Como explica a psicóloga Christie Wahnon, a depressão é considerada um transtorno de humor, caracterizado por pensamentos negativos constantes, sentimento de culpa, sensação de inutilidade, diminuição do prazer e do ânimo para actividades quotidianas, alteração no padrão de sono e apetite e diminuição da capacidade de concentração. Por seu turno, o psiquiatra Daniel Ferreira complementa dizendo que é uma doença mental, conhecida desde os tempos mais antigos.
Os sintomas da depressão
Daniel Ferreira explica que um dos sintomas mais comuns da depressão é o humor deprimido. Segundo o psiquiatra, um paciente deprimido sente uma tristeza fora de comum e muitas vezes sem uma ligação a uma causa bem definida. “Quando esta ligação pode eventualmente ser estabelecida, não há uma correspondência, não há uma certa proporcionalidade entre pertença, causa e tristeza”, explana.
Este especialista enumera ainda outros sintomas relacionados com a doença como a inibição psicomotora que é quando a pessoa apresenta uma lentificação, não só do pensamento, mas de todas as funções do organismo, nomeadamente, a função motora.
“Além disso, a pessoa não tem prazer nas coisas que faz, tem pensamentos com alguma distorção, com ideias pessimistas, com baixa autoestima, por vezes até com ideias de suicídio”, continua Ferreira apontando ainda o prejuízo das funções cognitivas, alterações relacionadas com o sono, com o apetite, com o prazer sexual e mesmo nos relacionamentos com terceiros (isolamento) como sintomas de uma depressão.
O psiquiatra prossegue explicando que a pessoa depressiva tende a ficar sozinha, muitas vezes no isolamento e com ideias pessimistas, de baixo auto-estima, de auto desvalorização, sentimentos de culpa, entre outros.
No entanto, explica Daniel Ferreira que a depressão pode ser identificada através de sintomas físicos como dores, falta de energia e mal-estar. “Há um tipo de depressão, por sinal a mais grave, que cursa também com os chamados sintomas psicóticos, aí para além dos sintomas já mencionados tem também alucinações”.
Tipos de Depressão
Segundo o entrevistado, existe a depressão unipolar, que é subdividida em depressão leve, moderada, severa ou grave, dependendo dos sintomas presentes, e depressão bipolar que está associada à doença bipolar. “Há também depressões secundárias ligadas a condições orgânicas: pessoas com certas doenças orgânicas graves e que, geralmente, têm como consequência uma depressão. Essas depressões devem ser diagnosticadas e tratadas como as depressões unipolares”, esclarece.
O papel da família
Conforme a psicóloga Christie Wahnon, para ajudar alguém depressivo, antes de mais é preciso compreender tanto quanto possível o que o doente está a passar.
“É importante não oferecer conselhos ou tentar ‘consertar’ a pessoa, se ela quiser falar, reconheça e valide seus sentimentos. Mensagens específicas para se evitar de dizer, incluem: “tu vais superar isso”, “pensa pelo lado positivo”, “não há nada de errado contigo”, “está tudo na tua cabeça”, “tua vida é óptima, que motivos tens para estar deprimido?” entre outras frases semelhantes”, aconselha.
Ainda nesta linha, o psiquiatra Daniel Ferreira explica que a primeira ajuda que a família pode oferecer é saber que a depressão existe, que pode ser reconhecida e que pode ser tratada. “Se as pessoas conhecerem os sintomas da depressão e constatarem que uma pessoa da família ou amiga tem um desses sintomas, a melhor forma de ajudar é aconselhar esse amigo ou familiar a procurar ajuda junto de profissionais de saúde”, elucida.
Depressão pelos olhos de quem já teve a doença
Eliza (nome fictício), de 24 anos, recebeu o diagnóstico de grande transtorno depressivo, três meses após completar 19 anos. Isto depois de ter tentado o suicídio. Desde então, consultas com psicólogos, psiquiatras e remédios para lidar com a ansiedade e insónias, fazem parte da sua vida. Nas palavras de Eliza, ela tem vivido uma “montanha russa de emoções”.
“Viver com a minha depressão é uma administração contínua todos os dias - do despertar até à hora de dormir”, diz Eliza, completando que desde os 13 anos teve sempre acompanhamento de um psicólogo, embora não sofresse de depressão na altura.
“Quando criança, e ainda hoje aos olhos dos que me rodeiam, que não sabem que eu sofro de depressão, sempre fui a pessoa mais animada, alegre e brincalhona”, recorda, acrescentando ainda que, actualmente, vai ao psicólogo pelo menos duas vezes ao mês. Mas quando está “muito mal,” a “visita” acontece pelo menos duas vezes por semana.
Para Eliza, é difícil aceitar a doença, mas é algo que faz parte da sua rotina. Diz ainda que a família sempre a apoiou. “Eu digo que sou sorteada, pois, mesmo sofrendo com a depressão, todos à minha volta me tratam como uma pessoa normal e não como uma louca”, afirma.
Outra entrevistada, Rosa de Pina, é dois anos mais nova que Eliza. Conta que aos 17 anos começou a ter sintomas de depressão, mas não lhe deu importância. Deixou a ilha do Fogo para estudar Relações Internacionais e Diplomacia na Cidade da Praia, mas não chegou ao final do primeiro ano, pois “os sintomas agravaram”.
“No segundo semestre do primeiro ano do curso deixei de ter vontade de ir para a Universidade. Ao chegar não sentia vontade de entrar e começava a chorar. Por isso saía e andava sem rumo”, narra Rosa revelando que, enquanto andava sem rumo, a única certeza que tinha era que não queria voltar para casa. Para a família, Rosa estava assistindo às aulas, mas, na realidade, ela apenas andava sem saber exactamente para onde.
