Concurso de Mini Miss abre debate sobre “adultização” de crianças

PorChissana Magalhaes,19 jun 2017 8:59

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A organização de um concurso de beleza em que as candidatas são meninas com menos de 13 anos, divulgado na rede social Facebook onde causou a indignação a várias pessoas, veio levantar questões sobre os limites a ter em conta no que se refere à exposição pública da imagem das crianças e sobre a “adultização” a que alegadamente elas cada vez mais estão sujeitas. Entretanto, o ICCA já veio a público demarcar-se e posicionar-se contra a organização deste evento.

 

Ao todo são 23 meninas, com idades entre os 5 e os 12 anos, de diferentes zonas da capital a competir pelo título de Miss Beleza Infantil Praia 2017. Marcado para o próximo dia 25 de Junho o evento, também referido como Concurso Mini Miss Princesa, estava até ao início da tarde de segunda-feira a ser publicitado numa página do Facebook onde já contava perto de 5000 mil likes e dezenas de comentários aprovadores.

Noutro sentido foi a reacção de dezenas de pessoas que comentaram um texto publicado naquela rede social pelo blogger Odair “Dai” Varela com o titulo “O perigo de promover a sensualização das crianças num país como Cabo Verde” e onde o mesmo crítica a natureza do evento.

“Porque um país com tão graves problemas de abuso sexual de crianças não deveria apostar em eventos que apenas contribuem para a erotização das meninas crianças”, aponta o escritor de livros infantis.

“Infelizmente esses concursos não são assistidos apenas pelas mães babadas com as fofuras das suas crianças. (…) Assistem também (entre outros) sujeitos suspeitos que se deliciam com a exposição do corpo da menina em bikini”.

A organizadora do evento, Maria Isabel Fonseca, presidente da associação cultural Afro Swag e activista comunitária na zona de Achadinha (onde trabalha na recuperação de jovens com comportamentos de risco) diz que o concurso é uma forma de permitir às meninas realizarem o sonho de serem modelos e se sentirem “princesas” e, manifestando ao Expresso das Ilhas o seu espanto face ao post de Dai Varela, diz-se triste com a polémica criada.

 “Não posso concordar com o que ele diz. Sinto-me triste com a associação que ele faz entre o concurso e abuso sexual de menores. Elas não vão desfilar de biquini como ele diz. Vão usar vestidos longos, de princesa”, defende-se a mentora da iniciativa, que diz já ter muita experiência a organizar concursos de misses com jovens e onde sempre tem sido abordada por crianças e pais que lhe pedem para fazer uma competição com crianças.

A activista questiona se as reclamações referentes à organização deste evento não terão a ver com a sua origem social. “Será que se fosse alguém de outro “nível” se faria essa polémica?”

Sentindo-se prejudicada pelo blogger, avançou que pretende consultar um advogado para ver se há matéria para um processo judicial.

O escritor responde: “Reconheço o direito da responsável da organização de fazer qualquer entendimento sobre o meu post, já que a interpretação cabe ao leitor. Porém, devo avançar que não sei de quem se trata a pessoa e que a minha única preocupação ao expressar no meu Facebook foi e é a protecção da infância. Quero dizer com isso que a minha motivação não teve a sua pessoa ou organização como foco, mas sim o evento em si”. Quanto à alegada difamação, Odair Varela considera ter escrito “um artigo de análise crítica que lhe foi desfavorável na qual não há intenção de injuriar”.

O mesmo acrescenta que recomendaria à organização do Miss Princesa que “repensasse a mudança do foco deste evento. Tirar o foco da competição dos corpos das nossas crianças e investir seus esforços num evento mais dignificante”.

 

Efeito Lolita Vs. Princesas Disney

Frisando que as meninas não irão desfilar de biquíni já que não aprova tal, Maria Isabel Fonseca diz-se alguém temente a Deus e que jamais promoveria um evento que expusesse os corpos das meninas.

“ A ideia era que elas se sentissem princesas. Cada uma tem a sua princesa [Disney] como inspiração, os vestidos são de princesa e a música para o desfile também é música para crianças”.

Entretanto, na página do Facebook estavam fotos das candidatas em que quase todas aparecem maquiadas e em poses e expressões sugestivas [ver fotos]. Um vídeo também publicado na página entretanto eliminada mostrava as meninas a desfilarem com gestos adultos enquanto a voz off promocional prometia “muito glamour”. Algo que Maria Isabel Fonseca diz não ter estado sob o seu controlo directo.

