“Humilhante”. É assim que alguns maienses definem o tratamento “desrespeitoso” que recebem quando querem viajar para a sua altura do ano. Horas à espera, bilhetes reservados para caravanas, atrasos e falta de informação. Agência desdramatiza e, embora reconheça que o serviço precisa de ser melhorado, garante que muitas críticas são infundadas e, quanto muito, referentes a casos pontuais. Além disso, defende-se, aumentou o número de viagens semanais para responder à demanda. Mas aparentemente, e de acordo com a entidade reguladora, poderemos mesmo estar perante a violação dos direitos dos passageiros marítimos.
Eram 4h10 da madrugada de quarta-feira (26 Agosto) quando Cíntia chegou à porta da sede da Agência Polar, no Plateau para comprar uma passagem para o Maio, para a sexta-feira seguinte. Cedo assim, porque nesta altura do ano não é fácil encontrar um lugar nas viagens entre a capital e aquela ilha.
Muitos maienses residentes na Praia, ou que aqui fazem “escala”, vão passar as férias a casa, chegam emigrantes de regresso às ilhas natal e, como a passagem de barco é relativamente barata, outras pessoas, também em férias, aproveitam para dar um saltinho à ilha mais próxima de Santiago. Além disso, é altura das festas do Maio, que têm o seu ponto alto a 8 de Setembro e que são sempre um factor de atracção.
Quando Cíntia chegou havia já “cerca de dez” pessoas na fila. Passava das 8h quando os funcionários da agência começaram a distribuir senhas. “Deram apenas dez senhas. Continuamos aqui à espera” que distribuíssem mais. Às 10h “mandaram alguém dizer que já não tinham mais bilhetes”.
Ora se cada pessoa pode apenas comprar quatro bilhetes, e apenas dez clientes foram contemplados, no máximo foram vendidos 40 bilhetes. Num navio, o Sotavento, com capacidade para 150 pessoas, são números que intrigaram quem queria comprar passagem.
“Então, ficamos aqui à espera porque não queríamos acreditar, 40 bilhetes não lotam o barco. Por volta das 11h disseram-nos que tinham vendido os bilhetes para caravanas”. E a partir daqui a indignação aumentou.
“Se venderam para caravanas quando é que fizeram isso? Porque a nós [maienses] disseram-nos que só venderiam o bilhete naquele dia, quarta-feira. “
Informaram-na de que a venda antecipada só é possível para caravanas. “Nós nem sabíamos disso. De nós não aceitam reservas”, reclama, apoiada por outros maienses, à volta.
Durante o resto do ano, admite Cíntia, não há esta “confusão” (embora possa haver outras, de outra índole). É que nessa altura só viajam praticamente os do Maio. Os mesmos que agora se sentem preteridos.
Melhorar sistema de vendas
“Ficamos aqui horas à espera sem informação nenhuma. É desrespeitoso”, queixa-se ainda esta cliente.
A experiência de Cíntia é partilhada por vários maienses que pretendem viajar neste período. Também Suelly tem tido dificuldades em comprar um bilhete de passagem. Tentou na segunda, dia 24, para viajar na quarta-feira seguinte. Não conseguiu. Voltou nessa quarta-feira, para tentar viajar na sexta. Não conseguiu. Regressou sexta, pelo sim pelo não, para tentar viajar nesse próprio dia.
Tal como Cíntia, Suelly reclama pouca quantidade de senhas distribuídas. E da falta de informação. “Nunca explicam nada, não dão uma satisfação.”
“Humilhação é melhor palavra” para definir como se sentem perante este tratamento, resume.
“Nós, que viajamos sempre, agora ficamos só com as passagens que sobram”, após a venda às caravanas, reclama Suelly.
Na sua opinião, ou a Agência Polar permite reserva e compra antecipada a todos os passageiros, ou as caravanas compram a partir do momento em que se abre a venda. Ou uma medida ou outra, duas é que não.
“Não entendo porque só um ou dois dias antes da viagem é que liberam os bilhetes. Porque não fazem um plano e vendem atempadamente” [ao público geral], queixa-se por seu lado Cíntia.
Questionado sobre a ausência da possibilidade de compra ou reserva antecipada, Franklin Aguiar, sócio-gerente da agência Polar, justifica que neste momento não há ainda condições técnicas para o fazer. Aliás, segundo este responsável, a empresa está já, no entanto, a trabalhar no sentido de melhorar o seu sistema de vendas, que reconhece ter ainda alguns problemas.
O gerente refuta, porém, que os passageiros maienses não consigam viajar devido às reservas das caravanas. Até porque, como salienta, a companhia aumentou o número de viagens de duas para três ou quatro semanais.
Também Luís Viúla, outro responsável pela Polar (e pela Polaris – para esclarecer, a Polar é a agência e a Polaris é a companhia de navegação, detentora do Sotavento), admite que se têm feito reservas para as caravanas organizadas. Mas, corrobora, a resposta a esse aumento de fluxo vem acompanhada de viagens adicionais, para não causar constrangimento aos demais passageiros.
