Cidades Modelo nas Honduras

PorJorge Montezinho,25 ago 2014 0:00

Tem dado muito que falar nas Honduras, e no mundo, a proposta de estabelecer uma cidade modelo – um território independente, com administração autónoma do governo hondurenho. Os analistas mais liberais falam de um modelo propício à criação de mais postos de trabalhos. Os teóricos mais à esquerda opõem-se ao que chamam de ‘cidades privadas das grandes empresas’.

 

As cidades modelo têm como base o conceito das ‘charter cities’, defendido por Paul Romer, economista norte-americano e professor na Universidade de Nova Iorque (ver caixa). No fundo, o que se pretende é criar zonas especiais de desenvolvimento similares a Singapura, Hong Kong ou Shenzhen, com dispositivos legais e económicos flexíveis que lhes permite tornarem-se em pontos-chave para o comércio.

As Honduras, ali mesmo no meio da América Central, é um país com 7.5 milhões de habitantes, que se debate com problemas económicos e de acesso à educação, saúde, infra-estruturas e segurança, ostenta ainda um dos índices mais altos de homicídios a nível mundial e sofre com o impacto negativo dos gangues e do narcotráfico. Em Junho de 2009, o seu sistema político sofreu também uma reviravolta por causa de um golpe de estado, perpetrado contra o então presidente Manuel Zelaya, o qual teve um impacto forte na percepção que a comunidade internacional tinha do país e afastou os investidores externos.

As RED (Regiões Especiais de Desenvolvimento, como são conhecidas nas Honduras) tentam aparecer como uma alternativa para potenciar o país e convertê-lo num modelo de êxito. De acordo com a reforma do artigo 329 da Constituição hondurenha, as RED “são entes criados com o objectivo de acelerar a adopção de tecnologias que permitam produzir e prestar serviços de alto valor acrescentado, num ambiente estável e com regras transparentes”.

No entanto, o projecto não está livre de controvérsia. Alguns analistas dizem que as RED seriam, no fundo, enclaves governados por uma elite, geradoras de injustiças e que não passarão de um Estado dentro do Estado, pondo assim em causa o conceito de soberania das Honduras sobre o próprio território. A estas críticas o governo respondeu que não se pretende vender o território mas sim, quando muito, conceder um certo nível de autonomia uma vez que continuariam a ter o controlo da defesa e das relações exteriores das RED. Segundo o jornal hondurenho La Prensa, o presidente do Congresso da República, Juan Orlando Hernández, afirmou que “para 2014 poderão ter-se 30 mil novos empregos, 45 mil em 2015 e, no total, dentro de quatro anos, calculamos que poderemos conseguir 200 mil novos postos de trabalho graças às cidades modelo”.

Outras vozes contra, no entanto, chamaram a atenção para o desvirtuamento do projecto inicial. Se primeiro se pensou em escolher zonas despovoadas para desenvolver as cidades modelo, posteriormente começaram a ser seleccionadas áreas que já têm infra-estruturas, estradas, etc., como o Valle Sula, o Valle Agalta e a zona sul das Honduras.

O projecto começou por ser liderado pelo próprio Paul Romer, que chegou a integrar uma equipa que formou a Comissão de Transparência e que tinha por objectivo acompanhar a execução da iniciativa. Agora, o projecto está nas mãos de Michael Strong, do consórcio MGK (ver caixa), que se afastou da proposta de Romer. Romer escreveu uma carta pública ao presidente Porfírio Lobo, no seu site Charter Cities, onde dizia que existiam condições no país que “não tinham permitido que a Comissão de Transparência tivesse o papel para que originalmente se criou”. Por isso mesmo, Romer considerava ser melhor não continuar a fazer parte deste processo apesar de, sublinhou, “continuar a acreditar firmemente na visão por trás da iniciativa RED” e disponível para trabalhar no projecto assim que os impedimentos estivessem resolvidos.

 

O projecto e as polémicas

As cidades modelo serão construídas por investidores privados e geridas de maneira autónoma. Serão um território com as suas próprias leis, sistema tributário, política de imigração e polícia. Uma espécie de ilha dentro de um país soberano. Em Setembro de 2012 o governo hondurenho deu luz verde ao empreendimento com que espera impulsionar o desenvolvimento e o presidente Porfírio Lobo classificou-o como “o mais importante projecto do país em meio século”.

O argumento do governo é de que esta é uma forma de fortalecer a infra-estrutura nacional, bem como de combate à corrupção e ao tráfico de drogas. “Isso tem o potencial para transformar Honduras numa máquina de dinheiro, é um instrumento de desenvolvimento típico de países de primeiro mundo”, disse à AFP Carlos Piñeda, presidente da Comissão para a Promoção de Parcerias Público-Privadas de Honduras.

Os críticos falam da privatização do solo do país, os defensores desmentem esta versão: “As Honduras continuarão a exercer a soberania em matéria de defesa e relações exteriores”, disse o presidente do Congresso Juan Orlando Hernández. Com efeito, a jurisdição das Honduras sobre as cidades modelo abarcará muito pouco fora destes dois campos. O que ficará também sujeito ao governo nacional serão os temas eleitorais e a emissão de documentos de identidade e passaportes.

