Cinco em cada dez crianças cabo-verdianas menores de cinco anos têm anemia, segundo os dados publicados pelo Ministério da Saúde e da Segurança Social. Cansaço, perda de apetite, náuseas, dores de cabeça e dificuldades de concentração são algumas das consequências directas desta doença que afecta o bom crescimento de metade da população infantil de Cabo Verde nos seus primeiros cinco anos de vida e influência também o seu rendimento escolar. A anemia consiste na redução do número de glóbulos vermelhos no sangue e, neste caso, tem origem numa dieta pobre em ferro, vitaminas e minerais.
Sensibilizar sobre a importância de bem comer é uma das ferramentas utilizada pelo projecto PERVEMAC para alcançar o seu objectivo: melhorar as garantias de segurança alimentar da povoação da Macaronésia. A iniciativa faz parte no programa de cooperação MAC Interreg 2014-2020, financiado em quase dois milhões de euros (cerca de 220 mil contos).
As famílias cabo-verdianas estão conscientes do problema e, para tentar resolvê-lo, estão a formar-se em alimentação saudável. Cerca de vinte mães, pais e menores do Colégio Nova Assembleia, na Praia, juntamente com as cozinheiras da instituição, assistiram no passado mês de Novembro à conversa sobre bons hábitos alimentares orientada por Miriam Loivremente, técnica da ARFA (Agência de Regulação e Supervisão de produtos Farmacêuticos), Edna Duarte, técnica do Instituto Nacional de Saúde Pública e pela pediatra de Tenerife Catalina Santana, que organizam sessões educativas todos os meses em diferentes escolas do território de cooperação.
Tomar apenas leite materno durante o primeiro ano e comer verduras todos os dias são alguns dos truques que oferece Santana. Além disso, a técnica do Instituto Nacional de Saúde Pública incide na necessidade do fugir do açúcar. “Não podemos cair nas doenças próprias dos países mais ricos como a obesidade ou a diabetes”, sublinha. À frente dos produtos processados, o cultivo de alimentos naturais é uma alternativa eficiente. Por isso, na aula contígua o técnico do GMR Canárias (Gestão do Meio Rural), organismo que lidera o PERVEMAC, Nicolás Borges, mostra ao director, a dois docentes e ao encarregado da horta da escola diferentes formas de fazer com que as crianças se liguem à terra.
“Cerca de 33 por cento do que se produz é matéria orgânica” explica Borges. Por isso, propõe converter os dejectos em compostos que logo se transformarão em terra para a horta. “Desta forma, comemos e reutilizamos os dejectos para cultivar alimentos que depois vamos ingerir, é um ciclo vital que podemos gerar com os nossos próprios recursos e sem adquirir nada”, detalha o técnico.
Uso responsável dos pesticidas
A conservação do que é cultivado também preocupa Cabo Verde. Assim, uma das linhas de trabalho do PERVEMAC é a análise dos restos de pesticidas presentes nos produtos agrícolas que se vendem no mercado. Com este foco, realizou-se na Praia a formação Controlo de Resíduos de Pesticidas na Europa e em Cabo Verde. “Há uma grande dificuldade em colocar no mercado produtos nossos de qualidade e que tenham continuidade”, expôs o director geral de Agricultura, Silvicultura e Pecuária cabo-verdiano, José Teixeira. A principal razão é a ausência de um normativo claro na legislação nacional sobre o uso de pesticidas nos cultivos.
No encontro, especialistas europeus e cabo-verdianos membros do PERVEMAC partilharam experiências e referências para a elaboração de uma nova regulamentação em Cabo Verde. “O uso de pesticidas aumenta a produção, mas têm de ser usados de forma responsável já que a intenção é conseguir a auto-suficiência alimentar e poder oferecer ao mercado local e ao turismo produtos frescos e de confiança”, sublinhou a directora do Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário de Cabo Verde (INIDA) Ângela Maria Barreto. Opinião coincidente tem o coordenador principal do projecto e membro da GMR, José Asterio, que afirmou que existe uma grande dependência da importação, fenómeno que se agrava ainda mais em períodos de seca e de perda de cultivos.
Para comprovar a presença de resíduos presentes nos alimentos à venda, recolhem amostras de produtos como papaia, banana, cereais, cebola e alface, “os alimentos mais consumidos em Cabo Verde”, assinala Asterio. As primeiras análises realizadas nos laboratórios das universidades canarinas revelam que três das 46 amostras de produtos agrícolas estudadas superaram o limite máximo de resíduos permitidos pela normativa europeia. No entanto, como refere o investigador da Universidade de La Laguna Álvaro Santana, “se tomarmos como referência as normas cabo-verdianas, os resultados estariam dentro das margens permitidas, porque é uma legislação mais flexível”.
O membro do laboratório de resíduos do Departamento de Análise Ambiental do Instituto Tecnológico das Canárias sublinha que apesar da baixa incidência de elementos tóxicos revelados na conclusão da investigação, uma ingestão persistente pode pôr em risco a saúde. “Se uma pessoa come durante uma semana puré de uma abóbora contaminada, é provável que sofra alguma reacção”, exemplificou. Para controlar a relação causa/efeito que existe entre a ingestão de produtos agrícolas e os problemas de saúde, vão realizar-se, dentro do PERVEMAC, encontros sobre nutrição e análises ao sangue.
Turismo sustentável
Outro dos mais de quarenta projectos MAC que estão a ser desenvolvidos no território cabo-verdiano é o SOSTURMAC. Com um orçamento de quase um milhão de euros (cerca de 110 mil contos) e sob a coordenação do Instituto Tecnológico e de Energias Renováveis das Canárias (ITER), diferentes organizações de ambos os arquipélagos promovem acções para “potenciar o património natural e arquitectónico do território, favorecendo a sua conservação com o objectivo de fomentar um turismo cultural e sustentável”, difundindo o potencial de alguns dos pontos naturais de ambos os territórios para atrair visitantes que respeitem o meio ambiente, devido ao importante papel que o turismo tem na economia destas zonas.
Algumas das jóias do território de cooperação que esta iniciativa pretende valorizar são o vulcão do Fogo, o campo de lavas, o perímetro florestal de Monte Velha ou a piscina natural de Salinas, bem como a Reserva Natural Especial da Montaña Roja, em Tenerife, ou as praias de El Cotillo, em Fuerteventura.
Nesse sentido, a actividade em que se encontram imersos os membros do SOSTURMAC é a regeneração energética do concelho de São Filipe, no Fogo, tendo em conta o seu potencial turístico e as suas necessidades. Segundo a coordenação do projecto, prevê-se que a acção esteja concluída em Maio de 2019 e que, em função dos resultados, a experiência possa ser replicada em outros patrimónios nacionais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 891 de 24 de Dezembro de 2018.