Afrodescendentes denunciam desigualdade racial

PorExpresso das Ilhas,10 dez 2016 6:00

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Mais de uma vintena de associações e personalidades reuniram-se e enviaram, esta segunda-feira, uma carta à ONU, onde através de dados sobre várias áreas traçam o panorama das desigualdades raciais em Portugal. Os dados, que foram divulgados no jornal Público, mostram disparidades acentuadas, que parecem perpetuar os ciclos de violência, pobreza e segregação.

 

Educação, justiça, violência policial, trabalho, habitação, saúde, nacionalidade, cidadania e mulheres negras. São áreas contempladas na carta que 22 associações – reunidas na Plataforma afrodescendentes - enviaram ao Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial  com o intuito de, através dos números, mostrar a necessidade de Portugal ter políticas específicas para comunidades afro-descendentes naquele país.

Os dados referem-se aos cidadãos com nacionalidade dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), não contemplando os que afrodescendentes com nacionalidade portuguesa (ver caixa), nem descriminando o país de onde são oriundos. Sabe-se no entanto que os cabo-verdianos constituem a maior comunidade dos PALOP em Portugal, pelo que estarão fortemente representados no retrato aqui traçado. E o retrato mostra um contraste imenso.

 

Os dados

Em relação à Educação, os números mostram que os alunos dos PALOP reprovam 3 vezes mais no 1º ciclo e mais do dobro nos 2º e 3º ciclo, do que os estudantes portugueses. No secundário a taxa de reprovação é de 50% nos estudantes dos PALOP (20% para os portugueses) e cerca de  80% dos alunos dos PALOP são encaminhados para o profissional (contra 40%). Além disso, os afrodescendentes de origem cabo-verdiana, guineense e santomense acedem cinco vezes menos ao ensino superior.

“Há uma quase total ausência de afrodescendentes negros nos lugares de produção e reprodução de conhecimento, como professores e cientistas”, lê-se na carta citada pelo Público.

Um outro dado gritante tem a ver com a taxa de encarceramento. Entre os cidadãos presos há, para cada português, 15 pessoas dos PALOP. As Associações falam ainda em “permanentes agressões, por parte de agentes de segurança, a cidadãos desarmados dos bairros periféricos com forte presença de afrodescendentes negros”. Recorrendo a exemplos do que classificam de “actos de tortura e de ódio racial”, apontam o caso de actos praticados por agentes policiais na esquadra de Alfragide, contra habitantes do Bairro do Alto da Cova da Moura, em 2015.E recordam que desde 1995, data do assassinato Alcino Monteiro (português nascido em Cabo Verde que foi espancado até à morte por um grupo de Skinheads), que lançou forte debate sobre o racismo em Portugal, morreram às mãos da polícia dezenas de jovens negros.

Em termos profissionais, encontramos três vezes mais pessoas com nacionalidade dos PALOP em profissões menos qualificadas e estas recebem em média menos 103 euros mensais do que os cidadãos portugueses. São também mais afectadas pelo desemprego: entre os cidadãos dos PALOP a taxa é o dobro (29,8 versus 12,9%).

Na habitação, estão sete vezes mais em alojamentos “rudimentares”  e muitos afro-descendentes negros vivem em territórios segregados, designadamente em bairros de realojamento social na periferia dos centros urbanos, cita aindao referid o jornal.

Também a esperança de vida é menor: 74 anos para os nascidos nos PALOP contra 78 dos nascidos em Portugal.

Outra questão que merece destaque é o da lei da nacionalidade, que nega concessão imediata aos filhos de imigrantes, mesmo que nascidos em solo português.

Por fim, a plataforma sublinha a condição da mulher negra, que “continua a estar sub-representada nas posições de poder nos espaços políticos, financeiros, sociais e culturais e, sobre-representada nos serviços (na limpeza, hotelaria e restauração) pouco qualificados, mal remunerados e com vínculos e condições de trabalho precários”. 

 

A carta

A carta, que não foi difundida, é assinada por associações como SOS Racismo, Plataforma Gueto, Afrolis, Djass, Associação Caboverdeana de Lisboa, Griot e Femafro e surge como resposta à postura do Estado português quanto às medidas tomadas para proteger os grupos vulneráveis, nomeadamente os afrodescendentes.

Depois de ter sido aconselhado, em 2012, a estabelecer políticas nesse sentido, Portugal defendeu que não são necessárias políticas excepcionais de apoio às comunidades.

Na semana passada a delegação portuguesa foi ouvida, em Genebra, pelo Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial, reiterou essa resposta, indignando as associações.

Já no início deste mês a SOS Racismo criticara, em comunicado de imprensa, o Relatório que o país entregou ao Comité, sublinhando que são omitidos “atentados ao direito à habitação”  ( as demolições nos bairros da Amadora (6 de Maio e Santa Filomena)  e ainda “o racismo institucional consubstanciado na violência policial contra as minorias étnicas (comunidades africanas, cigana e outras)”, assim como “a impunidade dos actos xenófobos e racistas” e “o desenvolvimento da extrema direita” em Portugal.

De referir que Portugal está a ser avaliado pelo Comité e os resultados serão divulgados no próximo dia 9 de Dezembro.

 

Retratos ténues

Os dados para as diferentes áreas foram recolhidos em várias fontes (Censos de 2011, Quadros de Pessoal do Ministério do Emprego e Segurança Social 2009, etc) e compilados para traçar o retrato mostrado na carta.

Contudo é de referir que embora se possam tirar conclusões através da nacionalidade de origem, não há nenhuma informação sobre jovens negros que que nascem em Portugal e cujos pais são portugueses. Nas estatísticas em Portugal (como em Cabo Verde) os dados não são desagregados por raça ou etnia, pelo que os números apenas mostram uma ténue imagem do fenómeno da desigualdade.

Assim, uma das reivindicações da plataforma é precisamente a “consagração da recolha de dados com base na pertença étnico-racial, recomendada em 2011 pela ONU”, cita o Público. Essa desagregação irá permitir um melhor acompanhamento dos progressos e/ou retrocessos das desigualdades.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 784 de 07 de Dezembro de 2016.


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Autoria:Expresso das Ilhas,10 dez 2016 6:00

Editado porRendy Santos  em  9 dez 2016 12:03

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