A propósito, a psicóloga Kika Freire afirma que esses concursos, mesmo quando não incluem desfiles em biquínis, promovem a “”adultização” da criança, que não tem maturidade para lidar com a exposição e a avaliação”.

A especialista em psicologia infantil considera que podem ser passadas às meninas a mensagem de beleza como o maior atributo a ser almejado quando nessa fase se deveriam "priorizar os valores e princípios”.

“É como se empurrassem a criança para uma “adultização”…Crianças pequenas que já se percebem como adultas. Daí para gravidezes na adolescência é um pulo”, reflecte.

“Colocaria uma interrogação quanto a realização desses concursos mesmo que sejam beneficentes. Não é a infância momento para concursos desse tipo”, acaba por defender, acrescentando que tais práticas favorecem hiatos no processo de crescimento da criança.

Uma socióloga ouvida pela nossa reportagem, e que preferiu o anonimato, diz que na verdade essa “adultização” e a exposição de meninas em poses “glamourosas” não é exclusivo desse tipo de competições.

“Nas redes sociais cabo-verdianas é comum vermos mães, e alguns pais, a partilharem constantemente fotos das suas meninas maquiadas, de mão na cintura ou alguma outra pose a imitar uma mulher adulta e até a fazerem “biquinho”, ao que muitos comentam aprovadoramente”, critica.

Esta discussão sobre concursos de beleza infantil que só agora chega à sociedade cabo-verdiana (onde no entanto este está longe de ser o primeiro concurso do tipo a ser feito; por exemplo, no passado Dia Internacional da Criança realizou-se um Mini Miss e Mini Mister na Várzea) é antiga em outras paragens. Nos Estados Unidos da América a indústria dos concursos de beleza com crianças é antiga e extremamente lucrativa. Para organizadores, marcas e também para as crianças vencedoras. As TVs também lucram com a exibição de “reality” shows acompanhando a rotina das concorrentes menores. Não obstante as fortes críticas da sociedade americana a esses programas, as audiências são altíssimas.

Algumas fontes apontam que o negócio de Mini Miss movimenta cerca de cinco bilhões de dólares por ano naquele país e conta com mais de 100 mil participantes. Os pais, na sua maioria provenientes da classe média, gastam centenas de dólares com taxas de inscrição, maquiagem e aulas para as meninas. Há também quem submeta as filhas a cirurgias plásticas e a dietas de emagrecimento extremamente restritivas.

Isabella Barrett, uma das vencedoras no passado do concurso “Little Miss America”, aos 06 anos era dona de milhões de dólares e de uma linha de jóias, roupas e maquiagem para crianças. Na TV e nas redes sociais sempre surgia com postura de adulta o que causava polémica.

Outra polémica envolvendo a indústria dos concursos de beleza infantil nos EUA remonta a 1996 quando a “mini miss” JonBenet Ramsey, também de 06 anos, foi estrangulada e assassinada. O caso, até agora sem resolução e onde os pais da meninas também são suspeitos, foi reaberto no ano passado.

A Europa também aderiu há muito ao fenómeno dos concursos de Miss “Princesa”. A França - que tinha anos antes regulado que em tais concursos as crianças não poderiam usar saltos altos, maquiagem e roupas inapropriadas - acabaria por proibir, em 2013, a realização destas competições com menores de 16 anos.

A lei a proibir concursos de beleza para meninas foi aprovada pela esmagadora maioria dos senadores do parlamento gaulês (apenas 1 voto contra) e estabelecia penas de multa e prisão contra os prevaricadores. Os promotores da proposta de lei falavam em “sexualização das expressões, posturas ou roupas das meninas de forma precoce demais” e apelavam a que não se permitisse " que nossas meninas acreditem desde cedo que seu único valor está na aparência”.

Houve, entretanto, sectores da sociedade francesa que criticaram o conteúdo da lei, que consideram excessivamente moralista.

O psicólogo Jacob Vicente, num comentário à notícia sobre este assunto no site do Expresso das Ilhas, defende que “não é tudo que vemos lá fora que devemos copiar, pois a adultização da criança pode abrir portas para um futuro muitas vezes bastante triste para estas que, confundindo os dois mundos (da infância, que deve viver, e de adulto, que não tem que conhecer muito menos experimentar), pode com o tempo a fazer depreciação do seu corpo e da sua imagem, quando se compara com colegas, pode começar a sofrer de bulling, pode desenvolver depressão e um conjunto de outros doenças que até podem ser psicossomáticas, mas que irá afectar as suas atitudes e comportamentos futuros”.

