Formação contínua dos professores e aposta nas inteligências múltiplas é fórmula de sucesso

PorChissana Magalhães,22 jul 2018 7:11

Professores recebem formação em robótica
Professores recebem formação em robótica

​Criado pela Congregação Escravas da Santíssima Eucaristia e da Mãe de Deus (filial cabo-verdiana) há cerca de 14 anos, o Centro Educativo Miraflores tornou-se em pouco tempo uma das maiores referências de ensino no país. Escola pública de gestão privada, há quatro anos aceitou o desafio de introduzir a disciplina de Educação Moral e Religiosa no seu currículo.

Hoje, a escola continua a ter uma grande procura, inclusive por parte de pais e encarregados de educação não-católicos. A aposta na teoria das Inteligências Múltiplas é outro aspecto destacado pela directora do centro como factor dos bons resultados conseguidos até aqui.

O ano escolar 2017-2018 ainda não chegou ao seu término. Isso pudemos constatar na nossa visita ao Centro Educativo Miraflores, onde à azáfama das últimas avaliações ainda em curso já se juntava aquela da procura de vagas para inscrição e matriculas.

“Nesta altura do ano temos sempre algum trabalho devido á grande procura de vagas a que nem sempre podemos atender. Então temos que tranquilizar os pais, explicar que não é por falta de vontade e sim pela escassez de vagas disponíveis”, explica-nos a irmã Maria Isabel Tavares Semedo, directora titular, justificando algo encabulada o atraso no início da entrevista previamente agendada.

A mesma reconhece que se há interesse na escola é porque “temos feito algo que agrada” e, imediatamente, faz questão de salientar que o mérito é colectivo. Inclusive dos pais que passam palavra a amigos e conhecidos que depois também querem matricular os seus educandos na escola.

E afinal, quais os critérios que ditam a entrada dos estudantes?

Entra quem chega primeiro, assegura-nos a irmã Maria Isabel refutando a ideia de que Miraflores seja uma escola para a “elite”. A escola sempre foi “muito homogénea”, com alunos de diferentes camadas sociais. Na verdade há sempre uma lista de espera; quem não consegue entrar num ano lectivo, fica em espera para entrar no seguinte.

Antes de deitar um olhar à oferta educativa da Miraflores, buscando entender as razões do seu sucesso junto aos educadores, não pudemos deixar de notar que o ambiente da escola é, de facto, diferente do que estamos habituados em outras escolas públicas. Não obstante as aulas terem já terminado e por isso ser natural a acalmia reinante no local, o aspecto do centro educativo – com jardins de plantas e árvores por todo o recinto, paredes e corredores limpíssimos e salas equipadas com mesas e cadeiras em bom estado – é convidativo.

Outra das mais-valias do centro educativo também destacadas pela sua directora é o pessoal docente. Os professores – pagos pelo Ministério da Educação, excepto os do pré-escolar – estão em constante processo de reciclagem e em formação contínua.

“Desde o início apostamos na formação contínua dos professores e ao fazer este trabalho afincado com a formação dos mesmos procuramos também que as famílias se envolvessem com a escola. Os pais envolvem-se muito, procuram-nos muito”.

Isto significando que a sua aproximação á escola vai além do atendimento semanal disponibilizado. Envolvem-se nas actividades, sugerem outras, estão atentos a oportunidades para os alunos fora da escola, para além de estarem organizados em associação (a APECEMIRA, que possui estatuto próprio, direcção, assembleia geral e conselho fiscal).

Religião e Moral

A notícia de que a Igreja Católica está a preparar a implementação da disciplina da Educação Moral e Religiosa nas escolas públicas - conforme previsto no acordo jurídico assinado entre Santa Sé e o Estado de Cabo Verde – tem provocado, naturalmente, debate no seio da sociedade, com opiniões divididas entre os que vêm a medida como solução para a crise de valores que entendem afectar o país e aqueles que conclamam a liberdade religiosa e o dever de laicidade do Estado.

Facto é que o debate vem tarde. A concordata foi assinada há cinco anos, em Junho de 2013, e posteriormente aprovada pela Assembleia Nacional e promulgada pelo Presidente da República. Os dois maiores partidos políticos estão de acordo nesta matéria o que não deixa prever qualquer recuo. A Igreja, esta prepara-se para que a disciplina seja integrada nos currículos escolares no ano lectivo 2019-2020.

Como experiência e “caso de sucesso” apresenta-se… a Miraflores. A proposta educativa do Centro Educativo Miraflores engloba, desde o jardim infantil, disciplinas denominadas Educação Moral e Religiosa e Educação Cristã (Despertar da Fé). Já no ensino básico entra Educação Moral e Religiosa Católica. As disciplinas não são opcionais. Opcional é a frequência da catequese e os estudos bíblicos.

“Miraflores é uma escola que já adopta este sistema desde 2014, logo após a assinatura da concordata. A polémica que se levanta não faz sentido, porque a há uma concordata assinada entre o Governo e a Santa Sé. Não foram as outras Igrejas a assinar um acordo jurídico, foi a Igreja Católica. E ninguém obrigou o Estado de Cabo Verde a fazer esse acordo”, reflecte a irmã Maria Isabel que conta que a proposta do centro se tornar a primeira escola pública (gerida por privados) a integrar disciplinas de Religião e Moral veio do Núncio Apostólico em visita à escola.

“Perguntou-nos se estávamos dispostos a colaborar, a por em prática o acordo, e nós colaboramos”, resume afiançando que nunca tiveram quaisquer reclamações dos pais e encarregados de educação.

“Os pais, desde o início, sabem que somos uma escola católica. Mas nós não ensinamos a doutrina da Igreja Católica; nós ensinamos os valores pelos quais todos os cidadãos, todos os cristãos e não só, primam. Os valores humanos que nos fazem viver e conviver de forma sã na sociedade”.

