Undi sta Edvanea?

PorSara Almeida,2 dez 2017 6:39

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No dia 14 de Novembro, Edvanea Gonçalves desapareceu sem deixar rasto. Nos dias seguintes, dezenas de cartazes com a foto da menina encheram a cidade da Praia e espalharam-se pelas redes sociais. O caso tocou os cabo-verdianos e mobilizou centenas de pessoas que se juntaram, na passada sexta-feira, manifestando a sua solidariedade e exigindo resposta das autoridades. Falamos com a família, que tenta passar os dias entre a tristeza da ausência e a esperança do reencontro. A pergunta na cabeça de todos é mesma: onde está Edvanea?

 

Aquele dia começou como outro qualquer. Nada fazia prever que iria ser tão longo e com horas finais tão agonizantes. Era uma terça-feira, 14 de Novembro.

A família acordou. Uma manhã normal. Vladmir Gonçalves Carvalho e Lúcia Carvalho foram trabalhar sem saber que quando regressassem já não veriam a filha Edvanea.

Antes de a mãe sair, a menina “foi procurar uma coisa, aqui perto”. Já não chegaram a cruzar-se. A mãe deixou a chave com a vizinha e fez-se ao caminho.

Foi só ao meio dia e meia, quando a menina não apareceu para o almoço, que a irmã mais velha, Nilse, que passara a manhã na escola e é responsável por Edvanea, na ausência dos pais, começou a ficar preocupada. Mas lembrou-se de uma outra vez, em que a irmã fora estudar com uma amiga, sua vizinha, e almoçara em sua casa.

“Fiquei preocupada, mas não muito, porque ela já o fizera: almoçou em casa da colega e foi directa para a escola”, conta Nilse.

Decidiu não dar o alerta, ninguém adivinharia o pior.

 

Passos curtos

A casa de Edvanea fica mesmo por trás da EBI de Eugénio Lima, onde frequenta o 5º ano, num beco largo, onde toda a gente se conhece. E quem a conhece descreve-a como menina meiga, recatada, que não gosta muito de sair de casa, nem se aventura para fora da sua zona de segurança. Vai, por vezes, a casa de alguma amiga, do outro lado da rua da escola, mas não mais. Os dias passam entre o largo de sua casa, e a escola cujo edifício contorna para entrar.

Caminhadas demasiado curtas, que aliadas ao seu feitio sossegado, não deixavam antever qualquer desvio ou problema.

Na tarde daquele dia, Nilse, que frequenta o secundário, foi para a sua escola acreditando que a irmã fizera o mesmo.

Mas a menina nem chegou a ir à escola. O pai descobriu, em conversa posterior com uma professora, que a ausência foi notada e comentada, inclusive ao nível da direcção. Contudo, uma vez que era muito raro a menina faltar, pensaram haver um bom motivo e que os pais estavam ao corrente. Por isso não os contactaram. E, de qualquer modo, tinha sido só um dia em falta.

 

Onde estás?

Com o caso sob investigação Polícia aconselhou os pais a não falarem muito sobre o dia do desaparecimento, mas aos poucos lá se vai continuando a desenhar a cronologia.

Ao fim do dia, a regressar a casa, em Achada Eugénio Lima, Lúcia Carvalho sentiu um aperto no estômago. Tinha estado a vender em Achada Santo António, e à vinda, sem explicação, lembrou-se da filha. “Quando cheguei, perguntei logo à minha outra filha: ‘Ond ‘é Edvanea?’ Ela respondeu: ‘hoje não a vi.’ Comecei a ficar aflita, já era noite…”

Eram quase 20h. Seguiram-se momentos de procura desenfreada, ainda sem saber o que pensar. Chamaram-se familiares, vizinhos, para pedir informação e ajudar nas buscas pela zona.

Já depois das 22h, ao verem que a menina não aparecia, decidiram accionar a polícia. Foram à esquadra de Eugénio Lima, mas a esquadra não tinha um computador para registar a queixa. Disseram-lhe que fosse à esquadra da Fazenda ou de Achada Santo António.

Vladmir e o vizinho que o acompanhava pensaram que o melhor seria irem à TCV, para lançar um anúncio para encontrar a menina. Não conseguiram, naquele momento era impossível. Tentaram também a TIVER e a Record.

Daí foram à Esquadra da Achada, e a Polícia Nacional registou a queixa e accionou os agentes do terreno. Foi também accionada a Polícia de Fronteira, que ficou de sobreaviso e foram pessoalmente ao porto, lançar o alerta. Tinham medo que alguém tentasse tirar Edvanea do país e por isso, travar uma eventual saída foi uma preocupação imediata.

