Em Reconhecimento da Centralidade do Oceano em Cabo Verde

PorJosé da Silva Gonçalves,24 nov 2025 7:46

Na primeira semana de Novembro, S. Vicente foi palco da 8ª Edição da Cabo Verde Ocean Week (CVOW), sob o lema “O Oceano Conecta Povos”. Este evento que vem sendo celebrado desde 2018, adquire cada vez mais maior protagonismo com a especial importância dada à centralidade do Oceano na salvaguarda e sustentabilidade dos recursos marinhos em Cabo Verde e, não só.

Este artigo, inspira-se numa apresentação preparada para intervenção no painel Leadership Talks da Ocean Summit, evento esse organizado pela Fundação Carlos Albertino Veiga que encerrou o sexto dia da CVOW. A dita intervenção tinha como propósito destacar o papel do Oceano na realidade e no ideário cabo-verdianos, tornando-se cada vez mais no centro da política de desenvolvimento do País, a qual felizmente é hoje progressivamente assumida pela sociedade civil.

Estes “10 grãozinhos de terra que Deus botâ na meio de mar”, na voz de Cesária, brotaram que nem um bago de furúnculos vulcânicos de uma profundidade de quase 3km do fundo do Oceano há cerca de 30 milhões de anos, sendo o primeiro dos quatro arquipélagos da Macaronésia a somar à superfície marítima. Sendo Cabo Verde 99% Mar na base da nossa Zona Económica Exclusiva, não é nada surpreendente a destacada centralidade do Oceano no meio envolvente, na cultura e no imaginário cabo-verdianos, como patenteado nos mais de uma centena de mornas que falam direta e indiretamente do Mar. Esta rica temática oceanográfica, abrange o Mar tanto como “caminho pa terra longe” como barreira que separa os entes queridos.

Porém, se uma vez a olho nú, a imensidão das águas que nos rodeiam pareciam um “Mar eterno, sem fundo e sem fim”, nas letras do imortal poeta bravense, Eugénio Tavares, hoje, graças aos avanços da ciência e da tecnologia, ganhamos cada vez maior consciência de que o Mar não é eterno; ele tem fundo e tem fim. Esta tomada de conciência do quão finito é o Ocenano, embora tardiamente reconhecida, tem-se manifestado em trágicos resultados das mudanças climáticas, com consequêcias nefastas como foi a recente tempestade que assolou a ilha de S. Vicente na madrugada de 11 de Agosto passado. Os trabalhos de equipas nas praias das nossas ilhas, em particular nas praias da ilha de Santa Luzia, nos fazem lembrar da ação das correntes que afunilam constantemente o lixo marítimo descartado por ação humana para essa ilha desabitada de Cabo Verde. Caso ainda muito mais grave para o nosso planeta é a Grande Mancha conhecida como “Ilha de Lixo do Oceano Pacífico”, localizada entre Califórnia e Hawaii, constituído sobretudo por plástico e resíduos sólidos flutuantes, com o tamanho de 1,6 milhões de km2, ou seja, três vezes a superficie da França! Tão preocupante é o fenómeno do lixo marinho, sobretudo do plástico, que os cientistas estimam que se medidas drásticas não forem tomadas de imediato, até 2050 haverá mais plástico do que peixe nos Oceano! Porque o Mar é FINITO e não INFINITO, por estes e outros exemplos, somos todos instados a assumir cada vez maior custódia de encarregados para cuidar do bem-estar do Oceano. Esta enorme responsabilidade é de todas as forças vivas da sociedade, desde políticos, organizações internacionais, governos e organizações não governamentais, sociedade civil, lugares de culto, famílias, associações comunitárias e escolas - em particular o ensino obrigatório - em que depositamos nossa maior esperança.

Em Cabo Verde, estamos a constatar sinais encorajadores, ainda que embrionários desta mudança de atititude e comportamento face à problemática de bem cuidar do Oceano. O mais saliente exemplo é o trabalho levado a cabo pelas equipas da Biosfera, Projeto Vitó, Fundação Tartaruga, entre outras organizações que têm dado excelente exemplo do papel que pode desempenhar organizações não governamentais neste processo. Outros grupos comunitários, menos estruturados, têm dado valiosos contributos em actividades específicas como cuidar da desova de tartarugas, por exemplo. Grupos de jovens também têm dado sinais positivos com campanhas de limpeza de praias em vários pontos do País.

