Casos em queda: fase final da epidemia em Cabo Verde?

PorSara Almeida,7 fev 2016 6:00

Os dados oficiais mostram uma queda acentuada do número de casos de Zika em Cabo Verde. Na última semana registaram-se 83 casos, o número mais baixo desde que a epidemia começou. Apesar de, ao que tudo indica, estarmos a entrar “numa fase de resolução”, Cabo Verde ainda não foi retirado da lista negra de países a evitar. Tudo numa semana em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública devido, não tanto à infecção, mas aos milhares de casos de microcefalia a que está possivelmente associada.

Os números são animadores. Ao fim de 16 semanas, e após um pico de casos em Novembro (793 numa semana), nas últimas semanas o número de infectados com o vírus zika tem vindo a cair acentuadamente. Na última semana contabilizada -  18 a 24 de Janeiro de 2016 – registaram-se 83, contra 95 da semana anterior.

De acordo com o Ministério da Saúde, através da Direcção Nacional da Saúde, o Zika ocorre também agora em menos ilhas. O Maio já saiu da lista, não tendo sido registados casos pela segunda semana consecutiva. Há agora apenas “registo de casos nas ilhas do Fogo, Santiago e Boa Vista (este com números residuais)”.  

“60 casos em S. Filipe, ilha do Fogo, 14 casos na Cidade da Praia, 4 casos em Santa Cruz, 3 casos em Boa Vista e 2 casos em São Miguel”, especifica um comunicado do Ministério da Saúde.

Santo Antão, São Nicolau, São Vicente, Brava e Sal, continuam a não registar nenhum caso de transmissão local.

As mesmas fontes dizem que até à data não foram registados nenhuns casos de microcefalia ou de outras alterações neurológicas tipo síndrome Guillain-Barre.

“Há aqui todo um esforço em partilhar as informações, que vamos actualizando regularmente, com a população. Isto para que tanto os que estão no país, como os que estão fora, possam acompanhar a situação”, garante o director nacional de saúde, Tomás Valdez.

 

Zika, a lista negra e o turismo

Praticamente todos os países europeus e os EUA já emitiram comunicados recomendando, principalmente às grávidas, a não viajar para os locais atingidos pelo vírus. As companhias aéreas estão inclusive a reembolsar as clientes grávidas com bilhetes para esses destinos. Cabo Verde está na lista negra.

Algo que, face aos resultados recentes, deve ser corrigido, no entender da Ministra do Turismo Indústria e Desenvolvimento Empresarial (MTIDE), Leonesa Fortes.

“Os dados mostram que Cabo Verde não está a padecer de nenhuma epidemia de ZIKA e não está em nenhuma situação que possa suscitar cuidados especiais da parte daqueles que nos visitam”, assegurou a ministra, ao jornal A Nação.

Leonesa Fortes sublinhou ainda que nas ilhas turísticas praticamente não há registo de casos e que o seu ministério, em conjunto com o Ministério da Saúde e em “articulação com a OMS e autoridades nomeadamente dos EUA”, estão a trabalhar “no sentido de Cabo Verde ser retirado dessa lista”.

O director nacional de saúde, por seu lado, encara como “um procedimento normal” o facto do país estar assinalado como lugar a evitar.

Pouco importam aqui os pedidos de retirar o país da lista. O que interessa são os dados – que são positivos -  e o que há a fazer é continuar o trabalho para terminar com a “circulação do vírus no país”, afirmou Tomás Valdez ao Expresso das Ilhas. A partir daí a saída acontecerá de forma incontornável.

Comentando esta diminuição acentuada de casos, DNS considera também errado dizer que se deve ao fim do período das chuvas. Por dois motivos. Seria errado assumir que como as azaguas passaram se pode aligeirar o combate ao mosquito vector da doença e o trabalho que centenas de pessoas estão a fazer no terreno não “pode ser menosprezado”.

De qualquer forma, salienta, o cenário é animador. “Estamos convencidos que a situação está numa fase de resolução”, diz.

Sobre este tema é no entanto de referir, como relembra a Organização Mundial de Turismo, que “apesar do zika ter sido decretado emergência mundial, não foram implementadas restrições nas viagens para áreas afectadas”.

Compete é às autoridades competentes prestar informações sobre a situação, aos turistas. Aliás, nesse sentido, a Autoridade Turística Central cabo-verdiana divulgou, naquele que é o seu primeiro comunicado, os dados actuais do país nesta matéria.

 

Cabo Verde, único país africano afectado

A epidemia de Zika tem afectado sobretudo a América do Sul e Central. No entanto Tailândia e Cabo Verde também estão na lista de países com transmissão autóctone do vírus.

