Cabo Verde: Um país de vulcões onde poucos sabem sobre eles

PorExpresso das Ilhas,2 jun 2013 0:00

1

Quem pensa que o único vulcão activo de Cabo Verde está no Fogo está muito enganado. Em todas as ilhas há actividade vulcânica. Isto não significa que vamos assistir a erupções por todo o arquipélago, o que provavelmente nunca acontecerá, mas o fenómeno tem de ser permanentemente vigiado e esse é um dos trabalhos do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica de Cabo Verde.

 

 

A actividade eruptiva em Cabo Verde é cíclica, com intervalos de tempo entre os ciclos ordem dos 4 milhões de anos. Santo Antão, por exemplo, começou a formar-se há 7 milhões de anos, teve um intervalo eruptivo de 4,6 milhões de anos e depois voltou a entrar em erupção. Enquanto o Sal tem um ciclo eruptivo de 2 milhões de anos, São Nicolau teve o último período eruptivo há 50 mil anos e em São Vicente as mais ‘recente’ erupções foram há menos de 300 mil anos.

“Temos de estar conscientes de que estamos a viver num arquipélago de origem vulcânico, onde não se pode falar de vulcões extintos, pelo menos no estado actual do conhecimento”, explica o vulcanólogo Bruno Faria, responsável pelo Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica de Cabo Verde, sediado no Mindelo.

A actividade vulcânica em Cabo Verde explica-se pela existência de um hot spot sustentado por uma pluma mantélica [um fenómeno geológico que consiste na ascensão de um grande volume de magma desde as regiões mantélicas profundas até às regiões infracrustais da Terra], ou seja, uma pluma de material relativamente quente que por convexão mantém uma deformação na litosfera [camada exterior da Terra, também denominada geosfera, constituída por rocha dura e quebradiça. Incluindo toda a crusta terrestre e uma parte do manto superior, apresenta uma espessura que varia entre menos de 50 e mais de 125 quilómetros, com uma média de cerca de 75 quilómetros] na zona de Cabo Verde.

“Dizem que é a maior deformação litosférica do mundo”, explica Bruno Faria, “isto quer dizer que temos uma anomalia. O fundo do mar de Cabo Verde está dois quilómetros acima do que devia estar e numa área que se estende por cerca de 1300 quilómetros de diâmetro. Para sustentar uma deformação desta é necessário haver um sistema qualquer em profundidade, senão afundase. Se estas ilhas ainda estão à superfície é porque alguma coisa estará a sustentar. Isso quer dizer que a possibilidade de surgir actividade vulcânica é verdadeira”.

É verdadeira, mas não quer dizer que venha a acontecer. Se calhar, nem vai voltar a acontecer porque as condições também vão mudando. Vai havendo solidificação, a crusta [camada sólida e superficial da Terra] torna-se cada vez mais espessa e torna-se mais difícil que o material quente a consiga partir. Mas, como quase sempre, na ciência nunca há certezas absolutas.

“Um dia, pode haver uma acumulação tão grande que pode provocar uma perfuração e este material quente pode chegar à superfície, ou seja, haverá uma erupção. Esperemos que não, mas temos de estar preparados se isso acontecer e é nesse sentido que estamos a trabalhar”, refere o vulcanólogo.

Para o efeito o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica tem uma rede sismométrica a ser instalada em todas as ilhas e mais de 50
por cento das ilhas habitadas já estão contempladas: Santo Antão, tem quatro estações, no Sal há uma, em São Vicente há uma, no Fogo há oito, na Brava há duas, e está previsto ainda para este ano instalar mais uma estação em Santo Antão e outra em São Nicolau. O equipamento já existe, falta construir os abrigos e instalar o material. Para Santiago já há mais material encomendado, falta apenas o financiamento e o INMG espera ainda nos próximos anos completar a rede no Fogo, onde o Instituto quer instalar mais duas estações, apesar do controlo actual da ilha ser bastante profundo.

O sistema funciona da seguinte forma. Quando há acumulação de energia, há oscilações que se propagam. Os sismómetros medem, à distância, a passagem das ondas provocadas por esta perturbação. Nas zonas onde há falhas activas há a libertação da energia acumulada pelos blocos, no caso das zonas vulcânicas, a introdução do magma em profundidade deforma o meio e nas fracturas ou falhas pré existentes há libertação de energia que se propaga ao interior da Terra sob a forma de ondas.

Depois de ‘ver’ os eventos sísmicos, os técnicos do INMG têm de ter a perspicácia de analisar o sinal registado, classificá-lo e descobrir qual é a sua origem. “Importante no trabalho que fazemos aqui é observar o que estamos a registar.

Fazendo uma classificação conseguimos saber qual é que é a origem deste sinal. Muitas vezes, os conteúdos das ondas alteram-se e então
temos um bocadinho mais de trabalho para interpretar e ver como as coisas evoluíram. O que há, o que não há, onde foi registado, etc., aqui tudo o que registamos temos de procurar a origem, para interpretar, saber se representa algum risco para as populações”.

Erupções não acontecem sem aviso

Além da origem, geralmente consegue-se calcular as consequências do fenómeno. Com excepções, como aconteceu no Japão, onde não se conseguiu prever, à priori, o que aconteceu. “Sabe-se que pode acontecer, mas não sabe exactamente quando vai acontecer”, explica Bruno Faria. Mas aí houve um sismo seguido de Tsunami, já na monitorização vulcânica, acompanhando com rigor os sinais registados e interpretando-os de forma correcta, pode-se, em princípio, prever o início da erupção.

