Nova Agenda Urbana para cidades sustentáveis

PorExpresso das Ilhas,28 jan 2017 6:00

O processo de urbanização em África ocorreu tardiamente, mas está a acontecer a uma grande velocidade. A fuga das populações das zonas rurais está a mudar o mapa demográfico do continente e anuncia o século XXI como o século das cidades. O problema é que as cidades não têm capacidade para albergar tantas pessoas, os empregos escasseiam, o desemprego é muito alto e a criminalidade sobe. O fosso entre os ricos e os pobres é evidente, a superpopulação acarreta vários problemas e riscos, como o sofrimento, o desemprego, a falta de condições de habitabilidade e salubridade, a exploração, a morte. Em 2050 a população urbana nos países em desenvolvimento será de 5,3 mil milhões de pessoas. A Ásia albergará 63 por cento do total da população urbana do mundo, a África contará com 1, 2 mil milhões de pessoas, ou seja, quase um quarto da população mundial. Uma das grandes problemáticas é a construção de bairros de lata. Hoje, mais de mil milhões de pessoas habitam nestes bairros de lata e calcula-se que só em África, 72 por cento da população urbana viva nestes assentamentos informais.

Não há uma definição de “cidade sustentável”. Estabelecida há sim um conjunto de critérios, não substituíveis e interligados, que se relacionam directamente com o conceito: habitável; empregável; educativa; segura; saudável; criativa, atractiva e competitiva; assegura a mobilidade sustentável; acessível; justa, inclusiva e equitativa; ecológica; compacta e policêntrica; diversa; dinâmica e activa; economicamente diversa e florescente; participativa; interligada; conserva a diversidade e riqueza do património natural e cultural; oferece qualidade de vida aos seus cidadãos; gerida de acordo com o conceito de governância. Um longo caminho a percorrer.

 

Praia é paradigmático

A cidade da Praia é caso paradigmático. Atraiu desde cedo pessoas de todos os quadrantes do País e não só. Esta procura excessiva, descontrolada e progressiva da população contribuiu para agravar os problemas urbanísticos, cujas infra-estruturas e serviços não estão adequados à demanda cada vez mais crescente. Isto conduziu a uma insustentabilidade e desequilíbrio, criou bairros sem condições de habitabilidade, na maioria sem saneamento básico, água, electricidade, vias de comunicação e acessos.

Como mostrava um estudo, em Outubro de 2015, realizado pelo Governo de então, em parceria com a ONU-Habitat, o aumento rápido da população urbana em Cabo Verde, onde vivem mais de 62% dos cabo-verdianos, não foi acompanhado de uma política habitacional eficaz, com que os recém-chegados aos centros urbanos a optarem por construir as próprias casas.

“Casas semiacabadas ou feitas de materiais precários, onde, muitas vezes, falta a ligação à rede pública de abastecimento de água, esgotos e electricidade. Surgem situações de roubo de água e energia”, lia-se no documento, que traçava o perfil urbano de Cabo Verde. E os problemas detectados no arquipélago são os mesmos notados em grande parte dos países em desenvolvimento.

Por isso, nos próximos 20 anos, um documento irá guiar os esforços desenvolvidos por nações, líderes urbanos, financiadores internacionais, programas das Nações Unidas e sociedade civil em torno das transformações urbanas. A Nova Agenda Urbana (NAU), a declaração que resultou da Habitat III, a Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, que decorreu em Quito, no ano passado. Foi elaborada com o objectivo de repensar a maneira como as cidades e aglomerados humanos são planeados, desenhados, financiados, desenvolvidos, governados e administrados.

As repercussões da NAU serão sentidas ao longo das próximas décadas. As cidades, cada vez mais, tornam-se pontos focais de grandes desafios que terão de ser superados em termos de habitação, infra-estruturas, serviços básicos, alimentação, saúde, educação, emprego, segurança, ou recursos naturais.

A Nova Agenda Urbana incentiva todos os níveis de governo, assim como a sociedade civil, a tomarem parte dos compromissos pelo desenvolvimento urbano sustentável. O documento trabalha a promoção de um planeamento urbano e territorial que garanta o uso sustentável do solo e dos recursos naturais ao pedir cidades compactas, policêntricas, com densidade e conectividade apropriadas e controlo da dispersão urbana. Características que têm o poder de reduzir os desafios e problemas da mobilidade urbana, por exemplo. O texto encoraja a integração dos planos de mobilidade no planeamento urbano das cidades e apoia a priorização do transporte activo sobre o transporte motorizado.