Fronteiras cerradas… nenhuma notícia da menina.

 

Sonhos e pesadelos

“O meu sonho é ser bailarina, por isso desenhei esta bailarina…”, lê-se num dos cadernos de Edvanea, sobre o desenho de uma delicada menina em pose de ballet. É esta a menina real que está nos pósteres de desaparecida.

Uma menina com muitos sonhos. “Também gostava de ser médica..”, diz o pai. “Mas mais bailarina”, completa a mãe. “Ainda naquela semana mesmo me pediu para comprar collants e ir matriculá-la no ballet”.

Gosta muito de desenho, de pintar…. diz a mãe, com uma boneca barbie bailarina, que é de Edvanea, nas mãos. Há mais cadernos, mas não se conseguem encontrar. “Acho que estão na escola”, arrisca a mãe. Outros foram levados pela polícia.

No caderno da bailarina há ainda histórias de princesas, a Elsa da Frozen, desenhos dela e da família com a legenda: “eu e a minha mãe, que é a pessoa que mais gosto no mundo, e do meu pai e de Jesus”.

“É crente. Quer ser baptizada. Sente medo… muito”, do escuro, de ruas vazias…. “Aqui quando as crianças sentem medo diz-se que é bom baptizar”.

Edvanea tem medo e também pesadelos. “Um dia teve um pesadelo que os bandidos a pegaram e meteram num carro…”, recorda a mãe. Terá acordado antes do desfecho do sonho. Acordado na segurança do seu quarto.

 

O quarto de Edvanea

Podemos tirar uma foto, mas não queremos. Não se expõe assim o espaço privado de uma menininha. Nas paredes há fotos. Edvanea com várias idades. De bebé sorridente, a menina-princesa.

O balão dourados dos seus dez anos, que completou a 25 de Agosto, está junto à cama. Há também quadros com figuras de desenhos animados e séries infanto-juvenis. Peluches, bonecas, tiaras… Numa predominância de rosa, há princesas Sofias” (a sua preferida), “minnies”, “pequenos póneis”, “hello kitty”… Caixinhas, perfumes,… o quarto que exala os gostos comuns a grande parte das meninas dessa idade.

Sapatos, bolsas com imagens das princesas Disney favoritas….há um cuidado em tudo, que parece dizer que aqui dorme uma menina amada. A mãe abre um armário cheio de vestidos e tira o que lhe comprou mais recentemente. Um vestido com tule cor-de-rosa, na parte de baixo, como um tutu de ballet, e um coração prateado.

“Está a ver… Gosto de lhe comprar coisas bonitas. Como vendo, compro também para ela. Olhe aqui outros”, comenta, tirando mais alguns cabides cheios de vestidos. Tudo à espera do seu regresso.

 

Ninguém viu nada

Uma coisa intriga os pais: ninguém viu nada. Num sítio pequeno, onde toda a gente se conhece.

“Ninguém viu, ninguém sabe, ninguém diz nada”, lamenta o pai. “Ninguém sabe dizer ‘eu vi a tua filha aqui’. É muito misterioso. “ Parece ter-se evaporado.

Nem a melhor amiga, com quem estuda, a viu naquele dia.

No segundo dia do desaparecimento, fizeram-se os referidos pósteres que se espalharam por toda a cidade. Neles vê-se duas fotos de uma menina bonita, a fazer pose para a fotografia e os contactos para “kualker informason”.

E de facto começaram a surgir informações. Disseram que a menina tinha sido vista na zona Di Nôs, na ASA. Nada.

“Durante a primeira semana, o foco veio sempre dessa zona. Por isso a marcha (ver destaque) terminou aí. Para dizer às pessoas que não se deve brincar com essas coisas”, conta Vladmir Gonçalves Carvalho.

A família não acredita que Edvanea possa ter sofrido um acidente, caído em algum poço ou ravina. Primeiro, pelo recatado feitio da menina, nascida na Praia, mas que dos 2 aos 7 anos foi criada pela avó, em São Jorge dos Órgãos. Segundo, porque com as intensas buscas que já foram feitas, já teria sido encontrada.

Embora não confirme que a filha foi raptada, Vladmir acha que a filha está com alguém. Fechada em qualquer sítio.