E afiança que mesmo tendo várias famílias de outra religião ou sem opção por qualquer religião com filhos matriculados no Centro nunca ninguém sequer sugeriu que o seu educando não assistisse a aulas de Educação Moral e Religiosa. Pelo contrário, quando informados, segundo a nossa entrevistada as reacções têm sido positivas.

“Acreditamos que as escolas públicas que vão abrir as suas portas a esta disciplina irão também ajudar a dotar o nosso país destes valores que estamos a precisar. Não é levar a doutrina católica às escolas e sim os valores cristãos e humanistas”.

A transmissão desses valores, pelo que nos diz a directora, ultrapassa o currículo escolar. No dia-a-dia da escola cultiva-se nos alunos a sensibilidade de estarem atentos os colegas, de serem solidários com os mais vulneráveis. Alguns pais acabam por apoiar ou mesmo apadrinhar a tempo inteiro a educação de estudantes com menos condições financeiras.

Entretanto, a escola não é imune a problemas comuns a certas faixas etárias. Ainda que em níveis residuais, casos de paternidade precoce já afectaram alunos da escola. Mais visível são os casos que atingem raparigas mas é a própria irmã Isabel que lembra que também os rapazes que precocemente engravidam uma rapariga devem ser responsabilizados.

“Neste ano lectivo não tenho conhecimento de nenhuma gravidez. Já aconteceu e, normalmente nos apercebemos quando os pais vêm fazer a transferência da aluna para outra escola”, relata, deixando entender que a opção da afastar a educanda do seu ambiente escolar é dos encarregados de educação e a escola é confrontada com uma decisão já tomada.

A escola aposta fortemente no seu serviço de psicologia, provendo atendimento e orientação aos alunos. A própria irmã, psicóloga educacional de formação, já ocupou em tempos esse posto hoje assumido por outra psicóloga.

Encarando com naturalidade que os alunos possam enfrentar os desafios comuns a essa faixa etária a aposta primeira é na prevenção. A sensibilização é forte e acontece durante todo o ano lectivo em diferentes frentes. Faz parte do programa de algumas disciplinas mas também de actividades extracurriculares, como palestras de activistas sociais e especialistas em alcoolismo e toxicodependência. A resposta, nos raros casos que surgem é rápida e envolve os pais e os técnicos da escola.

“É um trabalho desafiador, porque às vezes estamos a fazer um trabalho de um lado e a sociedade incentiva do outro. Mas, acredito que temos conseguido resultados”.

Inteligências Múltiplas

Outra realidade que caracteriza o Centro Educativo Miraflores é o facto de trabalhar em rede com as outras escolas fundadas pela Congregação em outros países o que implica a adopção da Teoria das Inteligências também referida como Inteligências Múltiplas ou Teoria de Gardner. Trata-se da teoria desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Howard Gardner que, depois de muitos anos de pesquisas sobre a inteligência humana, concluiu que o cérebro humano possui oito tipos de inteligência (Lógico-matemática, Linguística, Cor-poral, Naturalista, Intrapessoal, Interpessoal, Espacial e Musical), sendo que, pelos estímulos que recebem, a maioria das pessoas possui uma ou duas inteligências desenvolvidas. O que explicaria o porquê de um indivíduo ser muito bom em cálculos matemáticos, porém não ter muita habilidade com a expressão artística.

Desde o ano lectivo 2013- 2014, a Escola Miraflores tem apostado na formação contínua do seu pessoal docente com o propósito de implementar a Teoria das Inteligências, mudando assim o paradigma de abordagem pedagógica nas salas de aula. Ou seja, oferecendo como alternativa “uma base para o desenvolvimento de avaliações que sejam adequadas às diversas habilidades humanas”, detalha texto disponibilizado no site da instituição.

“Temos procurado dar oportunidade a todas as crianças que frequentam o centro educativo. Se percebemos que uma criança tem muita habilidade para as Artes ou para o Desporto nós procuramos estimular e incentivamos muito, e ao incentivar nessas áreas nós também incentivamos nas outras áreas pedagógicas”. E, orgulhosamente, a directora titular da escola cita casos de alunos que se têm destacado como atletas, passando inclusive a integrar selecções da modalidade, bem como programas como o MiraTalentos que permite aos estudantes exibirem as suas habilidades artísticas.

Assim, para além de um Quadro de Honra onde figuram os alunos com as médias acima de 17 valores, alunos que se distinguem por terem mais desenvolvidos outros tipos de inteligência são também destacados e valorizados pela escola. Há inclusive um Quadro de Valor onde figuram os estudantes que se destacam pelo seu bom comportamento, boas maneiras, pela solidariedade e outros aspectos que podem ser associados à inteligência Intrapessoal e Interpessoal.

Alunos do Centro Educativo destacaram-se nas Olimpiadas de Matemática
Alunos do Centro Educativo destacaram-se nas Olimpiadas de Matemática

Alunos e colaboradores do Jardim Infantil (pré-escolar) ao 12º ano

O rácio por turma é de 32 a 36 alunos, variando no Jardim Infantil consoante as idades:

Jardim

8 turmas – 281 crianças;

9 Monitoras; 3 Educadoras


Ensino Básico (1º ao 8º ano)

23 turmas - 817 alunos;

40 Professores


Ensino Secundário

(9º ao 12º ano)

15 turmas - 435 Alunos;

26 Professores;

27 colaboradores não-docentes (funcionários)

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 868 de 18 de Julho de 2018.

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Autoria:Chissana Magalhães,22 jul 2018 7:11

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  23 jul 2018 9:54

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