 

Direitos da Criança

Algo que os descontentes com a realização do concurso Miss Beleza Infantil Praia 2017 questionam é o alegado apoio do Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA) ao evento. Na página de divulgação da competição, um texto publicado pela organizadora referia que esta acontecia com o apoio de várias instituições públicas e privadas, entre elas o ICCA, a Câmara Municipal da Praia e a empresa CV Móvel.

Pensado desde o mês de Fevereiro, um dos primeiros passos dados pela organizadora deste evento terá sido uma carta enviada ao ICCA em Março, pedindo o seu apoio pois “queria no evento passar mensagens sobre direitos e protecção das crianças”.

Ainda sem resposta do ICCA e de outras instituições, como a Cruz Vermelha, a Polícia Nacional, RTC e RCV, a organização não se coibiu de anunciar com antecedência o apoio destas instituições pela expectativa que tinha de uma resposta positiva ao seu pedido.

“ Realmente ainda não tenho resposta, só a CV Móvel e a Câmara Municipal da Praia é que já disseram que vão apoiar e patrocinar os presentes para as nossas princesas”, disse a nossa entrevistada.

A CV Móvel admitiu o apoio ao concurso. “Efectivamente associamo-nos a actividades socias imbuídos de boa-fé, e na solicitação desta Organização predispomos a oferecer brinquedos às participantes”, esclareceu o Gabinete do Conselho de Administração da operadora em e-mail enviado pelo sector de Comunicação e Imagem.

Por seu lado, a Câmara Municipal da Praia esclarece que, desde o primeiro contacto com a organizadora do evento – pessoa com quem já tem colaborado em outras actividades – o apoio da autarquia ficou condicionado à participação do ICCA. Isto porque entende que “tudo o que tenha a ver com crianças é matéria sensível” pelo que recomendou à organização do certame o envolvimento do ICCA.

Ora o ICCA, em nota enviada ao final da tarde de ontem à imprensa, posicionou-se contra a realização do concurso Miss Princesa e vai mais longe: exige um pedido público de desculpas da organização do evento.

“ Sendo o ICCA a instituição pública encarregue de promover e executar a política governamental para protecção e defesa dos direitos da Criança e do Adolescente, ela se posiciona contra a realização Mini Miss Beleza Infantil Praia 2017 e de outros eventos do tipo, pelo impacto que poderão ter na vida das crianças/meninas e repudia veementemente a forma como o bom nome da instituição foi envolvido neste caso”.

A nota do ICCA vem lembrar o artigo 17º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que refere o Direito à Protecção da sua Integridade Pessoal. Este, no seu nº2, ressalta que “São inaceitáveis e exigem a intervenção imediata das autoridades competentes, conforme o previsto no presente Estatuto, a submissão da criança e do adolescente a situações que ponham em perigo a sua integridade, sob a forma de qualquer tipo de maus tratos, abusos, violência e exploração”.

Também o psicólogo Jacob Barbosa Vicente, que tem um livro publicado sobre abuso sexual e pedofilia em Cabo Verde, faz no fórum antes referido menção à exploração e prostituição infantil que diz que “no extremo da sua interpretação, é considerada qualquer exposição explícita e consciente da criança aos olhares públicos, consciente ou inconscientemente das suas consequências nefastas. Pois, as crianças não tem capacidade de decidir, quem decide por elas, são os pais e encarregados de educação, que por sua vez, neste caso, advinha -se serem adultos que amam os seus filhos e que mais de que todos nós, querem o melhor para os seus filhos”.

A instituição que responde pela protecção dos direitos da Criança diz que, recentemente, já tinha dado parecer negativo à realização de um evento do tipo em Santa Catarina de Santiago e apela à sociedade civil que “continue a denunciar, junto das autoridades competentes, actividades do género que expõem crianças e adolescentes e que comprometem a sua imagem e o desenvolvimento integral e harmonioso dos mesmos”.

Entretanto, vestidos e acessórios já foram comprados pelos pais das 23 candidatas e a organização já fez despesas com a decoração para o palco do evento. Um investimento que não queria ver transformado em prejuízo.

Na segunda-feira Maria Isabel Fonseca avançava que não pretendia cancelar o evento. “Posso adiar, mas cancelar não”.

