Em declarações à agência Lusa, José Manuel Pinto Monteiro explicou que está a preparar os fundamentos da defesa do empresário, de nacionalidade colombiana e com passaporte venezuelano, detido na sexta-feira na ilha do Sal pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas, com base num mandado de captura internacional emitido pelos Estados Unidos, decisão criticada pelo advogado.
“É um acto intencional do Estado [a detenção], sabiam o que estavam a fazer e fizeram porque quiseram, não eram obrigados a isso. Passa sempre por uma decisão política e é uma decisão política, disseram ao procurador [procurador-geral da República de Cabo Verde] para avançar com a detenção”, acusou o advogado.
“É nítido que Cabo Verde escolheu um lado”, acrescentou, referindo-se aos diferendos políticos, económicos e diplomáticos entre a Venezuela e os Estados Unidos.
Alex Saab Morán é acusado pelos Estados Unidos de negócios corruptos com o Governo do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro. O empresário foi detido quando o seu avião fez uma paragem para reabastecimento no aeroporto da ilha do Sal, num voo de regresso para o Irão, após uma viagem à Venezuela.
Presente no domingo ao tribunal da comarca do Sal, o juiz ordenou a prisão preventiva, aguardando as autoridades cabo-verdianas o pedido formal de extradição por parte dos Estados Unidos, conforme avançou à Lusa o procurador-geral da República, Luís José Landim.
O advogado de Alex Saab Morán admite recorrer da decisão de detenção nos próximos dias: “Pode ser pela via do recurso, estamos ainda a ponderar o que fazer, a elaborar uma estratégia da defesa”.
Em causa, desde logo, como acusou o Governo da Venezuela, a alegação de que Alex Saab Morán viajava com passaporte diplomático, bem como eventuais violações das autoridades cabo-verdianas à Carta das Nações Unidas e à Constituição da República.
“A forma como a detenção ocorreu, os fundamentos apresentados. É sobre isso que estamos a ponderar para ver se vale a pena recorrer”, afirmou José Manuel Pinto Monteiro.
Os Estados Unidos têm um prazo de 18 dias, a contar de domingo, para solicitar a extradição de Alex Saab Morán às autoridades de Cabo Verde, explicou à Lusa o procurador-geral da República de Cabo Verde, Luís José Landim.
“Para depois nós começarmos o processo, que tem uma fase administrativa. Ou seja, passa pelo ministro da Justiça para autorizar a extradição e em seguida a fase judicial. Vai para o Tribunal da Relação do Barlavento para iniciar o processo judicial da extradição e é o tribunal que no final irá dizer se extradita ou não extradita a pessoa”, disse o procurador.
O empresário é considerado pelas autoridades norte-americanas como testa-de-ferro de Nicolás Maduro, embora essa descrição não apareça em nenhum processo judicial e o Presidente venezuelano nunca tenha sido alvo de qualquer acusação relacionada com o empresário colombiano.
A competência neste tipo de processo, explicou o procurador-geral da República, cabe aos tribunais da Relação (segunda instância), neste caso do Barlavento, com sede no Mindelo, ilha de São Vicente.
Contudo, devido à interdição de ligações aéreas face à pandemia de COVID-19, o empresário foi presente a um juiz do tribunal da comarca do Sal, que decretou a prisão preventiva.
Alex Saab Morán deverá ser transferido nos próximos dias para a ilha de São Vicente, com o processo de extradição, dependente do pedido do Estados Unidos, a ser assumido por aquele tribunal da Relação.
De acordo com Luís José Landim, o início da instrução deste tipo de processo pode ser feito com um pedido direto entre Estados, para “que detenha ou extradite uma pessoa, para responder a um processo-crime ou cumprir uma pena”.
“Ou é difundido na Interpol um mandado de detenção internacional. E neste caso foi o que aconteceu. A Interpol tinha na sua página um aviso vermelho, que significa precisamente deter uma pessoa para extradição”, esclareceu o procurador.
O Governo venezuelano denunciou no domingo, em comunicado, que a detenção de Alex Saab Morán foi “ilegal”, por estar em missão oficial com “imunidade diplomática”. A detenção foi classificada pelo Governo da Venezuela como “arbitrária” e uma “violação do direito e das normas internacionais”, tal como as “ações de agressão e cerco contra o povo venezuelano, empreendidas pelo Governo dos Estados Unidos da América”.
“Em estrita adesão ao direito internacional e no âmbito da amizade e relações respeitosas que mantemos historicamente entre os dois países, a Venezuela pede ao Estado cabo-verdiano que liberte o cidadão Alex Saab, facilitando o seu regresso e protegendo os seus direitos fundamentais, com base no devido processo legal”, lê-se no comunicado.
A nota acrescenta que a Venezuela “tomou todas as medidas correspondentes por meio de canais diplomáticos e legais, para garantir a salvaguarda dos direitos humanos” do empresário, “bem como o seu inalienável direito à defesa”.
No mesmo comunicado governamental é referido que Alex Saab Morán viajava como “agente do Governo Bolivariano da Venezuela” e que “estava em trânsito” em Cabo Verde, numa escala técnica necessária à viagem que realizava, que visava “garantir alimentos para os Comités Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), bem como medicamentos, suprimentos médicos e outros bens humanitários à atenção da pandemia de COVID-19”.
Saab era procurado pelas autoridades norte-americanas há vários anos, suspeito de acumular numerosos contratos, de origem considerada ilegal, com o Governo venezuelano de Nicolás Maduro.
Em 2019, procuradores federais em Miami, nos EUA, indiciaram Alex Saab e um seu sócio, por acusações de operações de lavagem de dinheiro, relacionadas com um suposto esquema de suborno para desenvolver moradias de baixa renda para o Governo venezuelano, que nunca foram construídas.
Ao mesmo tempo, Alex Saab foi alvo de sanções por parte do Governo dos EUA por supostamente utilizar uma rede de empresas de fachada, espalhadas pelo mundo, para ocultar avultados lucros de contratos de alimentos sobrevalorizados, obtidos através de subornos.