Teresa Almeida tem concebido vários produtos conceptuais, ou “design especulativo”, como lhes chama. Um desses trabalhos, que mostrou no workshop na Uni-CV a título de exemplo, é o de uma t-shirt que promoveria o auto-exame da mama. “A ideia é usar esta tecnologia vestível no corpo, para lembrar a mulher, quando o põe, da apalpação, apalpar nos sítios indicados. Não é um produto, é uma coisa bastante especulativa, um conceito, mas abre caminho a essas potencialidades imensas de usar as novas tecnologias e os novos materiais”, explica ao EI.
Actualmente, Teresa almeida está a lançar a Bitness, que aliás apresentou no Women Summit e que uma plataforma que ajuda a difundir o seu trabalho “a título individual” mas que conta também com colaboradores.
Uma plataforma para “partilha e colaboração acerca de abordagens critico-humanísticas no design de tecnologias que suportem a mudança sócio-cultural e derrubem tabus”, como se lê na própria página.
Trata-se de um site que concentra vários workshops temáticos que realiza, os conceitos que tem trabalhado e “eventuais produtos” que espera vir a fazer e que advêm dos seus projectos de investigação académica. Na realidade, a própria Bitness poderá ser um veículo de angariação de fundos para esse “salto” entre o especulativo e o produto.
“Pensei numa forma de sair da investigação académica e tornar esses projectos mais acessíveis e interessantes para pessoas que não têm acesso a competências académicas. Então surgiu o Bitness”, que funcionará também como uma marca, explica.
Um dos projectos mais elaborados que realizou a nível académico, no seu doutoramento, é Labella. Foi o segundo caso de estudo do seu doutoramento, concebido a partir do “primeiro que era ligado aos e-textiles” e consistia num kit para o pavimento pélvico.
Assim, surge Labella que consiste numa peça de roupa interior (umas cuecas) e uma app de telemóvel. Na zona das cuecas que cobre os órgão sexuais, há uma serigrafia e o telemóvel deve ser usado como um espelho, voltado para essa imagem.
Mais do que simplesmente olhar, há uma interacção, fomentando a consciência do corpo. O telemóvel tem de ser alinhado com o padrão da serigrafia e depois há uma “aumentação” (no âmbito do conceito da realidade aumentada) do períneo e “a imagem alimentada convida a tocar”. Ao mesmo tempo dá informação sobre as diferentes áreas e só depois se avança para a etapa seguinte que “tem a ver com os exercícios pélvicos” (exercícios de Kegel). Há uma simulação dos exercícios no telemóvel, mas a tendências, pelo menos entre as mulheres que testaram o Labella, é replicar os movimentos no próprio corpo. A interacção Mulher-Máquina acontece.
Exercitando o tabu
Labella (assim como vários outros projectos da designer) quebra tabus relacionados com a mulher.
“Obriga” a mulher a olhar directamente para as partes íntimas do seu corpo e perceber aquilo que realmente sabe ou não sobre este, percebendo o seu funcionamento.
“ É importante haver inovação, em torno das tecnologias existentes, dos designs existentes, para a mulher ter conhecimento do seu corpo”.
Na realidade, essas são partes do corpo sobre as quais ainda há um silêncio, seja a nível privado como público (nomeadamente na escola). “ São temas tabu, em todo o lado do mundo, continuam a ser. E a minha questão era como se consegue quebrar essa barreira do conhecimento. Penso que os designs que tenho feito são catalisadores para a conversa, para quebrar esse estigma, para quebrar o tabu”, considera Teresa Almeida.
Não há teor sexual na investigação até agora levada a cabo pela designer. A questão é mesmo o corpo e a saúde. Mesmo assim, mesmo no meio académico, o tema do corpo e cuidados íntimos da mulher continua a não ser muito bem visto. “Isto continua a ser… tabu”.
E ao derrubar-se tabus e fomentar o conhecimento do corpo, assume-se também o empoderamento das mulheres e raparigas .
Entretanto, o trabalho desenvolvido por Teresa tem vindo a ser reconhecido e premiado. Adesigner foi laureada no programa da UN Women “Empower Women Champion for Change 2016/2017” e está, neste momento, na shortlist de um programa da openIDEO que será uma boa oportunidade para conseguir passar os seus designs de protótipos a produtos.
Os e-textiles trazem a computação e a electrónica para a área têxtil. Como exemplifica Teresa Almeida, imagine-se um circuito eléctrico como o que temos em casa. Carregamos num interruptor e liga-se a luz. Agora imagine-se isso, mas num pano, usando tecidos, fios de coser e outros elementos associados aos têxteis. Basicamente o princípio é esse, pelo que circuitos muito mais complexos, envolvendo sensores avançados podem igualmente ser aplicados.
Desta forma, com esta “reinvenção” da parte electrónica, “essa coisa assustadora da engenharia electrónica torna-se mais acessível e interessante para as mulheres”. Quebra-se o medo e o estigma e marca-se assim um passo na inversão dos baixos números de mulheres ligadas ao STEM (science, technology, engineering and math).
Na realidade, como sublinha, uma das ideias principais por detrás destes tecidos electrónicos é promover uma aproximação das mulheres e meninas às áreas mais tecnológicas e científicas. Parte-se de uma técnica e materiais geralmente associados à mulher – a costura e os tecidos – e reinventa-se a electrónica que passa a ser aplicada nos têxteis.
E estes têxteis, bastante recentes e que até há bem pouco tempo tinham uma aplicação essencialmente conceptual, começam já a ser vistos em roupas “vestíveis”. São os Wereable e-textiles, que surgem dentro da chamada wereable technology (à letra tecnologias vestíveis, embora a tradução pareça ainda mais “futurista” do que o termo em ingês). Vemo-los “desde há dois, três anos em desfiles de moda, nomeadamente na New York Fashion Week, onde alguns designer já usam wereables. Mas também já começa a ser uma coisa que se vê no dia-a-dia, e há várias celebridades que aparecem em eventos, por exemplo, com saias com uns LED a piscar. Já começa a ser uma coisa para além das pequenas experiências em workshops, um produto”, aponta a designer.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 834 de 22 de Novembro de 2017.