O jornalismo lusófono comoveu-se com a morte de António Pedro Rocha, este sábado, na Alemanha. Ao longo deste domingo, mensagens emocionadas podiam ser lidas nas contas do jornalista cabo-verdiano, dos seus amigos e ex-colegas nas redes sociais.
Rocha foi para a reforma em 2019, após 33 anos de serviços prestados à DW África, e conviveu intensamente com comunicadores e personalidades importantes da lusofonia em 40 anos de carreira. Fez parte de uma geração de jornalistas africanos brilhantes e libertários, que se dedicaram ao continente mesmo distantes dos seus países de origem.
Radicado na Alemanha desde os anos 1980, o jornalista cabo-verdiano foi chefe adjunto da redacção Português para África da DW durante décadas. A despedida de António Rocha dos microfones da Deutsche Welle foi profundamente emotiva.
Rocha cobriu factos históricos, que marcaram o jornalismo internacional, como a independência de Cabo Verde, a cisão do PAIGC que gerou a criação do PAICV, a independência do Timor Leste, a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha. O jornalista cabo-verdiano costumava lembrar da entrevista ao histórico líder moçambicano Samora Machel.
"Fui lá com meu papelinho, com umas três ou quatro perguntas. O Samora respondeu às perguntas em menos de um minuto. Depois, ele é que começou a me entrevistar: 'Você gostou de Moçambique? O que é que lhe chamou mais atenção aqui em Moçambique'. À volta riam-se da minha surpresa timidez, porque eu não contava com aquilo."
O correspondente da DW, Nélio dos Santos, lembra que "Toy Pedro" ou "Fraqueza" - como era conhecido pelos amigos mais próximos - "foi um grande senhor da rádio, quer em Cabo Verde, quer na DW. Para o actual secretário da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista de Cabo Verde, tratava-se de um "um líder natural, de elevada dignidade e lealdade".
Coordenação e profissionalismo
António Rocha iniciou as suas actividades na Deutsche Welle em Agosto de 1986. Depois dos estudos no francês Institut National de l'Audiovisuel – Bry-Sur Marne, foi chefe de Programação e director da Rádio Nacional de Cabo Verde. Foi também correspondente da agência noticiosa Reuters e da secção portuguesa da Voz da América.
Era difícil não gostar de António Rocha, quer pela sua portentosa voz quer pelo seu humanismo transcendente. A DW África teve de reinventar-se e aprender a conviver sem a personalidade doce de um dos seus maiores nomes em todos os tempos.
Rocha foi um chefe de reportagem incansável, de contacto intenso com correspondentes, freelancers e estagiários. Na ocasião da sua despedida dos microfones da DW, o então chefe da redacção, Johannes Beck, reconhecia a importância do colega.
"Foi a pedra angular desta redacção. Esteve muito tempo na coordenação, é a pessoa que se lembra ainda do tempo da libertação [do colonialismo] nas colónias e que, desde os anos 1980, conseguiu impor a sua filosofia de jornalismo e profissionalismo aqui nesta redacção", disse.
"Biblioteca ambulante"
Para o jornalista António Cascais, António Rocha será sempre um símbolo da africanidade na sua melhor e mais humana vertente. "Ele bebeu e respirou África. Ensinou os outros - fora e dentro de África - a amar e respeitar o continente, nunca se esquecendo que todos nós, africanos ou não, fazemos parte da grande família humana", lembra.
Cascais lembra a tolerância e a generosidade como um "ensinamento" em quase 40 anos de convívio com "Toy Pedro Fraqueza". "Retenho ainda no coração o seu imenso amor e respeito por todas as pessoas e a sua capacidade de fazer e conservar amizades e amigos", diz.
Além da figura humana e profissional admirada, António Rocha tinha uma particular sensibilidade à cultura dos países de expressão portuguesa. O jornalista cabo-verdiano era conhecedor dos mais diversos ritmos e gostos da lusofonia e levava horas a falar sobre as mais diversas variações deste tema nas artes.
Rocha cozinhava, lia compulsivamente, conhecia a música africana e as variações do jazz. "Na reforma, vou aprofundar os conhecimentos sobre a sociologia de comunicação e dedicar-me a um grande arquivo de 'slides' feitos nos vários países por onde passei", disse Rocha ao despedir-se da DW.
A 'biblioteca ambulante' que Rocha se tornara com o passar dos anos era reconhecida. "São conhecimentos aprofundados e fiáveis sobre a história e política de África, uma fonte de dados e factos enquadrados na realidade, que nenhum Google pode rivalizar", lembrou a jornalista da DW, Cristina Krippahl, num artigo em homenagem ao colega em 2019.
Um ser humano amado e exemplar, um jornalista não por acaso... Este foi António Rocha, cujo legado permanece não somente nas redacções por onde passou, mas nos corações de quem o conheceu.