O Governo, por sua parte, tem dado cada vez maior atenção à problemática da Centralidade do Oceano no quadro das políticas e programas públicos em curso. Nesse sentido, Cabo Verde começou a afirmar-se como “País Oceánico” através de participações activas em eventos internacionais como sejam COP 22 em Marrakech, Marrocos. De maior relevo ainda foi a participação na Primeira Conferência sobre os Oceanos promovidas pelas Nações Unidas em Nova York em Junho 2017, momento em que Cabo Verde, juntamente com Grenada e Islândia colaboraram na liderança de iniciativas das SIDS nessa novel Conferência. A participação de Cabo Verde nesses eventos internacionais tem ajudado o País a gizar um programa focado na problemática de mudanças climáticas e cuidado do Oceano. O primeiro grande passo dado nesse sentido foi a criação do actual Ministério do Mar, visando o foco na centralidade do Mar. Esta iniciativa na centralidade do Oceano foi coroada com a criação da Zona Económica de Economia Marítima em S. Vicente (ZEEMSV) em 2019. A ZEEMSV põem em relevo a centralidade do Mar, tornando S. Vicente no epicentro desta estruturante iniciativa. Várias outras inicitivas complementares convergentes foram também implementadas para dar corpo estruturante a ZEEMSV como sejam o recém inaugurado terminal de cruzeiros do Porto Grande, o primeiro do país, o Campus do Mar, outra iniciativa estruturante nas áreas do ensino técnico e na investigação marítma, coroado pelo Centro Oceanográfico de Mindelo, fruto da cooperação entre Cabo Verde e Alemanha. A nível de políticas públicas de relevo destacamos a Estratégia Nacional para a Economia Azul elaborada com apoio técnico da FAO que visa imprimir liderança estratégica de Cabo Verde neste domínio. Esta visão foi incorporada nos Planos Estratégicos de Desenvolvimento Sustentável (PEDS I 2017–2021 e PEDS II 2022-2026), onde o Mar surge não apenas como sector económico, mas tranformou-se no eixo transversal de desenvolvimento sustentável. Mais recentementte, a própria Presidência da República tem assumido um papel cada vez mais activo na promoção da centralidade do Oceano em Cabo Verde, tanto a nível internacional como nacional, no quadro da iniciativa da Década dos Oceanos. Esta iniciativa, promovida pelas Nações Unidas através da UNESCO, visa mobilizar a comunidade científica, governos, sector privado e sociedade civil com vista a encontrar soluções para reverter o declínio da saúde dos Oceanos.

Iniciativas temáticas como o ciclo da Ocean Week, que se iniciou em 2018, têm sido o fio condutor para imprimir maior consciencialização da centralidade do Oceano no País. Pontualmente, Cabo Verde tem hospedado grandes eventos internacionais como sejam a Ocean Race, que fez a sua primeira escala no Porto Grande na volta ao mundo em Janeiro de 2023; regatas de iates que têm aportado a marina no Porto Grande, entre outros. Mais recentemente, um dia antes da inauguaração da 8ª edição da CVOW, acontedeu um facto inédito em S. Vicente, com a partida de um jovem casal francês da Praia da Laginha que iniciaram a travessia do Atlântico a nado rumo à ilha de Guadalupe nas Caraíbas para chamar atenção à necessidade de incluir a matéria de proteção do Oceano no currículo escolar. (A façanha que durará 3 meses pode ser acompanhada em tempo real via link: https://share.garmin.com/atlanticswim.)Outrossim, a dinâmica da pesca desportiva na região de Barlavento é evidenciada pelas dezenas de barcos especializados com base no Mindelo que atraem pescadores profissionais e amadores do mundo inteiro. A nível da sociedade civil, sublinhamos ainda o papel contagiante de Cavala Fresk Feastival promovida há já vários anos pela organização Mariventos. E para culminar a iniciativa da sociedade civil organizada na centralidade do Oceano, tomamos nota de medidas proactivas recentemente anunciadas pela Fundação Carlos Albertino Veiga, dos quais se destaca a Plataforma Marítima virtual, entre outros.

Cabo Verde está na rota para cumprir com um programa transversal da economia azul no quadro do Programa 14 das ODS das Nações Unidas, visando a centralidade do Oceano. Um claro exemplo desta iniciativa é a liderança de Cabo Verde na coordenação dos 7 países na nossa sub-região com vista a expandir as respectivas ZEEs para 350 milhas da linha de base para além das actuais 200 milhas, resultado esse que se espera antes de 2028. Porém, o desiderato de ser uma Nação cada vez mais Oceánica, acarreta grandes responsabilidades no cuidado do bem-estar dos nossos Mares e Oceano. Como é evidente, o garante da perenidade desta iniciativa terá de ser ancorado numa ampla participação das forças vivas da sociedade civil e na liderança das políticas públicas nacionais. O alcance deste desiderato terá que necessariamente adoptar uma abordagem top-down e down-up, que deverá enraizar-se no sistema escolar do ensino obrigatório. Só a ancoragem instrínseca desta iniciativa como matéria perene no currículo do ensino obrigatório, combinado com outras iniciativas de políticas públicas e participação da sociedade civil, no seu todo, assegurarão a almejada sustentabilidade de uma cultura perene da economia azul fundada em novos valores e comportamentos de gerações presentes e futuras.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1251 de 19 de Novembro de 2025.

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Autoria:José da Silva Gonçalves,24 nov 2025 7:46

Editado porAndre Amaral  em  24 nov 2025 14:19

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