O desenvolvimento de espaços públicos e áreas verdes, assim como a promoção de caminhar e do uso da bicicleta, com a melhoria das calçadas e ciclovias, é uma das medidas apontadas pelo documento como oportunidades também de estabelecer interacção e inclusão social, saúde e bem-estar humano, intercâmbio económico, expressão cultural e diálogo entre uma diversidade de pessoas, o que contribui ainda para a construção da paz nas comunidades.

O impacto ambiental gerado pelo homem é reconhecido pela NAU como uma ameaça sem precedentes e, portanto, deve ser combatido. “Padrões de consumo e produção insustentáveis, perda da biodiversidade, pressões sobre os ecossistemas, poluição, desastres naturais e provocados pelo homem, mudanças climáticas e os seus riscos minam os esforços para acabar com a pobreza em todas as suas formas e dimensões”, resume o documento. O texto incentiva o enfoque nas cidades inteligentes, que fazem pleno uso das novas tecnologias para diminuir o impacto sobre o meio ambiente, impulsionar o crescimento económico sustentável e aperfeiçoar a resiliência nas áreas urbanas.

A pobreza e a desigualdade nas cidades são apontadas como responsáveis por afectar o crescimento de países em desenvolvimento e desenvolvidos. “Reafirmamos o nosso compromisso de que ninguém será deixado para trás, e comprometemo-nos a promover oportunidades e benefícios igualmente compartilhados, e possibilitar que todos os habitantes, vivam em assentamentos formais ou informais, tenham uma vida decente, digna e gratificante e atinjam seu pleno potencial humano”, diz o documento.

A NAU prevê ainda que as cidades alcancem a igualdade de género, garantindo a participação plena e efectiva das mulheres, a igualdade de direitos em todos os níveis, a prevenção e eliminação de todas as formas de descriminação e violência em espaços públicos e privados. A valorização da diversidade nas cidades é uma maneira apontada pela NAU para alcançar a equidade e reforçar a coesão social. “Também nos comprometemos a adoptar medidas para assegurar que as nossas instituições locais promovam o pluralismo e a coexistência pacífica nas sociedades cada vez mais heterogéneas e multiculturais.”

A nova estratégia para os próximos anos é vista como um importante guia para a implementação de outros pactos globais, como os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas [ver caixa].

A Nova Agenda Urbana não é um acordo legalmente vinculativo, dá orientações para que os actores envolvidos no desenvolvimento urbano construam planos de acção. “Convidamos organizações e entidades internacionais e regionais, incluindo as do sistema das Nações Unidas e os acordos ambientais multilaterais, parceiros de desenvolvimento, instituições financeiras internacionais e multilaterais, bancos regionais de desenvolvimento, o sector privado e outras partes interessadas, a melhorar a coordenação das suas estratégias e programas de desenvolvimento urbano e rural para a aplicação de uma abordagem complementar à urbanização sustentável, integrando a implementação da Nova Agenda Urbana.”

 

Entre as metas de desenvolvimento sustentável está o objectivo 11: Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis:

11.1 Até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, aos serviços básicos e urbanizar as favelas.

11.2 Até 2030, proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária através da expansão dos transportes públicos, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e idosos.

11.3 Até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planeamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países.

11.4 Fortalecer esforços para proteger e salvaguardar o património cultural e natural do mundo

11.5 Até 2030, reduzir significativamente o número de mortes e o número de pessoas afectadas por catástrofes e substancialmente diminuir as perdas económicas directas causadas por elas em relação ao produto interno bruto global, incluindo os desastres relacionados com a água, com o objectivo de proteger os pobres e as pessoas em situação de vulnerabilidade

11.6 Até 2030, reduzir o impacto ambiental negativo per capita das cidades, prestando especial atenção à qualidade do ar, gestão de resíduos municipais e outros.

11.7 Até 2030, proporcionar o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência.

11.a Apoiar relações económicas, sociais e ambientais positivas entre áreas urbanas, periurbanas e rurais, reforçando o planeamento nacional e regional de desenvolvimento.

11.b Até 2020, aumentar substancialmente o número de cidades e assentamentos humanos adoptando e implementando políticas e planos integrados para a inclusão, a eficiência dos recursos, mitigação e adaptação às mudanças climáticas, a resiliência a desastres; e desenvolver e implementar, de acordo com o Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres 2015-2030, a gestão holística do risco de desastres em todos os níveis.

11.c Apoiar os países menos desenvolvidos, por meio de assistência técnica e financeira, para construções sustentáveis e resilientes, utilizando materiais locais.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do  nº 791 de 25 de Janeiro de 2016.

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Autoria:Expresso das Ilhas,28 jan 2017 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  29 jan 2017 11:00

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