“Não excluo a hipótese de haver erros, porque não sabemos bem o que está no interior da terra, mas, mais vale ter um erro e prevenir as pessoas do que não fazer nada. Ou seja, mais vale errar por excesso do que por defeito. Se errarmos por excesso, as coisas voltam à normalidade, se errarmos por defeito não conseguimos levar as coisas à normalidade de novo. Se há um rebanho que se podia ser tirado do curral e que acaba queimado pela lava, mais vale tirá-lo e devolvê-lo do que não o tirar”.

Uma certeza há, ninguém será apanhado de surpresa por uma erupção em Cabo Verde. Se por acaso uma ilha onde há muito tempo não há
uma erupção vier a ter uma, isso não vai acontecer de um dia para o outro. No Fogo, por exemplo, o prazo é de cinco meses entre os primeiros sinais e a erupção. Noutra ilha, onde a crosta está muito rija estamos a falar de um espaço temporal que pode variar entre
um ano e dois anos. Nunca será uma explosão de repente.

A gestão de risco e os planos de contingência são da responsabilidade da protecção civil, no entanto, sublinha Bruno Faria, não vinha mal ao
mundo se houvesse mais articulação entre os agentes da protecção civil, mais encontros para refinar a comunicação, a linguagem, os procedimentos, mesmo alguns planos de emergência que precisam de ser alterados. “É necessário também fazer exercícios, informar as pessoas. A última erupção no Fogo foi há 18 anos, quer dizer que um habitante de Chã das Caldeiras que tenha hoje dezoito anos é um adulto e não sabe o que é uma erupção, portanto é preciso manter as pessoas sempre informadas. Não têm de estar alarmadas, mas devem estar informadas”.

Num exercício hipotético, imaginemos que dentro de cinco meses pode haver uma erupção. O primeiro passo do INMG é informar o Serviço Nacional de Protecção Civil de que estão a ser registadas anomalias para que revejam os planos de emergência. Ao fim dos cinco meses vê-se como a situação evolui. Se houver confirmação actividade eruptiva, o tempo vai diminuindo. Seguem-se as seguintes etapas: começar a informar as pessoas (porque aí haverá um máximo de dez dias); se a erupção se confirmar (porque às vezes o magma arrefece no interior da terra e solidifica), o tempo diminui para dois a três dias. É chegado o momento de a protecção civil dizer à população que tem de sair das zonas de risco. A última etapa é fechar a zona e ninguém mais entra porque a erupção pode acontecer a qualquer momento.

Cabo Verde a salvo dos grandes sismos?

“Temos de ter na ideia que estamos aqui há quinhentos anos e não vamos deixar de viver de dormir porque nos preocupamos com isso. Uma
população informada está sempre menos vulnerável. Ao tomarem consciência de algum problema saberão reagir da forma exacta, mas não há motivos para pânico nem preocupações de maior. Devemos sim ter uma atitude de responsabilidade”, esclarece Bruno Faria. Até porque se por parte do governo há o entendimento de que é necessário manter o país sob vigilância, por parte da população não há essa noção. “Uma ou outra pessoa pode estar informada, mas se tivermos em conta a maioria das pessoas não há esta percepção”.

Não há ideia da quantidade de sismos sentidos em Cabo Verde: cerca de dois mil por ano. Quase ninguém dá conta porque as amplitudes são muito baixas, muitas vezes o sismógrafo nem as mostra e têm de usar-se outras técnicas para as detectar. E ao contrário do que se pensa, Brava e Fogo não são as únicas ilhas com registos, Santo Antão tem uma actividade sísmica muito importante. Apesar de não se
notar, em média, há dois ou três eventos por dia.

“Há uma parte significativa de eventos sísmicos cujos epicentros se localizam na periferia da ilha, onde foram descobertos recentemente alguns campos eruptivos. Não se sabe ainda a datação, foram descobertos no mar, a 3 mil metros de profundidade”.

Excluída parece estar a hipótese de dia sermos sacudidos por um sismo maior. “Os estudos mostram que a litosfera aqui em Cabo Verde não
está fracturada”, adianta Bruno Faria, “contudo, não excluo que os barcos não passaram em todos os sítios, pelo que em algum sítio pode haver uma fractura ou uma falha.

No entanto, quando se decidiu fazer esses estudos, que são muito caros, não os fizemos de ânimo leve, foram com base em alguns princípios que nos fizeram ir a esses sítios ver se havia anomalias”.

Para haver um tremor de terra muito forte é preciso que haja uma acumulação de tensões na litosfera. Ou mesmo na crosta. E há estudos que
mostram que a acumulação de tensão em Cabo Verde é muito baixa. “Por isso, dificilmente iremos ter um tremor de terra muito forte em Cabo Verde – maior do que 5 [na escala de Richter] – apesar de na ilha do Fogo, por exemplo, quando há o inicio das erupções, ou seja, quando o magma começa a fracturar as rochas, não podemos excluir a hipótese de haver magnitudes de 4 a 5. Mas, diria que a probabilidade de um terramoto com uma magnitude maior do que 5 é muito reduzida, se calhar até nula. No entanto, o estado do conhecimento pode
evoluir, não podemos ser pretensiosos e achar que sabemos tudo. Senão, não valia a pena continuar a estudar. Devemos preocupar-nos, essencialmente, com a actividade vulcânica. Um sismo como o do Japão ou do Haiti não creio que aconteça em Cabo Verde”, conclui o
vulcanólogo Bruno Faria.


Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Expresso das Ilhas,2 jun 2013 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  18 dez 2021 23:01

1

pub.

Rotating GIF Banner

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.