Infância em Cabo Verde. Entre ganhos e ameaças

PorChissana Magalhães,1 jun 2018 6:20

​Ser criança em Cabo Verde, hoje, implica maior acesso à Saúde e à Educação e um crescente contacto com as novas tecnologias. Mas há ameaças que persistem e outras que agora se revelam.

Sempre apontadas como prioridade no que às políticas públicas se refere, como vivem hoje as crianças cabo-verdianas? De que vantagens beneficiam e que perigos as ameaçam? Com algumas das metas dos ODS do Milénio já alcançadas, lançamos um olhar a alguns aspectos relevantes.

Cabe na definição de criança, hoje, o ser humano em desenvolvimento, dos 0 aos 12 anos de idade. Mas para muitos esta designação segue o estabelecido pela lei que, no caso de Cabo Verde, designa como menor de idade os indivíduos de até 17 anos. São coisas diferentes mas, para efeitos informativos, e sem nos ficarmos por nenhum dos extremos, assinalamos que de entre os 531.239 indivíduos que constituem a população registada de Cabo Verde (Anuário Estatístico do INE, 2016) 153.975 mil são pessoas de 0 a 14 anos de idade, o que constitui 29,0% do total da população residente. São 44. 583 dos 0 aos 4 anos, 48.502 dos 5 aos 9 anos e 50. 634 dos 10 aos 14 anos. Há ainda 31. 359 mil indivíduos dos 15 aos 17 anos que fazem crescer a soma para 175.078 de população abaixo dos 18 anos. A divisão por sexo resulta em 91.098 do sexo feminino e 83.980 do sexo masculino.

Saúde

O aumento da população infantil, em comparação com anos passados, tem ligação aos progressos verificados na Saúde, área na qual o país atingiu as metas dos ODS até 2015. Em 25 anos a taxa de Mortalidade Infantil diminuiu substancialmente. Em 1992 a taxa de mortalidade era de 53,7% por 1000 nados vivos. Em 2016 o número fica-se pelos 16,3%.

Fruto de décadas de políticas públicas de Saúde, onde as campanhas de vacinação e o programa de protecção materno-infantil (PMI) jogam um importante papel, é também a erradicação da poliomielite anunciada em finais de 2016 depois de 0 diagnósticos registados a contar de 2001. A taxa de cobertura vacinal em 2016 ultrapassou pela primeira vez os 95%.

Entretanto, a anemia em crianças em idade escolar continua a ser uma preocupação e por isso a merecer a atenção dos serviços de Saúde que, aliados ao Ministério da Educação têm procedido, até ao presente, á distribuição de comprimidos de Ferro nas escolas do Ensino Básico. Jogando na prevenção ao comprometimento do desenvolvimento cognitivo e a um desempenho escolar inadequado que a carência de ferro pode causar, a acção do Serviço de Atenção Integrada à Saúde da Criança e Adolescente busca continuar a tendência decrescente da incidência de anemia que, segundo um estudo do Ministério da Saúde em parceria com a UNICEF caiu de 70,4% em 1996 para 52,4% em 2009 (no geral; para crianças dos 5 aos 10 anos a queda foi de 43,3%).

Educação

No ano lectivo 2015/2016 estiveram matriculadas no pré-escolar 23.633 crianças, dados do INE, sendo 49,9% do sexo masculino e 51,1% do sexo feminino. Eram 17.459 no ano lectivo 2014/2015. O Governo, definiu no seu Plano Estratégico da Educação como uma das prioridades para esta faixa a antecipação da “familiarização com a língua portuguesa e o desenvolvimento das habilidades motoras e de normas de convivência positivas”. No Ensino Básico eram, no ano lectivo 2015/2016, 63. 336 Crianças inscritas, 52,0% meninos e 48,0% meninas. Eles continuam a ser mais afectados pelo insucesso (9% no total dos dois sexos) e abandono escolar (1% no total). Uma das prioridades do Governo actual, estampado no seu programa para a legislatura é de alargar a escolaridade obrigatória ao 8º ano de escolaridade, intento para o qual reservou no Orçamento de Estado (OE) de 2018 o montante de 88 milhões de ECV.

Para a promoção do sucesso escolar o Governo continua a apostar no FICASE criado pelo decreto nº 139/83, de 31 de Dezembro e transformado posteriormente em Fundação. Mas a acção social também contempla a implementação de um modelo de ensino especial, daí o OE de 2018 prever um reforço em 34 milhões de ECV nos programas socioeducativos.

Também na área da Educação o país já cumpriu com os ODS definidos até 2015.

Tecnologia

Números de 2015 do Instituto Nacional de Estática dizem que 35,4% das crianças usam Computador ou Tablet, 39,8% das crianças têm um Telemóvel e 44,0% usam Internet. Naturalmente, a maioria destas crianças são do meio urbano. Entretanto, o aumento da literacia digital trouxe uma presença crescente das crianças no meio virtual, e mais concretamente nas redes socais, o que trouxe nos anos recentes novas preocupações. Para além das ameaças no seu meio social as crianças passam a estar mais vulneráveis aos perigos do mundo virtual, como o cyber-bulling e as redes de pedofilia online.