“A partir do momento em que a minha família descobriu, viver deixou de fazer sentido. Eu queria apenas ficar sozinha no quarto e dormir”, recorda Rosa, afirmando que se afastou dos amigos tornando-se numa pessoa “fria” que se perguntava constantemente o porquê de ainda estar viva.
Ao contrário de Eliza, Rosa nunca antes tinha tido um acompanhamento psicológico. Mas ao perceber que a sua situação só piorava, resolveu procurar ajuda médica.
“Cheguei a falar com a minha médica e ela passou-me um remédio, só que o remédio não me fazia bem, deixava-me com muito sono e passava o dia a comer, então simplesmente deixei de tomá-lo”, refere, acrescentando que durante as crises não sentia absolutamente nada, a não ser sentir-se sozinha e achar que os seus problemas não tinham solução. “É sentir todos os dias que o mundo inteiro está contra ti e acima de tudo é acreditar que nunca nada vai dar certo na tua vida”, completa.
O preconceito
Muitas vezes, como explica Daniel Ferreira, o indivíduo depressivo inibe-se em buscar ajuda por causa do estigma prevalecente na sociedade em geral sobre tudo que é doença mental.
“Na verdade não devia haver nenhum preconceito já que a doença mental é uma doença como qualquer outra. Mas é uma doença que afecta o organismo no seu todo e mais do que o organismo, afecta o relacionamento, a nossa capacidade produtiva, a nossa vida entendida no seu sentido mais amplo”, explica o psiquiatra para quem o estigma faz com que o indivíduo que tem depressão pense que poderá ser estigmatizado, e que pode ser marginalizado por causa da doença mental.
A psicóloga Christie Wahnon diz que hoje as pessoas têm mais informação sobre a saúde mental e menos preconceitos no que diz respeito à busca de auxílio profissional. “Todavia ainda há uma franja da sociedade que não procura ajuda por falta de apoio, por falta até de iniciativa, condição típica da própria doença”, afirma.
Eliza conta que não se preocupa tanto com o estigma da depressão, uma vez que não é possível saber da doença só de olhar a pessoa. “A verdade é que eu me preocupo mais em terminar o meu dia sem ter nenhuma crise do que com a opinião dos outros, porque se eu for parar para pensar no que os outros pensam é a minha vida que eu coloco eu risco”, esclarece.
Para Rosa, os amigos e a sociedade em geral não foram grande ajuda para a sua luta contra a depressão. “Sempre que eu ganhava coragem para me abrir com alguém ouvia um “deixa-te de disparates, és muito nova para tal”. Simplesmente não percebiam que não era porque eu queria me sentir assim, mas que se trata simplesmente de uma doença que nos domina e deixa-nos sem vontade de viver”, relata.
Rosa conta que tem medo de se abrir com alguém por causa dos comentários e que por isso prefere colocar um sorriso no rosto e dizer que está tudo bem e disfarçar a vontade de dormir para nunca mais acordar.
Daniel Ferreira esclarece que para além do estigma, há uma outra razão que impede as pessoas de pedirem ajuda. “Por vezes as pessoas procuram ajuda sem saberem que se trata de uma depressão já que a depressão tem formas diferentes de se apresentar, e muitas vezes esta depressão não é identificada. Mas eu também posso falar muito claramente das depressões verdadeiras que não são as mascaradas e que, infelizmente, os profissionais da saúde não estão capacitados para a sua identificação”, especifica.
Segundo o psiquiatra, o não diagnóstico da depressão faz com o indivíduo depressivo se sinta “mais desanimado e mais desesperado”, por achar que não existe uma cura para a doença, uma vez que os próprios profissionais de saúde não conseguiram identificá-la.
“Se conseguiram identificar essa depressão não conseguiram tratar, ou quando tentaram o tratamento não o fizeram da forma mais adequada e por tempo suficiente para que os resultados não sejam os esperados”, conclui.
Já a outra especialistas, a psicóloga Christie Wahnon menciona que muitas vezes as pessoas ficam constrangidas em admitir que estão deprimidas, porque vêem os sintomas como um “sinal de fraqueza”.
“De certo modo as pessoas não estão familiarizadas com os sentimentos associados à depressão e, então, não são capazes de reconhecê-los como doença, dificultando assim o processo de pedido de ajuda e auxilio tanto no seio familiar como pedido de ajuda profissional”, complementa.
Como lidar com a depressão
Para Daniel Ferreira, as pessoas devem estar informadas de que a depressão é uma doença que pode ser “facilmente” diagnosticada. “Quando o profissional for treinado, for capacitado para isso, a depressão pode ser tratada”, diz o psiquiatra para quem “hoje não é admissível que um profissional de saúde não esteja devidamente capacitado para o diagnóstico da depressão”.
“É preciso que os profissionais de saúde sejam sensibilizados para esta situação, sejam capacitados para a identificação, diagnóstico e tratamento antecipado da depressão”, considera a mesma fonte, defendendo que, caso isto não for feito, haverá o risco de se ter a depressão como um “grande” problema de saúde pública como hoje o é e seguramente nos próximos anos.
Para Christie Whanon, encorajar a pessoa a procurar um profissional é a maior ajuda que se pode dar. “Fazer terapia com um psicólogo é fundamental. Em alguns casos, é necessário também o atendimento com um médico psiquiatra. Se possível, ajudar a pessoa a marcar a consulta e acompanhá-la”, frisa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 925 de 21 de Agosto de 2019.