Aristides Vaz, mentor do projecto Lemba Lemba, é um amante da natureza e professor de línguas estrangeiras. Conta que inicialmente foi ministrar uma formação na escola primária que fica na localidade de Longueira, no extremo oeste de São Jorge, em São Lourenço dos Órgãos, e acabou por se apegar ao local que fica dentro de uma área ambiental preservada.
“Realizamos uma campanha de limpeza, porque antes aqui era uma lixeira. Os responsáveis da área preservada gostaram, e surgiu a ideia de criar um espaço de lazer para os jovens que frequentavam a formação e onde, também, pudessem ganhar alguma coisa. Depois começamos a fazer as paredes, com material reciclado, criamos um pequeno espaço para os alunos, construímos as cabanas com matérias 100 por cento recicladas. Usamos os troncos das árvores para a estrutura, as folhas para o tecto, garrafas de vidro para o piso do chão e para as paredes, os resíduos electrónicos para a decoração. Aqui, nada se perde, tudo se transforma e ganha vida”, explica.
Projecto Lemba Lemba
Segundo o mentor do projecto, Lemba Lemba é o nome de uma grande árvore que há na zona de Longueira, e como forma de a homenagear, baptizaram o Eco Camp com o nome da árvore.
Lemba Lemba é um projecto que nasceu em 2019, e que tem por objectivo desenvolver e incentivar a economia, de maneira sustentável, através do turismo ecológico, reciclagem e aproveitamento de tudo que a natureza oferece.
“O nosso objectivo é fazer tudo de maneira sustentável, não temos o nível de sustentabilidade que queremos ainda, mas pouco a pouco, contribuímos para uma terra mais saudável. Aqui em Cabo Verde não temos ainda uma instituição que nos guie, para usarmos o melhor material possível, que respeite o ambiente, nós mesmo elaboramos, dentro da nossa consciência, meios que possam-nos satisfazer e ao mesmo tempo respeitar o ambiente. Aqui é como um santuário, protegemos o ambiente e as árvores”, sustentou.
O projecto traduz-se em um parque de campismo ecológico, em meio a natureza. A ideia é fazer com que os visitantes reflictam sobre o quanto as suas pequenas acções podem interferir na natureza.
“Aqui temos cabanas que foram construídas com troncos das árvores, temos vasos sanitários que foram trabalhados e hoje são vasos de plantas, calçados velhos também servem de vaso de plantas. Temos coisas típicas de Cabo Verde, que hoje são relíquias. É o caso do nosso gira-discos que ainda funciona, temos o nosso ferro de passar roupa a carvão, Cafuca em diversos pontos, candeeiros, vitrina, pente de ferro que era usado para alisar os cabelos. Realizamos noites musicais com instrumentos antigos, tudo para mostrar que podemos viver com poucos recursos, em harmonia com a natureza”, aponta.
Reciclagem e sustentabilidade
No Eco Camp Lemba Lemba, de acordo com Aristides Vaz, a ideia é reutilizar, reciclar e reduzir, tudo de maneira sustentável e primando essencialmente pela protecção do ambiente. O parque de campismo possui cabanas que são uma espécie de suite master, mas também possui tendas de diversos tamanhos. Algumas destas, durante o dia são transformadas em sala de estar, sala de cinema, e até são requisitadas para reuniões de trabalho e apresentações escolares.
“Todos os produtos que entram aqui são reutilizados. Os restos de comida que não servem para alimentar os animais, usamos como fertilizante, no solo, as garrafas de vidro, usamos como uma espécie diferenciada de mosaico para o chão, as tampas das garrafas são transformadas em cortinas, temos vasos sanitários, como referido, que foram tratados e hoje são vasos de plantas”, indica.
Vaz explica ainda que o lixo electrónico é transformado em decoração e o recinto possui objectos de artesanato que foram feitos com fios de aparelhos. O chão, em algumas partes é de búzios, as folhas das árvores são usadas para zonas com sombra. As paredessão erguidas com garrafas de vidro, e o Eco Camp tem cortinas de CDs.
“Temos um bar que não agride o ambiente porque todo o lixo que é produzido, é utilizado para diversos fins. Realizamos workshops e palestras no sentido de sensibilizar as pessoas a cuidar do meio ambiente. Quando cuidamos do meio ambiente, a natureza também cuida de nós”, refere.
Contribuições para a economia local
Segundo o mentor do projecto, pelo facto da zona de Longueira ser consideravelmente afastada do centro da cidade, a economia local estava “praticamente parada”.
Aristides Vaz, professor e com outras vertentes no ramo de formação profissional, já compartilhou os seus conhecimentos com os jovens locais, ensinando assim o ofício de guia turístico. Hoje são vários os jovens que se dedicam a apresentar a beleza da comunidade, e transmitem a história local, os valores e a cultura.