 

Informada agora pela nossa reportagem sobre o teor da nota enviada pelo ICCA à Comunicação Social a activista social diz que prefere não comentar, e que vai aguardar pelo contacto directo dessa instituição já que ainda espera resposta ao seu pedido de parceria enviado em Março passado.

Ao todo são 23 meninas, com idades entre os 5 e os 12 anos, de diferentes zonas da capital a competir pelo título de Miss Beleza Infantil Praia 2017. Marcado para o próximo dia 25 de Junho o evento, também referido como Concurso Mini Miss Princesa, estava até ao início da tarde de segunda-feira a ser publicitado numa página do Facebook onde já contava perto de 5000 mil likes e dezenas de comentários aprovadores.

Noutro sentido foi a reacção de dezenas de pessoas que comentaram um texto publicado naquela rede social pelo blogger Odair “Dai” Varela com o titulo “O perigo de promover a sensualização das crianças num país como Cabo Verde” e onde o mesmo crítica a natureza do evento.

“Porque um país com tão graves problemas de abuso sexual de crianças não deveria apostar em eventos que apenas contribuem para a erotização das meninas crianças”, aponta o escritor de livros infantis.

“Infelizmente esses concursos não são assistidos apenas pelas mães babadas com as fofuras das suas crianças. (…) Assistem também (entre outros) sujeitos suspeitos que se deliciam com a exposição do corpo da menina em bikini”.

A organizadora do evento, Maria Isabel Fonseca, presidente da associação cultural Afro Swag e activista comunitária na zona de Achadinha (onde trabalha na recuperação de jovens com comportamentos de risco) diz que o concurso é uma forma de permitir às meninas realizarem o sonho de serem modelos e se sentirem “princesas” e, manifestando ao Expresso das Ilhas o seu espanto face ao post de Dai Varela, diz-se triste com a polémica criada.

 “Não posso concordar com o que ele diz. Sinto-me triste com a associação que ele faz entre o concurso e abuso sexual de menores. Elas não vão desfilar de biquini como ele diz. Vão usar vestidos longos, de princesa”, defende-se a mentora da iniciativa, que diz já ter muita experiência a organizar concursos de misses com jovens e onde sempre tem sido abordada por crianças e pais que lhe pedem para fazer uma competição com crianças.

A activista questiona se as reclamações referentes à organização deste evento não terão a ver com a sua origem social. “Será que se fosse alguém de outro “nível” se faria essa polémica?”

Sentindo-se prejudicada pelo blogger, avançou que pretende consultar um advogado para ver se há matéria para um processo judicial.

O escritor responde: “Reconheço o direito da responsável da organização de fazer qualquer entendimento sobre o meu post, já que a interpretação cabe ao leitor. Porém, devo avançar que não sei de quem se trata a pessoa e que a minha única preocupação ao expressar no meu Facebook foi e é a protecção da infância. Quero dizer com isso que a minha motivação não teve a sua pessoa ou organização como foco, mas sim o evento em si”. Quanto à alegada difamação, Odair Varela considera ter escrito “um artigo de análise crítica que lhe foi desfavorável na qual não há intenção de injuriar”.

O mesmo acrescenta que recomendaria à organização do Miss Princesa que “repensasse a mudança do foco deste evento. Tirar o foco da competição dos corpos das nossas crianças e investir seus esforços num evento mais dignificante”.

 

Efeito Lolita Vs. Princesas Disney

Frisando que as meninas não irão desfilar de biquíni já que não aprova tal, Maria Isabel Fonseca diz-se alguém temente a Deus e que jamais promoveria um evento que expusesse os corpos das meninas.

“ A ideia era que elas se sentissem princesas. Cada uma tem a sua princesa [Disney] como inspiração, os vestidos são de princesa e a música para o desfile também é música para crianças”.

Entretanto, na página do Facebook estavam fotos das candidatas em que quase todas aparecem maquiadas e em poses e expressões sugestivas [ver fotos]. Um vídeo também publicado na página entretanto eliminada mostrava as meninas a desfilarem com gestos adultos enquanto a voz off promocional prometia “muito glamour”. Algo que Maria Isabel Fonseca diz não ter estado sob o seu controlo directo.

A propósito, a psicóloga Kika Freire afirma que esses concursos, mesmo quando não incluem desfiles em biquínis, promovem a “”adultização” da criança, que não tem maturidade para lidar com a exposição e a avaliação”.

