Empresário aposta em técnica que pode tornar Cabo Verde auto-sustentável em verduras e legumes

PorSheilla Ribeiro,13 nov 2022 8:40

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O empresário Hélder Silva quer, com o projecto piloto de aeroponia, cultivar verduras frescas, ervas e vegetais e mostrar que Cabo Verde pode se tornar auto-sustentável, sem precisar importar nenhum vegetal e sem depender de nenhum país. Na sua quinta, Purah Vida, movida a energia solar, já usa o método aeropónico, gastando até 95% menos água do que na agricultura convencional.

O cultivo aeropónico não necessita de solo. As plantas são criadas no ar, em estruturas próprias. 

“Aeroponia significa que as plantas dependem do ar. É um ramo da hidroponia em que a raiz fica dentro da água. A maior vantagem da aeroponia, mais precisamente em Cabo Verde, tem a ver com o facto de gastar, conforme aquilo que for plantado, menos 90 a 95% de água, por ser um circuito fechado e a única água que se perde é a água de transpiração da planta”, explica ao Expresso das Ilhas, Hélder Silva. 

Além da água, esta técnica poupa até 90% do espaço, por ser na vertical. Por exemplo, o empresário aponta que onde se planta, no chão ou com a técnica da hidroponia, dois alfaces, na aeroponia é possível plantar 36 ou 52 alfaces, dependendo do tamanho das chamadas Tower Garden. 

Sendo o oxigénio aquilo que as plantas mais precisam, numa torre cresce três vezes mais depressa. Como exemplo, Silva refere que se no chão é possível colher uma alface 40 ou 45 dias depois do cultivo, numa torre o mesmo é possível após 21 dias, com menos de meio litro de água. 

“Se a plantação fosse no solo, seria preciso usar adubos e estrumo e por vezes químicos. Mas, nas torres não. Sem falar que no chão há mais pragas, como por exemplo em Santo Antão, a praga dos mil pés. É a forma mais limpa de produzir a comida, porque mesmo os solos muitas vezes estão contaminados”, observa. 

Uma outra vantagem da aeroponia para Cabo Verde, segundo Hélder Silva, tem a ver com o facto de a plantação poder ser feita em qualquer espaço. Aliás, frisa que uma vez que se adopte esta técnica, a ilha do Maio, por exemplo, não precisa esperar pela ilha de Santiago, ainda mais quando há problemas de transportes. 

“Sai mais barato porque é produzido exactamente onde se quer comer, pode ser ao lado de um mercado, ao lado de um hotel ou dentro da sua própria casa”, especifica. 

Primeiro contacto com aeroponia 

Antes do projecto Afroponic, Hélder Silva nunca tinha estudado agronomia, por isso, afirma que a aeroponia pode ser praticada por todos. Desde uma criança de 10 anos a um idoso reformado, cujas costas não aguentam debruçar sobre a enxada.

“Qualquer um pode semear sentado numa secretária”, destaca. 

Foi durante o confinamento imposto pela pandemia da COVID-19, que o empresário viu, na Internet, uma técnica de agriculta que prometia gastar até 95% menos de água. 

“Logo pensei que tinha encontrado o petróleo de Cabo Verde, já que não temos água. Entrei em contacto com a empresa Agrotomy e numa primeira conversa entenderam que eu não queria o lucro, caso contrário não mostraria a ninguém e invadiria o mercado com legumes”, conta. 

Hélder Silva assegura que o seu objectivo não é vender, mas sim dar a conhecer a técnica aos cabo-verdianos para que possam ter a torre em casa e possam fazer negócio, de modo a redefinir o paradigma de segurança alimentar. 

“Sobretudo nesse mundo instável em que não se sabe quando a guerra pode piorar e os barcos podem não chegar com os alimentos. É para Cabo Verde e para os cabo- -verdianos, num país que importa 80% dos alimentos”, enfatiza. 

Do cultivo à colheita 

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As sementes são colocadas num material feito de pedra vulcânica, chamado de lã de rocha. Este, mantém a humidade e é composto por vermiculite, também mineral de rochas, para aguentar as sementes que ao brotar podem saltar. 

“Cabo Verde devia estar a exportar este material, mas estamos a importar, apesar de que é barato. Basta meter as sementes nos buracos e deixar num lugar onde não há luz do sol directo durante dois ou três dias”, elucida. 

Quando a semente brotar e tiver duas folhas, a lã de rocha passa para um espaço onde possa receber sol durante uma semana ou 10 dias, dependendo do tipo de planta. 

Quando a planta tiver mais ou menos três polegadas, Hélder Silva explica que é tempo de a meter no buraco da torre e esperar que nasçam os vegetais. 

