São considerados dois casos de boa governação. São duas sociedades multiculturais. São dois arquipélagos africanos, um de cada lado: Cabo Verde no Atlântico e Maurícias no Índico. Ambos são considerados países de rendimento médio. Ambos querem assumir-se como uma plataforma de serviços entre continentes – Cabo Verde quer ligar América, Europa e África; Maurícias quer ligar Europa, Ásia e África. Mas, as semelhanças terminam aqui. Porque um deles, as Maurícias, está a liderar a corrida.
As Maurícias são uma fatia da Ásia em África. Fica cerca de mil quilómetros a sul de Madagáscar e tem uma longa história de globalização. Até à abertura do Canal do Suez foi um local chave para as rotas marítimas da Europa para a Índia e o Médio Oriente. E reinventou-se várias vezes, passando de uma economia com base no açúcar para outra construída à volta da exportação de manufacturas e de serviços.
Actualmente, as Maurícias deram início a um plano ambicioso para serem a porta de entrada para o emergente continente africano. Ao mesmo tempo, continuam a construir os seus serviços financeiros enquanto seguem a estratégia de se tornarem um local que dá as boas-vindas ao turismo.
A semana passada, este pequeno ponto no oceano (tem, sensivelmente, metade do tamanho de Cabo Verde) abriu um corredor aéreo para ligar Singapura a Port Louis, a capital do estado insular. Espera agora uma acção recíproca de Singapura: que uma das suas companhias comece a voar para a ilha, ou que estabeleça um sistema de code-sharing com a Air Mauritius. Ao mesmo tempo, já deu autorização a Singapura para operar para qualquer outro país a partir das Maurícias.
“Somos uma boa ponte entre a Ásia e a África e entre a Europa e a Ásia”, disse o Primeiro-Ministro das Maurícias, Xavier Luc Duval, ao jornalista Ravi Velloor, do The Straits Times, “queremos ser o fornecedor de serviços especializados para África e estamos a oferecer uma base para isso”.
A última frase do governante não é exactamente original. Vários outros tendem a proferir sentenças semelhantes em relação aos seus países. Mas, os analistas económicos, principalmente os asiáticos, apresentam várias razões para se olhar com atenção para as Maurícias. Para começar, culturalmente é um país asiático e etnicamente a maioria dos cidadãos é descendente de asiáticos. Em segundo lugar, é considerado um país próspero, com um PIB per capita que ronda os 18.000 dólares (em Cabo Verde está nos 3.700 dólares). Além disso, os investimentos na educação e na saúde fazem com que o país esteja em 63º lugar no Índex de Desenvolvimento Humano (Cabo Verde é 123º). E, o mais importante segundo os analistas, além de bem governado, o país respeita os seus contractos e prefere pagar pelos serviços que precisa do que ficar à espera de subvenções e apoios externos.
Singapura executou recentemente três projectos comerciais nas Maurícias – um de 44 milhões de dólares para dar a cada cidadão um cartão único de identidade e dois outros, mais pequenos, de consultoria para distribuição de água e para a criação de um serviço de comboios. Não é surpresa que as Maurícias liderem o Índex Ibrahim de Governação Africana, com 79,9 pontos (Cabo Verde é segundo, com 74,5).
Para os governantes maurícios, o futuro depende da conectividade com as economias-chave do continente africano. Actualmente, têm voos directos para a África do Sul, Seychelles, Quénia e Madagáscar e em breve vão iniciar uma ligação com Maputo, capital de Moçambique e com a Suazilândia, que está a lançar a sua primeira companhia aérea com voos inaugurais para Joanesburgo e Port Louis.
Apesar de já não ser um ponto de paragem na rota marítima entre a Europa e a Ásia, as Maurícias registam ainda o movimento de cerca de trinta mil navios pela sua costa e está a trabalhar para se transformar num hub logístico, fornecendo serviços de bunkering (abastecimento de combustível) e de ship chandling (fornecimento de alimentos e equipamento). Os chineses já lá andam a gastar yuans à grande na zona económica especial e na construção civil.
Para o Primeiro-Ministro das Maurícias, o projecto é muito maior do que apenas desenvolver os portos. “Queremos transformar tudo, incluindo o turismo, onde temos 11 mil quartos” (Cabo Verde tem pouco mais de 12 mil). Além disso, o governo quer o nicho dos serviços financeiros para África. Graças ao acordo obtido com a Índia para evitar a dupla tributação, o arquipélago tem visto grandes investimentos a serem canalisados pelo país, o que tem ajudado a erigir a sua indústria de serviços financeiros.
Recentemente, a Índia começou a repensar este acordo tributário, mas Xavier Luc Duval diz não estar preocupado. “Quem nos procura olha para além dos incentivos fiscais. Somos um país que respeita o mérito e com um sistema judicial que funciona”. Inclusive, o Supremo Tribunal das Maurícias está sedeado em Londres, Inglaterra, “um sinal da independência do nosso sistema judicial. Dá-nos crédito”, explica o Primeiro-Ministro.
Ainda na semana passada, o FMI saudou o compromisso assumido pelo arquipélago em aumentar o crescimento e a competitividade resolvendo os constrangimentos nas infra-estrutura e os desajustes de competências, bem como de reduzir o custo de fazer negócios e facilitar ainda mais a diversificação da economia. O Fundo Monetário Internacional também recomendou trazer mais mulheres para a força de trabalho e facilitar a imigração de trabalhadores qualificados.
Há alguns anos, um estudo sobre as Maurícias feito pela Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, ponderou sobre a questão da diversidade étnica e como, em vez de criar uma política disfuncional, esta trouxe benefícios cosmopolitas para a ilha.
“As instituições conseguem equilibrar os grupos étnicos; nenhum é excluído do sistema”, escreveu Jeffrey Frankel, autor do trabalho. “É intrigante que os três países africanos com a melhor classificação de boa governação (Maurícias, Seychelles e Cabo Verde) são ilhas que não tinham população indígena. Ajudou que todos viessem de outro lugar.”
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 748 de 30 de Março de 2016.