Justiça a braços com falta de recursos humanos e materiais

PorRendy Santos,26 set 2015 6:00

Combate à criminalidade deve ser a prioridade dos poderes públicos, em termos de investimentos públicos, quer a nível de recursos humanos, quer a nível dos recursos materiais. Esta é uma das frases que se pode ler no relatório anual sobre a situação da Justiça, que o Procurador-Geral da República, Óscar Tavares entregou esta segunda-feira, 21, ao 2º Vice-Presidente da Assembleia Nacional, Carlos Veiga.

No documento, de 231 páginas, é considerada essencial a instalação do departamento central de acção penal e departamentos de acção penal, o que implica recursos para recrutamento de mais magistrados e pessoal de apoio técnico, mas também investimentos nos demais agentes do sector da justiça e também nos órgãos de polícia criminal.

“Quando mais de setenta por cento dos processos criminais pendentes são de pequena e média criminalidade e revelando o sistema incapacidade na sua resolução atempada, esse facto contribuiu para o sentimento de insegurança da população. Se a essa criminalidade se juntar a criminalidade organizada, designadamente o tráfico de drogas, a lavagem de capitais e os crimes conexos, sem negligenciar as suas consequências colaterais, traduzidas em homicídios que, muitos deles, não têm sido esclarecidos, a situação então assume contornos preocupantes e demanda, não só uma melhoria significativa da capacidade de resposta das instituições com responsabilidades na administração da justiça, mas também exige um posicionamento claro e inequívoco dos poderes públicos quanto à importância que atribuem ao sector da justiça”, lê-se no relatório.

Actualmente, cada Procurador está obrigado a ocupar-se de 13.120 cabo-verdianos e de 2.401,9 processos. Nas Procuradorias da República das Comarcas da Praia e São Vicente, os valores são superiores à média nacional.

O relatório de actividades do ano judicial de 2014-2015 abrange o período correspondente a 1 de Agosto de 2014 a 31 de Julho de 2015, fazendo uma análise comparativa dos dados estatísticos sobre a evolução da criminalidade nos dois últimos anos, bem como o movimento processual.

Em relação à matéria criminal registou-se, a nível nacional, a entrada de 27 889 (vinte e sete mil, oitocentos e oitenta e nove) novos processos-crime. Comparativamente com o ano judicial de 2013/2014, em que tinham sido registados 24 600 (vinte e quatro mil e seiscentos) novos processos-crime, há um aumento de 3 289 (três mil, duzentos e oitenta e nove) novos processos-crime, o que corresponde a uma subida de 13.4%.

Somando os processos-crime transitados do ano judicial anterior com os que entraram no decurso deste ano judicial, o Ministério Público movimentou um total de 123 315 (cento e vinte e três mil, trezentos e quinze) processos-crime.

Foram encerrados e definitivamente resolvidos 27 236 (vinte sete mil, duzentos e trinta e seis) processos-crime, traduzindo um aumento de mais 11 106 (onze mil, cento e seis) processos-crime encerrados do que no ano judicial 2013/2014, o que corresponde a um aumento de 68.9%.

Fazendo uma análise comparativa entre os processos entrados e transitados nos anos judiciais de 2013/2014 e 2014/2015, regista-se que neste ano judicial houve uma diminuição assinalável de processos-crime transitados. Pois no ano judicial de 2013/2014, dos processos-crime entrados, transitaram 8 486 (oito mil quatrocentos e oitenta e seis), enquanto no ano judicial 2014/2015 transitaram 653 (seiscentos e cinquenta e três).

Apesar deste aumento de produtividade, o número de processos pendentes aumentou, passando dos 95 426 processos-crime em 2013/2014 para 96 079 (noventa e seis mil, e setenta e nove) processos-crime, um aumento de 653 processos-crime, o que corresponde a 0.7%.

 

CSMJ e a confusão à volta dos juízes

No mesmo dia em que foi entregue o relatório sobre a situação da justiça do Ministério Público, entrou também na Assembleia Nacional o documento produzido pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial. Onde fica patente o caos criado à volta da colocação dos juízes.

No decorrer do ano judicial, o CSMJ iniciou e concluiu o concurso para admissão de 7 juízes assistentes, estando previsto o início do estágio em exercício de funções no dia 1 de Outubro. De igual modo, procedendo a concurso, promoveu 6 juízes de 2ª classe a juízes de direito de 1ª classe.

Estes concursos foram organizados e concluídos no seguimento da nomeação de juízes conselheiros para integrarem o Supremo Tribunal de Justiça e de juízes desembargadores para exercerem nos tribunais de relação.

Como a nomeação destes juízes para os tribunais superiores dependia do concurso de outros órgãos de soberania, não se previa que iniciassem funções no primeiro dia do ano judicial agora em balanço.