A especialista em psicologia infantil considera que podem ser passadas às meninas a mensagem de beleza como o maior atributo a ser almejado quando nessa fase se deveriam "priorizar os valores e princípios”.

“É como se empurrassem a criança para uma “adultização”…Crianças pequenas que já se percebem como adultas. Daí para gravidezes na adolescência é um pulo”, reflecte.

“Colocaria uma interrogação quanto a realização desses concursos mesmo que sejam beneficentes. Não é a infância momento para concursos desse tipo”, acaba por defender, acrescentando que tais práticas favorecem hiatos no processo de crescimento da criança.

Uma socióloga ouvida pela nossa reportagem, e que preferiu o anonimato, diz que na verdade essa “adultização” e a exposição de meninas em poses “glamourosas” não é exclusivo desse tipo de competições.

“Nas redes sociais cabo-verdianas é comum vermos mães, e alguns pais, a partilharem constantemente fotos das suas meninas maquiadas, de mão na cintura ou alguma outra pose a imitar uma mulher adulta e até a fazerem “biquinho”, ao que muitos comentam aprovadoramente”, critica.

Esta discussão sobre concursos de beleza infantil que só agora chega à sociedade cabo-verdiana (onde no entanto este está longe de ser o primeiro concurso do tipo a ser feito; por exemplo, no passado Dia Internacional da Criança realizou-se um Mini Miss e Mini Mister na Várzea) é antiga em outras paragens. Nos Estados Unidos da América a indústria dos concursos de beleza com crianças é antiga e extremamente lucrativa. Para organizadores, marcas e também para as crianças vencedoras. As TVs também lucram com a exibição de “reality” shows acompanhando a rotina das concorrentes menores. Não obstante as fortes críticas da sociedade americana a esses programas, as audiências são altíssimas.

Algumas fontes apontam que o negócio de Mini Miss movimenta cerca de cinco bilhões de dólares por ano naquele país e conta com mais de 100 mil participantes. Os pais, na sua maioria provenientes da classe média, gastam centenas de dólares com taxas de inscrição, maquiagem e aulas para as meninas. Há também quem submeta as filhas a cirurgias plásticas e a dietas de emagrecimento extremamente restritivas.

Isabella Barrett, uma das vencedoras no passado do concurso “Little Miss America”, aos 06 anos era dona de milhões de dólares e de uma linha de jóias, roupas e maquiagem para crianças. Na TV e nas redes sociais sempre surgia com postura de adulta o que causava polémica.

Outra polémica envolvendo a indústria dos concursos de beleza infantil nos EUA remonta a 1996 quando a “mini miss” JonBenet Ramsey, também de 06 anos, foi estrangulada e assassinada. O caso, até agora sem resolução e onde os pais da meninas também são suspeitos, foi reaberto no ano passado.

A Europa também aderiu há muito ao fenómeno dos concursos de Miss “Princesa”. A França - que tinha anos antes regulado que em tais concursos as crianças não poderiam usar saltos altos, maquiagem e roupas inapropriadas - acabaria por proibir, em 2013, a realização destas competições com menores de 16 anos.

A lei a proibir concursos de beleza para meninas foi aprovada pela esmagadora maioria dos senadores do parlamento gaulês (apenas 1 voto contra) e estabelecia penas de multa e prisão contra os prevaricadores. Os promotores da proposta de lei falavam em “sexualização das expressões, posturas ou roupas das meninas de forma precoce demais” e apelavam a que não se permitisse " que nossas meninas acreditem desde cedo que seu único valor está na aparência”.

Houve, entretanto, sectores da sociedade francesa que criticaram o conteúdo da lei, que consideram excessivamente moralista.

O psicólogo Jacob Vicente, num comentário à notícia sobre este assunto no site do Expresso das Ilhas, defende que “não é tudo que vemos lá fora que devemos copiar, pois a adultização da criança pode abrir portas para um futuro muitas vezes bastante triste para estas que, confundindo os dois mundos (da infância, que deve viver, e de adulto, que não tem que conhecer muito menos experimentar), pode com o tempo a fazer depreciação do seu corpo e da sua imagem, quando se compara com colegas, pode começar a sofrer de bulling, pode desenvolver depressão e um conjunto de outros doenças que até podem ser psicossomáticas, mas que irá afectar as suas atitudes e comportamentos futuros”.

