Aleitamento Materno Exclusivo. Por que razão 70% das mães não conseguem?

PorChissana Magalhães,12 ago 2018 9:29

​De 1 a 7 de Agosto celebrou-se a nível mundial a Semana Mundial do Aleitamento Materno durante a qual se relembraram as recomendações da Organização Mundial da Saúde quanto à amamentação como fonte exclusiva de alimento da criança até aos seis meses de idade.

Cabo Verde é um dos países que faz eco destas directrizes, mas onde apenas 30,5% das mães as conseguem cumprir. Vozes da sociedade civil defendem que a solução para melhoria destes indicadores deve passar pelo aumento da licença de maternidade e conseguiram fazer chegar o dossiê ao Conselho de Ministros. Um estudo de viabilidade dos impactos do alargamento da licença de maternidade/paternidade vai ser conduzido pelo INPS.

Apenas 30,5 por cento (%) das mães em Cabo Verde cumprem com as directrizes do aleitamento materno exclusivo (AME) até aos seis meses de idade. O número já era conhecido e voltou a ser recentemente lembrado pela coordenadora nacional do Programa de Nutrição, Irina Spencer, aquando do evento de abertura da Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM), uma estratégia desenhada pela Aliança Mundial para Acção em Aleitamento Materno (WABA) criada em 1992 e que ocorre em cerca de 150 países.

Este ano com o lema “Amamentação: A base para a vida”, o programa desenhado pelo Ministério da Saúde para a SMAM reforça aquela que tem sido a política do governo de Cabo Verde de há várias décadas a esta parte e que, em sintonia com as recomendações da organização das Nações Unidas para questões de saúde, busca sensibilizar e informar as mulheres sobre as vantagens do aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de idade da criança.

As vantagens, que concernem não apenas a uma melhor nutrição como também à segurança alimentar e redução da pobreza, estão reflectidas em vários estudos realizados ao longo dos anos.

Estudo de 2016 assinado por vários médicos especia­listas e publicado no portal The Lancent, o “Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect” (Amamentação no Século XXI: epidemiologia, mecanismos e efeitos ao longo da vida, em tradução livre) refere a reconhecida importância que a amamentação assume em países de baixa renda e média renda. Entretanto, aponta que nesses países apenas 37% das crianças abaixo dos seis meses recebia amamentação como alimento exclusivo. Uma realidade muito próxima à de Cabo Verde, portanto.

“As nossas metanálises indicam protecção contra infecções infantis, aumento na inteligência e prováveis reduções no excesso de peso e diabetes”, apontam as conclusões do estudo que também indicam que nas mulheres que amamentam, “a amamentação fomentou protecção contra o cancro de mama e melhorou o espaçamento entre os partos”. Protecção contra o cancro de ovário e de diabetes tipo 2 estão também entre as vantagens apontadas pelo estudo.

A investigação conclui ainda que a ampliação do aleitamento materno para um nível quase universal “poderia evitar 823.000 mortes anuais em crianças menores de 5 anos e 20.000 mortes anuais por câncer de mama”.

As vantagens do aleitamento materno exclusivo para crianças, mães e para os países parecem estar consensualizadas, com vários governos a criarem campanhas no sentido de promover a prática e a sensibilizarem as mulheres “a mudar de atitude”. Entretanto, nem sempre o AME depende da vontade da mulher sendo que, em muitos países as condições para efectiva implementação desta prática não estão plenamente garantidas.

Para os promotores da Petição Pelo Aumento da Licença de Maternidade para 4 Meses, há uma clara contradição na postura do Estado de promover o aleitamento materno exclusivo de seis meses quando a licença de maternidade em Cabo Verde é de apenas 2 meses.

Lançada em Outubro de 2016 a petição, assinada por mais de 2000 pessoas, defendia o aumento do período de licença de maternidade de 2 para 4 meses e de paternidade de 1 para 15 dias, argumentando que devia ter-se em conta o processo evolutivo do país.

“Esta lei que preconiza dois meses já vai com alguns anos, o cenário actual não é o mesmo. Na altura em que foi criada, muitas pessoas trabalhavam na informalidade, a maioria das mães eram domésticas. Mas hoje, sobretudo nos grandes centros urbanos, as mães estão no mercado de trabalho tanto como os pais. O pleno cumprimento das obrigações dos cuidados iniciais à criança estão em risco”, disse na altura ao Expresso das Ilhas Vladimir Silves Ferreira, o porta-voz da iniciativa.

O antropólogo fez também notar que após as 8 semanas de licença, as mães que trabalham apenas têm 45 minutos em cada período de trabalho para amamentar. “Isso quando não acontecem casos de violação de direitos, com mães a serem pressionadas a retomarem o trabalho ainda antes de se cumprirem as 8 semanas de licença”.

