of Agriculture (USDA), a produção de arroz, milho e feijão tem vindo a decrescer desde 2017, devido à escassez de insumos, maquinaria obsoleta e falta de incentivos. A FAO confirma que, em 2024, a colheita de cereais ficou muito abaixo da média histórica, agravada por falta de fertilizantes e combustíveis. As vacarias estão vazias, os rebanhos foram dizimados e o consumo de carne per capita caiu para níveis inferiores aos de 60 anos atras. A IFAD (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola) descreve o setor como “baixa produtividade, envelhecimento rural e inovação quase nula”. Perante esta realidade, a ideia de Cuba “transferir conhecimento técnico” em agricultura soa a paradoxo. O país não consegue alimentar o seu próprio povo; o que resta exportar é apenas retórica.

Um sistema de saúde à beira do colapso: Algo semelhante acontece com o setor da saúde, outrora motivo de orgulho nacional e bandeira diplomática. A Organização Pan-Americana da Saúde alerta para a perda acelerada de profissionais, falta de medicamentos e infraestrutura degradada. Em 2023, Cuba perdeu mais de 12 mil médicos e 7 mil enfermeiros, na sua grade maioria emigrados para sobrevivêr. Nos hospitais, faltam seringas, antibióticos, antipiréticos, luvas, anestésicos. As filas de espera nos serviços de urgência ultrapassam as 10 horas e os pacientes crónicos - como diabéticos, cardíacos e renais - são deixados sem tratamento. As taxas de morbilidade aumentaram, e doenças que pareciam controladas, como a dengue, zika, chikunguya regressaram com força e atualmente, Cuba atravessa uma grave crise sanitária comparável com a Pandemia do Covid 19. É neste contexto que Havana anuncia novas brigadas médicas para o estrangeiro. Um gesto mais destinado à diplomacia e à comercialização de profissionais para a captação de divisas, do que à solidariedade humanitária.

Embargo ou bloqueio; o uso político de uma palavra: Em cada debate na ONU, repete-se o ritual: uma resolução quase unânime contra o chamado “bloqueio americano”. Mas há um equívoco semântico deliberado. O termo correto é embargo, não bloqueio. Trata-se de um conjunto de sanções económicas e comerciais impostas pelos Estados Unidos, com exceções claras para alimentos, medicamentos e remessas familiares. Cuba, porém, transformou o embargo em justificativa total para o colapso interno. Conforme estatísticas de comércio exterior publicada pela OEC, as exportações de Estados Unidos a Cuba em 2024 superaram os $5866 milhões, sendo 87% alimentos e matérias primas números que vão tem aumentado em 2025. Embora as sanções agravem as dificuldades de acesso a mercados e crédito, e Cuba tenha relações comerciais com outros países, grande parte da dívida externa e da grave crise económica interna deve-se à incapacidade de produzir e gerar ingressos resultado da corrupção, a má gestão, a ausência de transparência e a concentração de poder económico nas mãos das Forças Armadas. O verdadeiro bloqueio é interno, imposto pelo próprio regime à liberdade económica, à iniciativa privada e à expressão cívica do povo cubano. Aliás no coração da economia cubana opera o conglomerado militar-empresarial GAESA, controlado pelas Forças Armadas Revolucionárias. A Transparency International descreve-o como um “Estado paralelo”, opaco, sem auditoria pública, que domina o turismo, o comércio externo, os bancos e as remessas. Documentos revelados em 2025 estimam que GAESA acumula 18 mil milhões de dólares em ativos, enquanto o país mergulha na penúria. Os investimentos concentram-se em hotéis de luxo e infraestruturas turísticas - financiadas com dívida externa - enquanto as cidades sofrem apagões diários, falta de medicamentos e desabastecimento alimentar. GAESA simboliza a desigualdade extrema: uma elite militar enriquecida e um povo faminto.

A tragédia quotidiana: fome, apagões e mortes invisibilizadas: A crise cubana deixou de ser episódica para se tornar sistémica. O The Guardian e a Reuters noticiaram em março de 2025 o colapso completo da rede elétrica nacional, deixando 10 milhões de pessoas sem luz. Nos cemitérios de Camagüey, Matanzas e Villa Clara, os cadáveres aguardam dias por sepultura, devido à escassez de cimento e à falta de transporte funerário. O El País relatou o drama dos pacientes renais que “morrem lentamente” pela falta de hemodiálise. A FAO aponta que mais de 70% dos cubanos vivem em insegurança alimentar moderada ou grave. A UNICEF relata que 9% das crianças cubanas sofre pobreza alimentária grave - acesso a apenas dois alimentos essenciais e, 33% sofre pobreza moderada – acesso até 4 alimentos essenciais.A prostituição infantil e o tráfico de pessoas voltaram a crescer, alimentados pela miséria…

Tudo isto enquanto o regime continua a exportar médicos, e a discursar sobre “cooperação solidária”. A solidariedade entre povos não se mede por discursos, mas pela capacidade efetiva de partilhar progresso e conhecimento. E Cuba, infelizmente, deixou de ter ambos.

Nós, mais uma vez, alçamos a voz para denunciar, e o fazemos por amor e afeto pela pátria: Cuba não precisa de mais resoluções da ONU, nem de paninhos quentes. Cuba precisa de liberdade, transparência e pão. Enquanto o povo adoece, emigra e morre, o regime fala de “cooperação técnica” e “bloqueio externo”.

Mas a verdadeira tragédia quotidiana, cruel e evitável, é o bloqueio interno que sufoca o país há mais de seis décadas. E é esse bloqueio que o mundo insiste em não ver!

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Tópicos

Cuba

Autoria:SOS Cuba em Cabo Verde,14 nov 2025 9:20

Editado porAndre Amaral  em  14 nov 2025 9:20

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.