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Ser canhoto nunca foi fácil.
Desde pequenos que tivemos de nos adaptar a um mundo que fazia tudo ao contrário de nós. Tudo era feito para quem usava a mão “certa”, a mão direita.
Os cientistas dizem que o ser vivo com maior capacidade de adaptação aos mais diversos tipos de meio ambiente é o ser humano. Eu acrescento a palavra canhoto ao fim da frase anterior.
Porquê? Por uma razão muito simples. Toda a vida de um canhoto é passada a usar objectos feitos a pensar nos destros. As canetas, os talheres, os objectos mais corriqueiros do nosso dia-a-dia são feitos a pensar em vocês destros.
Qual o canhoto que nunca pegou numa caneta de tinta permanente para ver tudo quanto escreveu ser esborratado por causa da sua mão que passava por cima do que estava escrito antes de a tinta secar?
Quem nunca reparou na luta de um canhoto com uma tesoura?
Qual de vocês nunca se riu, ou pelo menos sorriu, ao ver um canhoto tentar usar um abre-latas?
Mas nós adaptamo-nos. E vocês destros? Adaptam-se a nós? Estou em crer que não.
Querem exemplos? Eu dou. Vamos para o campo desportivo. Pelé e Maradona, dois dos melhores jogadores de futebol de todos os tempos. Porquê? Porque nunca nenhum de vocês, destros, conseguiu perceber como é que eles conseguiam fazer aquelas coisas maravilhosas com a bola colada ao pé… esquerdo.
Rafael Nadal, John McEnroe, Martina Navratilova. Nomes grandes do ténis mundial chegaram onde chegaram à custa de muito trabalho, esforço e dedicação, mas serem canhotos ajudou e de que maneira.
Albert Einstein, Isaac Newton, Leonardo da Vinci, os maiores génios da ciência mundial… canhotos.
Mas se fomos capazes do melhor, também conseguimos o pior. Alguns dos mais perversos personagens da história eram canhotos. Hitler era um deles, mandou matar milhões de pessoas, foi responsável por um dos mais negros períodos da história da humanidade. Mas não comecem a pensar que o que é mau é apenas canhoto… Estaline era destro e também ele foi responsável pela morte de milhões de pessoas e por outros dos períodos mais negros da história da humanidade.
Não deixa de ser curioso. Hitler, líder de extrema-direita era canhoto e Estaline líder de extrema-esquerda era destro.
Mas o mundo não é, decididamente, feito para nós. Nos tempos da escola primária lembro-me das histórias de antigamente que falavam de professores que amarravam as mãos esquerdas dos alunos canhotos às mesas ou às cadeiras para os obrigar a escrever com a mão “certa”. Caso a “doença” persistisse a cura era ministrada à base de reguadas até que o paciente ficasse curado.
Mais tarde no ensino secundário e na universidade lembro-me do sofrimento que era escrever nas cadeiras feitas para quem usa a mão direita. Lembro-me da dança de cadeiras para que não houvesse choques de cotovelos com o colega do lado porque ele era destro.
À mesa, para uma simples refeição, um canhoto tem sempre duas soluções ou fica ao lado de outro canhoto, se por acaso ele existir, ou então tem de passar todo o jantar a fazer cálculos para que o seu parceiro destro consiga comer a sopa descansado e sem levar nenhuma cotovelada.
Recupero a questão da nossa capacidade de adaptação. Ela é de tal forma grande que, apesar das nossas constantes lutas com canetas, abre-latas, e demais objectos, quando os encontramos feitos para canhotos acabamos por desprezá-los. Sim porque eles existem. Para escrever este texto usei uma caneta de canhoto. Mas o rato do computador onde tornei este texto legível esteve sempre do lado direito e foi sempre usado com a mão direita.
Mas a discriminação começa logo na definição de destro e canhoto. Vejam bem a definição de destro: “do latim dexter, -tra, -trum, que fica à direita, direito, aquele que é dotado de destreza ou agilidade. = ÁGIL, DESEMBARAÇADO, HÁBIL, PERITO.”
E agora reparem no que é um canhoto “que ou quem tem maior habilidade com o lado esquerdo do corpo, em especial com a mão, do que com o lado direito. = ESQUERDINO, pouco hábil. = CANHESTRO, DESAJEITADO. Demónio.”
Demónio…
Isto tudo vem a propósito de ontem, 13 de Agosto, ter sido dia mundial do canhoto.