No Supremo Tribunal de Justiça, aguardava-se a sua desoneração das funções de Tribunal Constitucional. Quanto aos tribunais da relação, o CSMJ recomendara como requisito prévio à declaração da sua instalação a definição das competências daquela instância em matéria criminal e a configuração do regime de recursos previsto no Código de Processo Penal com a existência de três instâncias.

Actualmente já integram o quadro da magistratura judicial 10 juízes conselheiros e 6 juízes desembargadores. Mas, a sua nomeação para os tribunais superiores continua a aguardar o concurso de outros órgãos de soberania.

Isto porque o STJ ainda não se libertou das suas funções de Tribunal Constitucional, pelo que este, já com juízes eleitos e empossados, ainda não foi declarado instalado. Nos tribunais da relação ainda se aguarda a definição das suas competências em matéria criminal e a disposição do regime de recursos.

O ingresso na carreira de 7 juízes colocados, por imperativo legal, nas comarcas de ingresso (Brava, Paul, Mosteiros, Maio, Porto Novo, São Nicolau e Boa Vista) levou à transferência de juízes em quase todas as comarcas do país.

Por razões alheias ao CSMJ, os juízes conselheiros e desembargadores promovidos e que exerciam na 1ª instância [primeira jurisdição hierárquica, o primeiro órgão da Justiça ao qual o cidadão deverá dirigir um pedido de solução de conflito] foram colocados transitoriamente em comissão de serviço no CSMJ e nos serviços de inspecção, aguardando a sua nomeação para o STJ e tribunais de relação [tribunal judicial de segunda instância,  com competência, entre outras, de rever as decisões proferidas pelos juízes de primeira instância] respectivamente. O estatuto dos magistrados judiciais não permite o exercício de funções, na 1ª instância, aos juízes conselheiros. De igual modo manda que os juízes desembargadores exerçam preferencialmente nos tribunais da relação.


O Ministério Público (MP) é o órgão do sistema judicial nacional encarregado de representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar. A acção do MP desenvolve-se em várias áreas, incluindo a direcção da investigação criminal, a promoção da legalidade, a representação do Estado, a representação de incapazes e incertos e o exercício de funções consultivas. O MP possui um corpo de magistrados próprios, separados da magistratura judicial (juízes). Essa magistratura é autónoma tanto da magistratura judicial como do poder político.

 

Principais conclusões do relatório do Ministério Público sobre a situação da Justiça

Aumento assinalável da produtividade e da capacidade de resposta dos Serviços do Ministério Público a nível nacional em matéria de investigação e instrução de processos-crime;

Falta de magistrados do Ministério Público em número suficiente impossibilitando assim a implementação dos departamentos centrais – Acção Penal, Contencioso do Estado, Cooperação e Direito Comparado e Interesses Difusos – e os departamentos de Acção Penal nas Procuradorias da República da Praia e São Vicente;

Carência gritante de oficiais de justiça afectos aos Serviços do Ministério Público ao ponto de existirem Procuradorias da República onde não existe um único oficial de justiça afecto ao Ministério Público;

Penúria de oficiais de justiça impossibilita a existência de Secretarias autónomas do Ministério Público em nove das dezasseis Procuradorias da República, deixando todo o serviço de apoio aos magistrados dependendo dos oficiais afectos aos tribunais que naturalmente priorizam os trabalhos dos tribunais e só depois apoiam o Ministério Público;

As Procuradorias da República, com excepção de Praia, São Filipe, Santa Catarina e Tarrafal, estão completamente desprovidos de veículos criando assim constrangimento para realização de notificações para actos processuais e das decisões, bem como na realização das diligências externas;

Edifícios onde se encontram instalados as Procuradorias da República da Boa Vista, Brava, Tarrafal carecem, com caracter de urgência, de obras de conservação, beneficiação e restauro de modo a oferecer as condições de segurança, funcionalidade e dignidade dos que nela trabalhavam, bem como os que procuram os serviços;

A insuficiência, exiguidade e funcionalidade dos espaços destinados aos Serviços do Ministério Público nos edifícios onde se encontram instalados as Procuradorias da República das Comarcas da Praia e Porto Novo;

A falta de relatórios e guias de exame médico por um lado, a remessa tardia por outro, enquanto meios de prova pericial importante e muitas vezes decisivo para realização da justiça criminal, nos crimes contra as pessoas, principalmente dos hospitais da Praia, São Vicente e Santigo Norte, tem causado constrangimento na realização e conclusão das investigações e instruções criminais ou no encerramento tardio das investigações de muitos processos-crime;

Necessidade de incremento da capacidade de coadjuvação ao Ministério Público em matéria de investigação e instrução criminal mediante o aumento da capacidade de resposta e produtividade dos órgãos de polícia criminal, e mais especificamente da Polícia Judiciária.  

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Autoria:Rendy Santos,26 set 2015 6:00

Editado porFretson Rocha  em  27 set 2015 8:36

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