Cabo Verde é o único país africano onde a epidemia parece ter chegado, ou pelo menos, onde a situação evoluiu sob essa forma.

A ausência de uma epidemia em África já foi alvo de diferentes teorias. Há quem considere que a maior parte da população já será imune, até porque o mosquito transmissor é muito comum no continente.

Aliás, o vírus foi descoberto neste continente há mais de 50 anos, mas não há registo de uma epidemia local. Na realidade, antes do Brasil em 2015, apenas só a Polinésia Francesa e a Micronésia, ambos na Oceânia, haviam tido epidemias de zika.

Brasil e Colômbia são os países mais afectados pela actual epidemia, num total de 26 países, e a OMS estima que entre 3 a 4 milhões de pessoas possam vir a ser infectadas.

 

Uma luta multidimensional

O combate ao mosquito transmissor do Zika e outros vírus é um trabalho multidimensional que não poderá ser bem-sucedido se se pensar tratar-se de uma obrigação apenas dos serviços de saúde. Estes não têm nem meios, nem competências para por si só resolver um problema que abrange várias questões.

Cabe a estes serviços, essencialmente “alertar, informar e tentar mobilizar outros parceiros, a população e a sociedade para combater os criadouros, porque sem os criadouros a densidade dos mosquitos seria muito baixa”, explica o Director Nacional de Saúde.

Tomás Valdez salienta ainda que este é um combate que se desenvolve em três dimensões:

1 - A primeira diz respeito ao trabalho que é feito pelos serviços de saúde, nomeadamente através dos profissionais que coloca no terreno, em todas as ilhas, para fazer sensibilização, e luta vectorial nos lugares de maior acumulação de elementos propícios à propagação dos mosquitos.

“Incluído nesse rol estão por exemplo as barragens e há várias medidas que o serviço tem estado a utilizar”. Insecticidas e colocação nesses locais de peixes que se alimentam dos mosquitos na sua fase larval são algumas dessas medidas.

2 - Uma outra vertente “importantíssima” tem a ver com as “medidas de protecção individual”. Isto é, a acção das famílias em termos de saneamento e cuidados nas próprias casas e seus exteriores.

“Esses mosquitos só conseguem sobreviver quando têm acesso a águas que não estão protegidas. Então, esta luta só triunfará se as pessoas estiverem consciencializadas de que devem tapar devidamente os diversos vasilhames que têm em casa, renovar as águas relativas às plantas, … até porque esses mosquitos têm facilidade em procriar-se no meio domiciliar”.

Esta componente da luta ganha ainda contornos mais fundamentais devido à “colecta e armazenamento de água”, por motivos conhecidos, aqui em Cabo Verde.

O DNS garante que não há problema nesse armazenamento desde que cumpridos alguns cuidados. “Essa água tem de ser devidamente protegida para que os mosquitos não a utilizem para pôr os seus ovos, que vão eclodir e resultar na sua proliferação.”

Há ainda uma outra dimensão, que também deve ser tida em conta que tem a ver com as medidas de protecção pessoal, isto é, diminuir as áreas de exposição de corpo, usar repelente, mas também proteger as janelas e fazer fumigação.

3 - Por fim, há uma componente tem a ver com o saneamento do meio, “particularmente a questão do lixo”.

“O lixo acumula-se pela intervenção humana, ou porque as pessoas deitam lixo em locais inapropriados, ou porque este não é retirado, pelas instituições que têm essa obrigação”. Pneus, latas, e outros acabam por acumular água e potencial a colocação de ovos pelo mosquitos, dando origem a novas gerações destes insectos, que são o principal vector.

“A prevenção ambiental é (também) extremamente importante”, sublinha.

 Tomás Valdez, Director Nacional da Saúde

Erradicar é possível?

Quanto maior o número de mosquitos, maior o risco de transmissão da doença. Na realidade, a luta contra os mosquitos é algo constante em Cabo Verde, garante o Director Nacional de Saúde.

Mas para a propagação dos casos de zika no país terá contribuído o facto de 2015 ter sido um ano relativamente chuvoso. Óptimo para a agricultura, óptimo também, pela negativa, para a propagação do perigoso Aedes aegypti, responsável pela transmissão não só do Zika como do dengue, febre amarela e chikungunya.

Nesse período de chuvas houve uma acumulação de águas e os mosquitos vectoriais encontraram um meio propício a sua disseminação.

“Não é por acaso q o mosquito depois aparece em finais de Setembro, inícios de Outubro, que é justamente o período imediato após a queda das chuvas”, aponta Tomás Valdez.

Quanto à possibilidade de, com os meios e medidas certos, poder erradicar este vector, o DNS mostra-se reticente.

