António Correia e Silva que é também presidente da comissão instaladora da Cátedra de História e Património da Universidade de Cabo Verde, fez estas considerações em declarações à Inforpress no âmbito do aniversário do “Desastre da Assistência” que ocorreu há 70 anos.
O dia é lembrado como “trágico acontecimento” que resultou na queda do paredão do edifício dos Serviços Cabo-verdianos de Assistência, na Cidade da Praia, nas actuais instalações da CVTelecom, ceifando vida de centenas de pessoas que aguardavam pela distribuição de refeições quentes.
Este ano, a data é assinalada com a realização de uma jornada “70 anos de Desastre de Assistência”, um evento promovido pela Universidade de Cabo Verde e que de acordo com este responsável visa honrar a memória das vitimas e conhecer o impacto deste fenómeno e das fomes de uma forma geral em Cabo Verde.
Conforme explicou, pretende-se também com este evento reunir e potenciar um projecto que existe na academia, de recolha de depoimentos das pessoas que presenciaram e viveram o desastre, salientando que não existem factos na história de Cabo Verde que tenha tido num único dia, consequências tão trágicas como o Desastre de Assistência.
“Viveu-se uma fome que é uma tragédia e em cima dessa tragédia viveu-se uma nova tragédia, portanto é o momento de extremo e sofrimento e suas consequências são amplas na história de Cabo Verde”, declarou considerando ainda que o desastre em apreço é apenas o “exagero” e o extremo daquilo que acontecia um pouco por todo o país.
Para António Correia e Silva, esta efeméride é pouco conhecida e lembrada pelos cabo-verdianos, isto porque, ajuntou, as informações sobre este acontecimento foram informações “censuradas” que embaraçou imensamente o então governo de Portugal.
“As informações sobre este acontecimento foram informações censuradas porque isto embaraçou imensamente o então governo de Portugal, porque a seguir a Segunda Guerra Mundial com o nascimento da ONU, Declaração dos Direitos Humanos, Portugal fez um máximo de esforço para esconder este facto e isto criou condições propícias para se instalar o silêncio”, indicou.
Lamentou, por outro lado, não ter havido até a presente data grandes investigações académicas sobre esse acontecimento que é mal conhecido ainda que tenha havido esforços para a sua divulgação, defendendo neste sentido a promoção de acções que incentivem a preservação deste período.
“As novas gerações estão convencidas de que a fome em Cabo Verde é a fome de 47. Há muitas fomes em Cabo Verde tão violentas quantas a de 47, portanto um museu é capaz de mostrar e honrar o sofrimento dos cabo-verdianos ao longo do tempo” sugeriu, apontando que seria um museu com impacto que ajudaria na formação da consciência cívica no Cabo Verde moderno.
No entender do historiador, torna-se necessário os cabo-verdianos conhecerem melhor o desastre como um acontecimento importante na história do arquipélago, realçando que a partir desse período há uma nova história em Cabo Verde em que o próprio Estado colonial passa a encarrar de outra forma a seca e as fomes no país.
O Desastre da Assistência acontecera há 70 anos, ou seja, a 20 de Fevereiro de 1949, matando centenas de pessoas que aguardavam pela distribuição de refeições quentes e de algum donativo que lhes permitisse se alimentarem.
À Cidade da Praia chegavam centenas de pessoas para se juntarem a outras tantas na mesma situação de pobreza e de carência alimentar, sobretudo crianças e mulheres. Foram estes a maior parte das mais de 232 vítimas mortais resultantes da queda do paredão do edifício dos Serviços Cabo-verdianos de Assistência, onde diariamente se reuniam mais de duas mil pessoas para receberem uma refeição quente e alguns donativos em alimentos.
Os mortos foram sepultados em valas comuns no Cemitério da Várzea, dado à exiguidade de tempo e carência em material necessário (tecido e madeira e outros) para a confecção de caixões.
Os vários relatos e documentos existentes sobre este tema dizem o mesmo sobre o que se seguiu. O espanto e a angústia da população da capital que logo acorreu a prestar socorro às vítimas, trabalhando lado a lado com os soldados e funcionários dos serviços públicos na remoção dos escombros e transporte dos mortos e feridos ao Hospital.
Para perpectuar este triste acontecimento, em meados da década de 2000 construiu-se junto à rampa do cais de São Januário, na zona da Gambôa que liga à Avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria, a poucos metros do local onde se deu a tragédia, um monumento de homenagem às vítimas.