É por isso que para alguns, a cidade modelo será um país criado dentro de outro país. Uma vez criada a legislação, a cidade governa-se a si mesma, poderá também assinar acordos, estabelecer sua própria política monetária, criar órgãos de aplicação da lei (como tribunais e polícia), fazer o seu próprio orçamento e até “contrair as suas próprias dívidas internas ou externas, sempre que sejam sem o aval do Estado de Honduras”.

A cidade não terá que transferir recursos para Tegucigalpa (a capital hondurenha) excepto para “financiar bolsas de estudo ou em caso de catástrofes nacionais”, como referiu a imprensa local.

 

A favor e contra

Para o ex-fiscal de Defesa da Constituição, Óscar Cruz, a verdadeira catástrofe está na autorização de um modelo que, na sua opinião, constitui uma “burla ao Estado”.

Segundo Cruz, “cede-se parte do território nacional e da população adstrita sem pôr limite nem ao número nem à extensão”.

Também o relator de Liberdade de Expressão da ONU, Frank la Rue, considerou que está a cometer-se “uma violação à soberania nacional e à garantia de respeito e promoção dos Direitos Humanos que tem o Estado para com a população do seu território”, escreveu numa nota de imprensa.

Outra questão em debate é onde serão construídas as polémicas cidades. Organizações de defesa dos direitos dos povos indígenas temem a expropriação de territórios para a sua implementação.

Para a Organización Fraternal Negra Hondureña (Ofraneh), o projecto esconde a intenção de entregar “100 quilómetros quadrados de território nacional ao capital financeiro internacional”, para permitir todo tipo de ilegalidades, como a lavagem de dinheiro.

Mas segundo os promotores da iniciativa, tudo isso está longe da verdade. Como se pode ler na reforma constitucional, o seu objectivo último é promover o desenvolvimento, através da criação de oportunidades e empregos.

O projecto inspira-se, como foi referido, na ideia da charter city do economista norte-americano Paul Romer. A charter city começaria como “um pedaço de território desabitado do tamanho de uma cidade e uma carta, ou constituição, que especifica as regras que se aplicarão lá”, explicou Romer numa entrevista ao blog Freakonomics.

“Se a Constituição tiver boas regras (ou, como dizemos profissionalmente, boas instituições), milhões de pessoas unir-se-ão para construir uma nova cidade”, disse.

Segundo Romer, uma cidade bem gerida garante benefícios para todos. E quantas mais pessoas viverem na cidade, maior será a produtividade e maiores serão estes benefícios.

“A evidência sugere que muitas sociedades estão presas a regras deficientes. Avançar para melhores normas pode ser muito mais difícil do que pensa a maior parte dos economistas. A construção de uma charter city é uma sugestão de como mudar a dinâmica das regras”, defende.

Este é o tipo de “mecanismo de activação” que as autoridades hondurenhas esperam pôr a funcionar com a sua primeira cidade modelo. Até agora, o país recebeu 4 milhões de dólares da Coreia do Sul para os trabalhos iniciais da primeira cidade modelo. Espera-se um investimento adicional de 15 milhões de dólares para a infra-estrutura básica, segundo avançou o presidente do Congresso.

 

Charter City

A Charter City é um conceito novo que pretende fazer face aos novos desafios mundiais e contribuir para ultrapassar a crise. Já há exemplos, como Macau, Singapura, Hong Kong e cidades na Pensilvânia. Ou seja, cidade de milhões de habitantes com um estatuto de grande autonomia. O economista Paul Romer acredita que é possível criar réplicas de sucesso das cidades charter e torná-las no motor do crescimento económico nos países em desenvolvimento, uma ideia que defendeu numa palestra no TED em 2009.

Para isso, terão de optar por regras diferentes do resto do país. Sejam as normas laborais, fiscais, patrimoniais... O que for necessário para uma efectiva mudança de competitividade no mercado moderno. Estas cidades modelo têm uma carta própria (Charter) e regem-se por regras que elas próprias aprovam. Não são Cidades-Estado, mas Cidades com pouco Estado.

 

A MGK

Este consórcio foi criado de propósito para o projecto das cidades modelo nas Honduras e define-se como um grupo de “profissionais com experiência superior em direito, governabilidade, segurança, desenho de zonas francas, desenvolvimento imobiliário, urbanismo, educação, atenção à saúde, espírito empresarial e mais”, pode ler-se na sua página web. “A nossa equipa”, continuam, “integra membros da América Central, Estados Unidos da América e Canadá. A maioria dos investidores dos EUA é de Silicon Valley”.

Mark Strong é o homem que dá a cara pelo consórcio e assegura que o projecto reflecte os princípios do capitalismo consciente. “O nosso objectivo mais profundo é a eliminação da pobreza global”, pode ler-se no seu perfil.

Os outros nomes conhecidos até ao momento, e que também integram a corporação, são Robert Haywood e Nadine Spencer. Haywood é um dos principais especialistas mundiais em zonas francas e em zonas económicas e de desenvolvimento. Spencer é a fundadora da marca EQ, agência criativa especializada em comunicação, marketing e relações públicas.

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Autoria:Jorge Montezinho,25 ago 2014 0:00

Editado porAndré Amaral  em  22 ago 2014 17:29

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