“Com a criação do Lemba Lemba, voltamos a incentivar a economia local. Damos prioridade à compra de produtos dos produtores locais. Com o projecto, proporcionamos estadia diferenciada não só para os nacionais. Trazemos turistas, alguns chegam aqui com o intuito de passar uma noite e acabam por ficar por vários dias. Hoje temos vários guias turísticos, que são jovens da comunidade, formados aqui mesmo, que conhecem muito bem a zona e transmitem conhecimentos aos visitantes. Temos actividades culturais que atraem o público para esta parte da Zona de Longueira, temos excursões, realizamos eventos como casamentos, baptizados, aniversários, noites temáticas, como noites de poesias, canto, tocatinas”, realça.
Quando há eventos, Aristides explica que optam para à mão-de-obra e produtos locais, tudo para ajudar a população.
“Aqui não temos funcionários, todos colaboram para gerar o seu lucro, temos aqui jovens que antes estavam parados por conta do desemprego, e hoje construíram as suas próprias cabanas, de material reciclado, que alugam para quem quer passar um final de semana ou uma noite, e assim conseguem obter rendimento. Envolvemos todos os visitantes nas nossas actividades, como o cuidado da horta, manutenção das cabanas, produção de artes, confecção dos alimentos… tudo o que traga algo de novo para a visita se tornar inesquecível”, conta o mentor do projecto.
Engajamento da população
O mentor do projecto conta que são abastecidos pelos produtores locais, e não só no que se refere há hortaliças, e ainda que o engajamento é total para diminuir o lixo que antes era produzido. “Os próprios moradores trazem os materiais para reciclagem, o lixo já não é descartado inapropriadamente. Todos aqui cuidam do ambiente para mostrar a diferença a quem vem. Consequentemente há a cada dia mais pessoas querendo visitar-nos e fazer parte do nosso empreendedorismo sustentável. Temos um impacto muito forte”, testemunha.
Apaixonado pela natureza, Aristides Vaz confessa que deixou o seu trabalho, com um salário garantido, para investir na sustentabilidade. Vaz recorda que a covid-19 foi detectada em Cabo Verde em 2020, e um mês antes de ser decretado o confinamento obrigatório tinha deixado o seu emprego.
“Eu tinha deixado o meu emprego para investir na sustentabilidade. Tinha tudo para dar errado, mas com os comércios fechados, chegaram as chuvas, o que foi uma bênção para nós. Todos estavam à procura de uma saída para fugir da covid-19. Podemos oferecer os nossos serviços. Então bem ou mal, fomos abençoados. O empreendedor verdadeiro é aquele que aprende com dor a forma de ganhar pão”, revelou.
Contribuição para o ambiente
O Eco Camp promove a preservação da natureza, proteção ambiental, segurança e qualidade. O principal benefício da sustentabilidade é a preservação ambiental por meio de medidas como economia de energia elétrica, utilização de fontes alternativas de energia, reciclagem de materiais, tratamento do lixo, diminuição na emissão de gases poluentes, fim do desmatamento e incentivo ao consumismo sustentável, redução e reutilização da água. O Eco Camp Lemba Lemba transformou o ambiente natural onde está inserido em um santuário de árvores centenárias, como a própria árvore Lemba Lemba.
“Nós apelamos para um consumo sustentável. O lema que todos devem ter em mente é: o que cuidamos hoje desfrutamos no futuro. Temos uma zona muito linda, com diversas espécies de plantas e animais, a natureza proporciona as nossas cachoeiras…Não há quem fale de São Lourenço dos Órgãos sem se lembrar das cachoeiras. Hoje também não há como não reconhecer o projecto Lemba Lemba. Proporcionou desenvolvimento local, diminuiu o desemprego e elevou as potencialidades de uma zona encravada em termos de desenvolvimento, onde os jovens eram obrigados a sair para procurar outras actividades para o auto-sustento, e onde hoje sentem orgulho de fazer parte do projecto que trouxe oportunidade para a Longueira”, comenta.
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Desenvolvimento Sustentável em Cabo Verde
A Agenda 2030 e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) oferecem uma oportunidade para Cabo Verde adoptar um caminho transformador que leva ao desenvolvimento sustentável. Cabo Verde tem vindo a investir recursos e a fortalecer parcerias para a implementação dos ODS com vista a responder aos desafios a longo prazo e emergentes. Sendo os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável um apelo global à acção para erradicar a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas em todos os lugares possam desfrutar de paz e prosperidade, as Nações Unidas em Cabo Verde têm trabalhado com os seus parceiros, nacionais e internacionais, de forma conjunta e coordenada, visando identificar repostas às prioridades nacionais dos desafios do desenvolvimento sustentável do país. Cabo Verde precisa de fortes parcerias e intervenções sustentáveis, com claro impacto no fortalecimento das capacidades das instituições e provisões de serviços para as comunidades locais, famílias, incluindo mulheres, crianças, jovens e pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade. Neste sentido, o actual Quadro de Cooperação das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDAF) 2018-2022, está ancorado nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e alinhado com o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável de Cabo Verde (PEDS), tendo o objectivo comum de garantir melhor qualidade de vida às populações, reduzindo as desigualdades e iniquidades, de forma que ODS tenham impacto real nas pessoas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1068 de 18 de Maio de 2022.