Na realidade, qualquer discriminação na venda de bilhetes é contra a lei e contra os principais princípios da regulação. “Um serviço ou um produto”, como explica o director dos serviços de regulação da AMP, Rui Silva, deve ser vendido a quem “chegar primeiro”. Ou seja, se forem aceites reservas terão de as aceitar por parte de todos os clientes.
Confrontado com esta questão, o administrador Luís Viúla argumenta : “Qualquer cidadão pode comprar um bilhete com três dias de antecedência, ou pode fazer o pedido de reserva. Não é só uma caravana, isso é um direito para todos. Agora normalmente as caravanas estão mais bem organizadas. É um compromisso que temos com as agências de viagens ou associações para fazer o transporte.”
Neste contexto, garante porém - e após a nossa insistência de que não é isso que é passado ao público - que todas “as pessoas podem contactar os serviços da Polar e fazer reservas uma ou duas semanas antes”, assim como fazem para as associações e agências que organizam viagens de grupo.
Em contra-crítica, Luís Viúla alerta também que “o compromisso tem que ser dos dois lados.” Isto porque por vezes, “as pessoas compram bilhetes uma semana antes e depois no dia da viagem, vêm dizer que já não vão”, critica.
Também Franklin Aguiar salienta que certos passageiros quando têm bilhetes para um dia tentam viajar antes da data contemplada. “Aí, a confusão instala-se”.
2,3,4 viagens
A Polar, face à demanda e como referido, aumentou neste período de verão o número de viagens passando a duas viagens às quartas e sextas. (Excepção para a referida sexta-feira, dia 28, na qual o navio Sotavento, que faz a ligação, efectuou apenas uma viagem Praia-Maio, uma vez que excepcionalmente realizou também uma ligação entre Sal -Boa Vista.)
Ou seja, às duas ligações semanais estabelecidas – e que são as mínimas obrigatórias devido ao contrato de obrigação de serviço público assinado com o governo – juntam-se outras tantas para satisfazer a procura.
Assim da parte do governo não há conhecimento de que haja alguma infracção do serviço contratualizado com a Polaris, uma vez que se mantêm as viajem combinadas. Como explica José Fortes, do Ministério das Infra-estruturas e Economia Marítima, o governo paga apenas (800 mil escudos mensais) para que sejam cumpridas as tais duas viagens. A partir daí, a agência é quem decide se aumenta o número de ligações ou não.
A contratualização tampouco tem a ver com o volume transportado. Ou seja, o valor “não está indexado aos volumes de carga e passageiros que transporta.
“Pagamos – pagamos, não, contribuímos, porque de facto não cobrimos o custo todo – então contribuímos para duas viagens, o armador é livre para fazer cem.
De qualquer forma, José Fortes, que já foi presidente da Agência Marítima Portuária, mostra-se algo surpreendido pelas queixas. “A informação que tenho é que o barco nunca vai cheio, a menos que seja um dia em que haja um festival. De resto… nem tem como, o barco tem 150 lugares”. E das suas idas ao Porto da Praia, não viu nenhuma movimentação fora do normal. Por isso, acredita, trata-se de uma situação mais do que sazonal, pontual.
Mas isto de navegação tem as suas limitações, mesmo quando a demanda corresponde. “Não basta querer fazer mais viagens”, aponta Franklin Tavares da Polar. Há que ter em conta as “condições técnicas e também as questões de segurança”.
A espera…
“Desrespeitoso”. “Humilhação”. O mesmo que os passageiros sentem em relação ao modo como se processa a compra do bilhete é apontado em algumas viagens.
Na Sexta-feira passada, dia em que excepcionalmente o Sotavento realizou uma viagem à Boa Vista, houve, pior do que um atraso, novamente alguma deficiência a nível de informação aos utentes.
Muitos passageiros foram informados de que deveriam estar no Porto às 17h. O barco, no entanto, apenas aportou às 21h30 e acabaria por zarpar apenas à meia-noite. Mas não foi o atraso que os indignou. Nem tampouco a violação de outros direitos de que usufruem enquanto passageiros (ver notícia ao lado). Mais uma vez o que os revoltou foi, de acordo com fontes no local, essencialmente a falta de informação.
Os responsáveis da Polar refutam estas acusações. Franklin Aguiar aponta, antes de mais, que a sua empresa, por norma cumpre os horários, sendo que os atrasos apenas ocorrem em casos muito pontuais. E está sempre alguém presente no cais para prestar informações. “Isso não corresponde à verdade. Está lá sempre alguém. Até porque o navio tem de ser despachado pelas autoridades. Logo, tem de estar lá alguém”, observa.
Também Luís Viúla, responsável pela sede em São Vicente, corrobora, que “normalmente há sempre uma pessoa para dar informação. Ou um agente de serviço, ou outra pessoa que deve acompanhar todo o processo, inclusive informar que o navio está atrasado”.
“Se não aconteceu, é um caso que teremos de averiguar, mas é um caso pontual,” frisa.
Quanto às queixas no geral, Franklin Aguiar, sócio-gerente da Polar na Praia reconhece que, de facto, há ainda muita coisa a melhorar no serviço prestado aos utentes, mas considera que há reclamações, principalmente nestas alturas de maior movimento, que não correspondem à verdade.
De qualquer forma, a empresa está consciente de alguns problemas e está a trabalhar no sentido de os colmatar, finaliza.