Outro aspecto a observar é que no país já se registam algumas iniciativas no sentido de estimular as crianças a desenvolverem aptidões como programadoras e criadoras de softwares e conteúdos digitais e não serem apenas consumidoras. São os casos dos projectos Coding - promovido pelo Ministério da Educação, através da Direcção Nacional da Educação, e em parceria com a Comissão Nacional da Unesco (CNU), a Cooperação portuguesa e a empresa Green Studio (de quem partiu a iniciativa) – e Kriol Campus, desenvolvido pela agência digital KMinz com apoio do Instituto Pedro Pires para a Liderança.

Segurança

Abuso sexual, desaparecimentos e adultização da infância. A ameaça aos direitos da criança é uma constante em todo o mundo. Num evento promovido pelo ICCA e pela UNICEF no início do ano, e destinado a jornalistas, a responsável do Fundo das Nações Unidas para a Infância em Cabo Verde alertou para uma epidemia global de violência contra as crianças. A violência sexual constitui uma ameaça particular e traz, no caso de Cabo Verde, números alarmantes. Só no primeiro trimestre deste ano e apenas na cidade da Praia a Polícia Judiciária (PJ) registou 68 queixas de abuso sexual e agressão sexual contra crianças. Na altura deste anúncio, em Abril passado, eram 500 os casos que a PJ tinha em mãos a nível nacional (somando os novos casos aos transitados de anos anteriores).

Desde o ano passado veio juntar-se a essa epidemia nacional a questão dos desaparecimentos. A partir de Novembro do ano passado desapareceram na cidade da Praia 4 crianças, uma delas um bebé de meses acompanhado da mãe, uma adolescente de 19 anos. As investigações continuam em curso e muitas são as interrogações á volta destes casos que vieram tirar a tranquilidade aos pais.

Alienados a qualquer espécie de perigos que possam espreitar as suas crianças, alguns progenitores continuam a submeter os filhos a situações que atentam contra os seus direitos, nomeadamente á privacidade e á própria vivência infantil. Depois de em Junho do ano passado a organização de um concurso de mini-miss na cidade da Praia ter despoletado fortes críticas pela promoção da adultização de crianças dos 5 aos 12 anos, por estes dias é um grupo de carnaval de São Vicente que atrai a reprovação dos cidadãos ao anunciar uma competição para mini rainha de bateria (figura do entrudo caracterizada pela sensualidade e glamour). Em ambos os casos a publicidade ao evento foi feita com a exposição de fotografias de meninas em poses adultas e sensualizadas nas redes sociais.

No ano passado, o ICCA posicionou-se contra a realização de mini miss e de outros eventos do tipo, “pelo impacto que poderão ter na vida das crianças/meninas”. Desta feita, a instituição ouviu a organização do concurso mini rainha de bateria, a quem recomendou repensar o formato do evento e a observância da protecção integral dos direitos das crianças.

Crianças. Os nomes mais populares em Cabo Verde

Pela primeira vez, o Instituto Nacional de Estatística divulgou este ano uma lista com os nomes mais escolhidos pelos pais para meninas e meninos em Cabo Verde (Nomes Mais Escolhidos para Bebés em Cabo Verde – 2006 a 2015). A lista compila os nomes atribuídos às crianças nascidas em Cabo Verde entre 2006 e 2015 tendo por fonte os registos administrativos do Registo, Notariado e Identificação.

O nome é algo que nos acompanha pela vida toda. Alguém trocar o seu primeiro nome, o chamado nome próprio, é ainda algo pouco comum. Daí a responsabilidade daqueles que nomeiam a criança, geralmente os pais. Em algumas culturas o nome escolhido é simbólico, carrega um significado especial. É o caso da maioria dos países africanos mas não de Cabo Verde onde cada vez mais os nomes são escolhidos conforme a tendência da vez.

Eliane, Mayra e Luana. Rafael, Diego e Tiago. Estes foram o top 3 dos nomes femininos e masculinos de eleição dos pais cabo-verdianos num período de 9 anos, de 2006 a 2015. São hoje, de acordo com as estatísticas 507 “Elianes” e 815 “Rafaéis”.

Nomes mais populares em Cabo Verde entre 2006 e 2015
Nomes mais populares em Cabo Verde entre 2006 e 2015

Conforme os dados do INE, entre 2006 e 2015 contabilizam-se 100.398 nascimentos. A essas quase cem mil e quinhentas crianças foram atribuídos 17.237 nomes diferentes (ou, por outra perspectiva, iguais). “Entre os 51.106 meninos registados neste período, foi observado 7.096 nomes distintos e entre os 49.292 registos das meninas, registou-se um total de 10.141 nomes diferentes”. Ou seja, embora o número de bebés do sexo masculino é superior há muito maior variedade de nomes nas bebés de sexo feminino.

