Dia da Liberdade e Democracia foi a data escolhida para a segunda “convocação” do movimento Sokols 2017. Sucede à manifestação de 5 de Julho de 2017, que juntou mais de 10 mil pessoas (desta vez terá sido cerca de metade), e mantem a sua palavra de ordem: “Basta!”.
“Basta de centralismo, basta de não transparência, basta de falta de meritocracia”, reivindica Salvador Mascarenhas, um dos rostos do Sokols.
Basta ainda da falta de “estímulo à cidadania activa”, sendo que nesse sentido seria importante, por exemplo, que fosse permitido aos “cidadãos concorrer nas legislativas em listas uninominais.”
“Estamos fartos desta democracia, que é somente representativa”, afirma, defendendo que é preciso “elevar o patamar da nossa democracia”.
E melhor democracia passa por todos os aspectos referidos, em particular pela descentralização.
Esta não é uma luta partidária!
O movimento tem reiterado a sua natureza apartidária. Mas num país pouco habituado a ter iniciativas públicas de contestação não corporativista com grande adesão e onde tudo é partidarizado, vale a pena repetir.
“Nós simplesmente canalizamos uma ansiedade que identificamos na sociedade civil”, explica, dizendo que o intuito do movimento é de ser “um barómetro da governação tanto local como nacional”.
As manifestações e outras acções do Sokols não são contra este governo em particular (ou o partido que o sustenta), mas contra o sistema, acrescenta. Isto, salvaguardando-se que quem está no poder é que deve promover as mudanças. Ou seja, a responsabilidade será sempre do governo.
Assim, e sem qualquer pretensão de fazer oposição partidária, o grupo dispõe-se a colaborar com todos, inclusive com as estruturas governativas para “um Cabo Verde equilibrado e justo”. O que se exige é diálogo, uma relação mais nivelada com os cidadãos, mais informação.
E, uma vez que, no entender do movimento não poderá um Cabo Verde justo sem dar poder às ilhas, que haja “não medidas avulsas, mas um plano para a autonomia e a descentralização.”
Medidas avulsas
Entretanto, no fim-de-semana, em resposta à Marcha pela Democracia, o Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, considerou que esta “não tem nada a ver com este Governo, que diz promover a descentralização, estar engajado na regionalização, e que tem estado a transferir mais recursos para os municípios, numa atitude de parceria”
O mentor do Sokols não concorda. Iniciativas como a fixação do Ministério da Economia Marítima em, São Vicente, são medidas avulsas, que embora positivas, não vão “alavancar o desenvolvimento “de São Vicente e outras ilhas. Aliás, esta medida não só é avulsa como “atabalhoada”, não planeada, critica. Basta ver a forma como foi dado “um ultimato às outras instituições para saírem do edifício, sem nenhum respeito pelas instituições, pelo Estado”.
Aliás, um dos problemas do país, analisa, é a confusão entre governo e Estado. “No governo as pessoas são eleitas, no Estado devem evoluir por concurso. E é aí que entra a meritocracia”, que o movimento reivindica. “Sempre que há mudança de governo destrói-se o aparelho de Estado, metendo-se as pessoas que se querem, job for the boys. Estamos a destruir o país”, reclama.
Quanto à distribuição de recursos pelos municípios, o Orçamento de Estado é “ uma calamidade”, considera. “Neste OE, 85% foi atribuído a Santiago. Em termos de transferência municipal, São Vicente - a ilha que tem maior densidade populacional e é segunda em serviços - recebe 2,4%, o que dá menos de 5 mil escudos por habitante, menos de metade da média. Não é justo”, diz, criticando ainda a postura do presidente da Câmara Municipal, que deu nota positiva ao OE.
Aliás, a demissão do autarca Augusto Neves - a quem acusa de ter uma governação “autista”, e de menosprezar as manifestações, em que “uma franja muito significativa da população” se mostra descontente - é uma reivindicação dos Sokols, desde há “muito tempo”.
Quanto a futuras acções, não está descartada a hipótese de uma greve geral. “Acho que devemos [lutar] com todos os meios pacíficos e válidos”. Até porque o que está em causa é grave: são as desigualdades sociais que o centralismo está a criar, produzindo pobreza e gerando violência, e no fundo é toda uma comunidade e valores que estão a desaparecer.
“São Vicente está a morrer. Está tudo a concentrar-se na Praia”, e o mesmo acontece por todas as outras ilhas, lamenta.
Bloqueio e censura, acusam Sokols
Entretanto, para Salvador Mascarenhas ocorreram algumas situações estranhas, “forças de bloqueio” à manifestação de 13 de Janeiro. Entre elas está a organização por parte da JpD e na mesma data da Marcha, de um conjunto de torneios desportivos em várias zonas. O membro dos Sokols levanta ainda reservas pelo próprio prémio dos torneios: grades de cerveja. Aliás, ontem também a JPAI de São Vicente convocou uma conferência de imprensa acusando a JpD de ”incentivar” o consumo de álcool entre os jovens e criticando, igualmente, a escolha da data.
Mascarenhas estranha também o corte de energia eléctrica ocorrido a meio da manifestação e, mais ainda, o destaque jornalístico dado à Marcha na televisão pública: uma única reportagem, no dia do evento e a meio do telejornal.
“Achamos que isso não é normal. Achamos que há uma censura manifesta e vamos tirar isso a limpo”.
Na realidade, ter-lhe-á sido dado basicamente o mesmo destaque que à campanha limpeza da estrada Mindelo-São Pedro onde o Movimento Sokols há tempos pintou um grande “basta” branco no asfalto. A palavra foi coberta de preto, por 12 jovens da recém-reactivada associação “Amigos do Mindelo”, organização que, de acordo com a TCV, conta com o apoio da Câmara Municipal local e do Ministério da Cultura. A limpeza aconteceu no dia 12, véspera da Manifestação.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 842 de 17 de Janeiro de 2017.