“Alguém a tem presa”, diz, acrescentando ter confiança de que as autoridades vão encontrar a sua filha, e com vida. É que se e ela não estivesse viva ou tivesse saído sozinha, também já tinha sido encontrada, considera.

 

Mostrar a dor

Entretanto, sofrer devia vir com manual de instruções.

Ao longo dos últimos dias os pais de Edvanea receberam imensas mensagens de apoio, do país e do estrangeiro. Prova disso foi a marcha do passado dia 24.

Mas receberam também muitas críticas. Houve quem os culpasse do desaparecimento da filha. “Pais não são os culpados. Um azar pode acontecer com qualquer um”, defende Lúcia. Toda a família sofre. Durante cinco dias a irmã Nilse não conseguiu ir às aulas. Agora já retomou, mas “nada entra na cabeça”.

De manhã é mais fácil. Cada dia traz a esperança de uma boa notícia. Uma esperança que vai esmorecendo com o cair da noite. Aí, chega a sensação de mais um dia passado sem Edvanea, e “a mágoa e a dor fica mais forte”, confessa o pai.

Mas nem todos estes sentimentos se mostram, e as pessoas, mesmo as do bairro, reagem de uma forma que o casal lamenta. De repente, viram profilers e especialistas em manifestações de dor, ávidos de lágrimas e choro, e acusam-nos de insensibilidade e frieza. Dizem que a falta de sentimento que mostram, por exemplo, nas entrevistas, é estranha, suspeita até.

“Vieram cá pessoas mostrar a sua solidariedade e encontraram a minha esposa a comer (eu tive de insistir que ela tinha de se alimentar, porque nos primeiros dias nem comeu) e saíram à rua a dizer que ela não sofre, porque está a comer. Outra vez foi porque estava a limpar a casa”, comenta Vladmir, sem esconder a desilusão. “Vêm a casa para prestar solidariedade ou para ver o que estamos a fazer?”

“Dizem que a gente sabe, que estamos a fingir”, queixa-se Lúcia.

“A essas pessoas não tenho nada a dizer, não são dignos da nossa conversa”, responde, um pouco zangado, o marido.

Apesar dessas críticas, o agradecimento pela imensa solidariedade demonstrada no geral é, frisa, o que querem lembrar, no dia em que Edvanea regressar a casa.

“O caso da minha filha tocou o coração da sociedade cabo-verdiana”, considera. “”Excepto daquelas pessoas que estão com a minha filha…”

 

Marcha junta centenas de pessoas por Edvanea

Centenas de pessoas participaram na sexta-feira, 24, numa marcha de solidariedade e protesto pelo desaparecimento de Edvanea Gonçalves.

Ficou assim bem patente como este caso emocionou a sociedade, que apelou a hipotéticos raptores a libertação da menina, e exigiu às autoridades mais segurança e eficiência nos casos de desaparecimento.

A marcha foi organizada por “uma senhora da Achada Grande”, depois de ouvir a mãe de Edvanea exortar à organização de uma marcha ou corrente de oração.

“Não conhecemos a senhora e no dia da Marcha não tivemos oportunidade de falar muito”, nem de lhe agradecer, lamenta Vladmir. Agradecer a ela e também às Forças Armadas de que faz parte (é militar) e à polícia nacional, acrescenta, afirmando “confiar plenamente nas autoridades nacionais”. “Sobre apoio de busca e solidariedade não temos de reclamar”, acrescenta.


PJ não fala

A marcha protestou contra o tratamento dado pelas autoridades aos casos dos desaparecimentos em Cabo Verde. O caso de uma mãe e seu bebé que desapareceram há três meses tem também sido alvo de atenção. Mas afinal, quantas pessoas há neste momento desaparecidas? E qual o perfil dessas pessoas? Contactada pelo Expresso das Ilhas, a Polícia Judiciária remeteu a resposta a estas e outras para uma nota de imprensa a ser enviada em breve, aos órgãos de comunicação. Argumentando ser uma matéria sensível, escusou-se a responder por outra forma que não essa. Entretanto, até ao fecho da edição a referida nota ainda não havia sido recebida.

Entretanto, em nota de imprensa enviada anteriormente (no dia da marcha ), especificamente sobre o caso de Edvanea a PJ refere: “as investigações com vista a localização da menor e o apuramento dos factos sob investigação estão a decorrer, pelo que, apelamos a paciência e compreensão de todos”.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 835 de 29 de Novembro de 2017. 

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Autoria:Sara Almeida,2 dez 2017 6:39

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  3 dez 2017 11:38

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