No nosso país a evolução dos nomes, conforme regista o documento do INE, resulta da também da apropriação de nomes oriundos de outras culturas e línguas. Há também inovações quanto á forma de escrita de nomes já existentes. Por exemplo Cátia volta a substituir Kátia depois de ter estado anos em desuso. O “y” substitui por vezes o “i” ou vice-versa.

A evolução na escolha dos nomes analisada de 2006 a 2015 deixa perceber que nomes que eram muito populares em 2006 acabam por ser preteridos nos últimos anos levando a que em 2015 surjam na lista nomes que não constavam em 2006, quer nomes para meninos quer para meninas. Isto é exemplificado com os três nomes masculinos mais populares de 2006 (Edmilson, Edson e Denílson) que sequer constam do top 10 dos nomes mais atribuídos em 2015.

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Entretanto, e curiosamente, nomes como Leandro, Tiago, Diego e Carlos que faziam parte do top 10 em 2006 ainda permanecem na lista dos 10 nomes mais escolhidos para meninos em 2015. Já no que se refere a nomes para meninas, em 2006 Mayra, Juceila, Carla, Mayara, Maira e Jéssica encabeçavam a lista dos mais escolhidos. Quem teve ou registou uma criança em 2015 já não se mostrou tão interessado nestes nomes.

Em 2015 nomes como Luana, Ellen, Kiara, Alícia, Melissa e Emily, que foram aparecendo nas listas a partir de 2010, tornam-se moda.

Diferenças Barlavento/Sotavento

Da análise aos números fica-se a conhecer as diferenças nas escolhas dos cabo-verdianos das ilhas de Barlavento e das ilhas de Sotavento. Assim, constatou-se que em Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Sal e Boa Vista o nome Diego é a preferência no registo dos meninos entre 2006 e 2015. Já a Sul não há unanimidade. Em cada uma das ilhas os nomes masculinos mais populares são diferentes.

Na ilha do Maio os nomes mais atribuídos são Fábio, Paulo e Jailson, enquanto em Santiago temos Denilson, Edson e Edmilson. Na ilha do Fogo observa-se Leandro, Lucas e Joel e na Brava temos Joel, Carlos e Lucas”, constata-se no relatório.

Quanto a nomes femininos, há particularidades como a preferência por uma determinada grafia. Por exemplo, na ilha do Fogo escreve-se Maira, em Santiago é Mayra, não fosse esta a terra da popular cantora Mayra Andrade. Luana, Luna e Bruna são nomes de meninas que actualmente agradam aos progenitores do Barlavento. No Sotavento o clássico e tradicional Maria conquistou as preferências dos que foram fazer o registo de uma menina em 2015.

Como se explica que alguns nomes se tornem habituais e outros saiam de moda? Terá talvez resposta quem se dedicar á onomástica, o estudo dos nomes próprios, das suas origens e processos. Os números do INE apenas confirmam o facto de alguns nomes, outrora na moda, caírem em desuso. E elenca: Carminha, Clarisse, Elga, Rosalina, Mariza, Teresa, Tereza, Simone, Zulmira, Inês, Rosa ou Lurdes, para meninas, e Domingos, Alcides, Azevedo, Adriano, Rolando, Orlando, Norberto, Firmino, Osvaldo, Salvador, Ulisses, Graciano ou Baptista, para meninos, foram nomes que nenhum pai ou mãe quis dar ao seu rebento em 2015.Contudo, há também os resistentes: aqueles nomes que passam os anos e continuam sempre em uso, baptizando meninas e meninos pelas ilhas. São exemplo Maria, Carlos, João, Pedro e Paulo, o que reflecte em certo ponto a tradição cristã das famílias cabo-verdianas.

Dar ao filho ou á filha um nome original ou pouco comum é o desejo de muitos pais mas, por vezes, isso acontece por acidente: uma tentativa falhada de escrever um nome já existente ou um nome estrangeiro, como Hyasmine (Yasmin ou Yasmim), Ayxa (Aisha), Djasmine (Jasmim, que tem origem em Yasmin), Nuemy (Noemi), nas meninas e Ruuney (Rooney), Nuel (Noel). O que não deixa de suscitar estranheza a pais que enfrentam a oposição de agentes do registo civil por questões tão simples como o uso do trema (sinal abolido da Língua Portuguesa com o novo Acordo Ortográfico mas não para nomes próprios) ou a escolha de um nome considerado comum (de um objecto ou coisa) e não nome próprio.

O INE contabilizou uma variedade de 3.655 nomes nos registos efectuados em 2015, isto é, que aparecem uma única vez. Destes, 2.146 são nomes femininos e 1.509 nomes masculinos. Constam da lista de nomes únicos registados nesse ano: Houssaynatou, Ossainatú, Oumou, Wendpanga, Seynabou, Mehyanny, Pauliano ou Ramatoulay atribuído a meninas e God´stime, Relson, Tálisson, Éverson, Dwayne, Muhamabulamine, Emiletsom, Ahmadu ou Zedimilson dados a meninos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 861 de 30 de Maio de 2018.

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Autoria:Chissana Magalhães,1 jun 2018 6:20

Editado porChissana Magalhães  em  2 jun 2018 10:51

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