“Acredito que é possível diminuir a densidade” da população de mosquitos, contrapõe.

Como relembra, alguns casos de erradicação não terão sido bem-sucedidos. Por exemplo, há algumas décadas acreditava-se que o Brasil tinha conseguido ver-se livre do Aedes aegypti, “mas esse mosquito voltou a ser reintroduzido”. Doenças como a Dengue são constantes. Também a Tailândia tentou erradicar vectores. Não conseguiu.

“Portanto, erradicar não é fácil porque depende de questões ambientais, de acções humanas”, enfim de vários factores que propiciam os criadouros.

No entanto, “se nos melhorarmos o saneamento do meio, se nos lidarmos melhor com a questão do lixo, se melhorarmos, evidentemente, as nossas intervenções na saúde, melhorarmos a relação relativamente ao meio domiciliar, nomeadamente a nossa relação com a água e seu armazenamento de água, se todos conjugarem esforços, terá efeito positivo”, defende.

 

Da descontracção ao medo

Depois de confirmada a epidemia de Zika, reuniu-se em Cabo Verde uma comissão interministerial, liderada pela Saúde, para lidar com a situação. Mobilizaram-se parceiros e promoveram-se campanhas de combate aos criadouros e outras. Desde então houve várias acções, mas a realidade é que as autoridades reclamam do fraco envolvimento da população. A verdade é que até começarem a surgir notícias do Brasil, sobre uma provável ligação entre o zika e a microcefalia o vírus era olhado com alguma despreocupação pela população. Isso talvez se explique por ser uma doença recente e normalmente de evolução benigna. Só o confronto com a questão da microcefalia lançou então esse temor.

“Uma relação causal entre o vírus Zika e malformações em recém-nascidos e síndromes neurológicas ainda não foi estabelecida, mas há fortes suspeitas que essa associação seja real”, dizia, ainda esta semana Margaret Chan, directora da OMS.

Até ao momento não há, como referido, registo de nenhum caso de microcefalia, mas também, pelas contas, ainda nenhuma mulher que possa ter sido infectada deu à luz. Os ultrassons podem identificar a doença, mas não é muito fácil fazê-lo (devido ao ritmo de crescimento do crânio).

Seja como for, “as grávidas estão a ser acompanhadas, diagnosticadas. Houve orientações técnicas da Direcção Nacional de Saúde, para todas as estruturas de saúde do país, para se aumentar a vigilância no pré-natal, e que essa vigilância seja estendida às salas de parto, às maternidades, para acompanhar esta situação”, avança Tomás Valdez.

 

Cronologia de uma epidemia:

- Finais de Setembro de 2015: Vírus Zika é introduzido em Cabo Verde

- Outubro de 2015 – início da epidemia; Instituto Pasteur de Dakar confirma ser Zika

- Novembro – epidemia atinge o pico, com 793 casos numa única semana

- Dezembro – Foi reunida uma comissão interministerial para informar e sensibilizar a população e e reunir esforço intersectoriais no combate aos vectores.

- Janeiro – os números continuam em queda. A última semana regista o menor número de casos detectados desde o início da epidemia.

- Nas 16 semanas do curso de epidemia foram registados um total de 7164 casos.

 

Medidas em curso:

•   Reforço das acções de luta contra o mosquito transmissor da doença, para cortar o ciclo de transmissão do vírus;

•   Sensibilização da população quanto a medidas de proteção individual e coletiva;

•   Vigilância das grávidas no pré-natal, no parto e dos recém-nascidos;

•   Ação inter-+setorial no saneamento do meio ambiente, evitando deste modo os criadores dos mosquitos;

•   Atualização semanal de dados estatísticos sobre a evolução da febre Zika

 

 

Emergência, diz a OMS

A OMS declarou emergência de saúde pública de interesse internacional (PHEIC). É a apenas a quarta vez que o faz, tendo a última sido no ano passado devido à epidemia de ébola. Afinal o que é isto?

PHEIC é um “evento extraordinário que pode constituir um risco de saúde pública para outros Estados através da disseminação internacional da doença e que pode requerer uma resposta internacional coordenada”, explica a OMS. 

Um dia depois de ter declarado uma emergência sanitária de dimensão internacional (PHEIC, na sigla em inglês) pela quarta vez na sua história, a Organização Mundial de ) criou, esta terça-feira, uma “unidade de resposta global” para coordenar as acções de combate ao Zika.

Até agora, a OMS só tinha declarado situações de emergência sanitária de dimensão internacional por causa da poliomielite, do vírus H1N1 e do ébola.  

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Autoria:Sara Almeida,7 fev 2016 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  8 fev 2016 7:39

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