Isa Elias, consultora em questões de Género, corrobora esse aspecto e dá voz à experiência de várias mulheres que têm que conciliar a amamentação com as obrigações laborais:

“Precisamos lutar para alargar a licença de maternidade. Eu mesma passei, mais uma vez, por esta experiência stressante de ter que amamentar em 45 minutos, em cada período de trabalho, sem condições no local de trabalho para amamentar e tirar leite. É realmente necessário que se pense também em alternativas para as mulheres trabalhadoras do sector informal, através de programas de apoio específicos. Não esquecendo as alunas mães, que penso não têm qualquer apoio na amamentação”, apontava ela no fórum online criado para debater a questão.

Entretanto, e em relação às alunas que se tornam mães, o governo aprovou em Julho de 2017 em Conselho de Ministros um projecto de decreto-lei que estabelece as medidas de apoio social às mães no sistema de ensino, onde se inclui a licença pós-parto de 60 dias para as alunas mães.

A petição, em cujo texto se vincava a má posição de Cabo Verde quanto a licença de maternidade – a nível de África, ocupamos os últimos lugares, ao lado da Guiné-Bissau, da Eritreia e do Sudão. A média do continente fixa-se entre as 12 e as 14 semanas, aproximando-se da recomendação da OMS que é de 14 semanas. Argélia, Burkina Faso, Costa do Marfim e a Líbia são países bem referenciados no continente, quanto a esta matéria.

Carla Carvalho, investigadora e também consultora em questões de Género, também faz eco da opinião de Vladimir Silves Ferreira em como perante este cenário não existem ainda em Cabo Verde condições reais para as mulheres amamentarem exclusivamente durante seis meses, conforme se pretende.

“Para já a licença de maternidade é de até 2 meses. Há uma carga, uma pressão psicológica, emocional e mesmo social, muito forte sobre as mulheres para responderem às várias demandas que elas têm. Então é preciso alargar esse período de licença se quisermos melhorar esses indicadores, porque muitas mulheres nem conseguem cumprir e não têm possibilidade de cumprir estes dois meses para ficarem com os seus filhos”, reflecte.

Dirigida à Assembleia Nacional e também ao Ministério da Saúde e da Segurança Social, e ao Ministério da Família e Inclusão Social, a petição acabou por conseguir alcançar o Conselho de Ministros de onde saiu a decisão de o dossiê sobre eventual aumento de licença parental passar a ser gerido directamente pelo Gabinete do Primeiro Ministro.

Silves Ferreira anunciou ainda no já mencionado fórum virtual a decisão do governo de solicitar ao INPS a condução de um estudo de viabilidade dos impactos do alargamento da licença de maternidade/paternidade, tendo em conta a situação de Cabo Verde enquanto país de baixa renda, cuja base tributária é limitada e o sistema de segurança social está ainda em processo de consolidação.

EUA contra a amamentação

O posicionamento dos Estados Unidos da América na última reunião da Assembleia Mundial da Saúde, dirigida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em Maio último, surpreendeu e chocou o mundo. A delegação dos EUA manifestou-se contra a resolução que reconhece a importância da amamentação de recém-nascidos e faz a denúncia de tentativas de comercializar substitutos para o leite materno.

O acontecido foi divulgado em reportagem do jornal americano The New York Times que expôs a decisão dos EUA de rejeitar recomendações sustentadas por investigação científica e, indo mais longe, ameaçar com sanções comerciais os países que se posicionaram favoravelmente à medida.

Segundo o NY Times a delegação americana ameaçou explicitamente cortar a ajuda militar ao Equador caso esse país insistisse em apoiar a resolução apresentada pela OMS, o que terá levado a que outros seis países de África e da América Latina também recuassem.

Os representantes dos EUA chegaram também a ameaçar a OMS com cortes ao financiamento que o país faz à organização, um posicionamento notoriamente contrastante com o que era prática na administração de Barack Obama, cujo apoio a medidas favoráveis à amamentação era conhecido.

“O que aconteceu foi o mesmo que chantagem, com os EUA mantendo o mundo como refém e a tentar deitar abaixo quase 40 anos de consenso sobre a melhor maneira de proteger a saúde de bebés e crianças pequenas”, disse Patti Rundall, a directora de política do grupo britânico Baby Milk Action, favorável à amamentação.

A posição da delegação americana é vista como reflexo directo do interesse da administração Trump em proteger a indústria de fórmulas para substituição de leite materno. Uma indústria que, conforme o Times, movimenta à volta de 70 bilhões de dólares e é dominada por um pequeno grupo de empresas americanas e europeias que nos últimos anos viram as vendas se estabilizarem nos países ricos, à medida que mais mulheres adoptam a amamentação natural.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 871 de 07 de Agosto de 2018

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Autoria:Chissana Magalhães,12 ago 2018 9:29

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  13 ago 2018 10:12

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