 

Direitos da Criança

Algo que os descontentes com a realização do concurso Miss Beleza Infantil Praia 2017 questionam é o alegado apoio do Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA) ao evento. Na página de divulgação da competição, um texto publicado pela organizadora referia que esta acontecia com o apoio de várias instituições públicas e privadas, entre elas o ICCA, a Câmara Municipal da Praia e a empresa CV Móvel.

Pensado desde o mês de Fevereiro, um dos primeiros passos dados pela organizadora deste evento terá sido uma carta enviada ao ICCA em Março, pedindo o seu apoio pois “queria no evento passar mensagens sobre direitos e protecção das crianças”.

Ainda sem resposta do ICCA e de outras instituições, como a Cruz Vermelha, a Polícia Nacional, RTC e RCV, a organização não se coibiu de anunciar com antecedência o apoio destas instituições pela expectativa que tinha de uma resposta positiva ao seu pedido.

“ Realmente ainda não tenho resposta, só a CV Móvel e a Câmara Municipal da Praia é que já disseram que vão apoiar e patrocinar os presentes para as nossas princesas”, disse a nossa entrevistada.

A CV Móvel admitiu o apoio ao concurso. “Efectivamente associamo-nos a actividades socias imbuídos de boa-fé, e na solicitação desta Organização predispomos a oferecer brinquedos às participantes”, esclareceu o Gabinete do Conselho de Administração da operadora em e-mail enviado pelo sector de Comunicação e Imagem.

Por seu lado, a Câmara Municipal da Praia esclarece que, desde o primeiro contacto com a organizadora do evento – pessoa com quem já tem colaborado em outras actividades – o apoio da autarquia ficou condicionado à participação do ICCA. Isto porque entende que “tudo o que tenha a ver com crianças é matéria sensível” pelo que recomendou à organização do certame o envolvimento do ICCA.

Ora o ICCA, em nota enviada ao final da tarde de ontem à imprensa, posicionou-se contra a realização do concurso Miss Princesa e vai mais longe: exige um pedido público de desculpas da organização do evento.

“ Sendo o ICCA a instituição pública encarregue de promover e executar a política governamental para protecção e defesa dos direitos da Criança e do Adolescente, ela se posiciona contra a realização Mini Miss Beleza Infantil Praia 2017 e de outros eventos do tipo, pelo impacto que poderão ter na vida das crianças/meninas e repudia veementemente a forma como o bom nome da instituição foi envolvido neste caso”.

A nota do ICCA vem lembrar o artigo 17º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que refere o Direito à Protecção da sua Integridade Pessoal. Este, no seu nº2, ressalta que “São inaceitáveis e exigem a intervenção imediata das autoridades competentes, conforme o previsto no presente Estatuto, a submissão da criança e do adolescente a situações que ponham em perigo a sua integridade, sob a forma de qualquer tipo de maus tratos, abusos, violência e exploração”.

Também o psicólogo Jacob Barbosa Vicente, que tem um livro publicado sobre abuso sexual e pedofilia em Cabo Verde, faz no fórum antes referido menção à exploração e prostituição infantil que diz que “no extremo da sua interpretação, é considerada qualquer exposição explícita e consciente da criança aos olhares públicos, consciente ou inconscientemente das suas consequências nefastas. Pois, as crianças não tem capacidade de decidir, quem decide por elas, são os pais e encarregados de educação, que por sua vez, neste caso, advinha -se serem adultos que amam os seus filhos e que mais de que todos nós, querem o melhor para os seus filhos”.

A instituição que responde pela protecção dos direitos da Criança diz que, recentemente, já tinha dado parecer negativo à realização de um evento do tipo em Santa Catarina de Santiago e apela à sociedade civil que “continue a denunciar, junto das autoridades competentes, actividades do género que expõem crianças e adolescentes e que comprometem a sua imagem e o desenvolvimento integral e harmonioso dos mesmos”.

Entretanto, vestidos e acessórios já foram comprados pelos pais das 23 candidatas e a organização já fez despesas com a decoração para o palco do evento. Um investimento que não queria ver transformado em prejuízo.

Na segunda-feira Maria Isabel Fonseca avançava que não pretendia cancelar o evento. “Posso adiar, mas cancelar não”.

Informada agora pela nossa reportagem sobre o teor da nota enviada pelo ICCA à Comunicação Social a activista social diz que prefere não comentar, e que vai aguardar pelo contacto directo dessa instituição já que ainda espera resposta ao seu pedido de parceria enviado em Março passado.

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Autoria:Chissana Magalhaes,19 jun 2017 8:59

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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