“Ou seja, um mínimo de trabalho, na sombra, que não necessita de enxada e com retorno. Sem falar que está cientificamente provado que esta tecnologia, que é certificada pela Food and Drug Administration nos EUA por receber mais oxigénio, apresenta cerca de 35 a 60% mais conteúdo nutritivo do que uma planta que nasce no chão”, defende. 

Os tubérculos, explica, não podem ser plantados nas torres porque se come as suas raízes e nem as árvores frutíferas. Mas, frutas como melão, melancia e morango podem ser plantadas nas torres. 

Ainda podem ser plantadas mais de 200 tipos de vegetais e a maioria das flores como é o caso dos girassóis, cravo, margaridas, ervas aromáticas, temperos, salsa, coentro, entre outros.

“Esta técnica é muito especial porque é o único com o mineral que dá os dois tipos de vegetais. Os vegetais-folhas coma alface, couve e repolho e vegetais-frutas que são os pimentões, pepinos, aboborinha”, diz Hélder Silva. 

No dia 2 de Outubro o empresário plantou pela primeira vez nas torres, e três semanas depois colheu aboborinha, pepino, quiabo, alface e cebolinha. 

Investimento Vs. lucro 

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Hélder Silva que é o representante da empresa americana Agrotomy em Cabo Verde, explica que quem quiser plantar nas torres com fins comerciais recebe um contentor com 100 torres, mais os outros materiais necessários. 

“100 torres significam 3.600 alfaces. Ou seja, se a pessoa plantar alface, a cada 21 dias colhe 3.600 alfaces, já que cada torre tem 36 buracos. Mas, as torres podem chegar até três metros, ou seja, 52 buracos”, descreve. 

Tendo em conta que o custo médio da alface, na Praia, é de 150 escudos, se a pessoa conseguir vender 3.600 alfaces por 120 escudos, a cada 21 dias ganha cerca de 400 mil escudos, segundo o empreendedor. 

Cada torre tem 10 anos de garantia e, no caso de avaria, serão repostos. As mesmas são feitas de resina, sem nenhum combustível fóssil.

“Os seus criadores são 100% ecológicos. Aqui tenho poucos painéis solares, suficientes para as 100 torres, porque têm uma bomba de 35 kilowatts, parecido com um carregador de telemóvel e trabalham apenas três minutos a cada 15, ou seja apenas 12 minutos por hora”, ressalva. 

Hélder Silva acrescenta que foram precisos 60 mil dólares para as 100 torres e que serão pagas em 120 meses. Portanto, menos de 50 mil escudos mensais. Mas, com o investimento em sementes e uma vez ou outra, na água, são cerca de 60 mil escudos a cada mês. 

“Mas se a cada 21 dias a pessoa ganhar cerca de 400 mil escudos, 400 menos 60 ainda fica com 340 mil escudos. Isso no caso da alface, que é o mais barato e nasce mais rápido. Mas o ganho é maior se for plantado tomate, que agora custa 300 escudos/quilos, ou pimentão vermelho, que é importado e custa 750 escudos/ quilo”, argumenta. 

Por enquanto, Hélder Silva usou apenas 40% das suas torres por estar numa fase de experiências, por forma a constatar quanto tempo leva a colher cada tipo de vegetal.

Actualmente, apenas um círculo de amigos consumiu as suas verduras e o feedback, sustenta, tem sido “espectacular”. 

“Tanto o cheiro como o gosto mostram que é muito mais potente já que tem 60% mais nutrientes”, realça. 

Afroponic 

Questionado sobre a localização da Quinta, Hélder Silva diz que São Francisco foi o único lugar com espaço disponível em todo o município da Praia. Antes, esteve seis meses à procura de um espaço onde pudesse colocar as suas Towers Garden. 

“Um amigo vendeu-me 1.000 metros de terreno e utilizo apenas 200 metros quadrados para as 100 torres”, precisa. 

A Afroponic não é um revendedor, mas sim um representante. Ou seja, o preço em Cabo Verde é o mesmo dos EUA e da Europa. 

Hélder Silva exorta os cabo- verdianos a levar a aeroponia para as outras ilhas. Razão pela qual tem convidado os ministros e os presidentes das Câmaras de todo o país a conhecerem a técnica. 

“Há muitos privados interessados e, graças à Pró Empresa e a Pró Garante, estamos a trabalhar num programa para que as pessoas possam ter acesso ao financiamento. Porque se eu fosse revendedor podia dar a opção de pagamento a prestação, mas não sou”, declara. 

Até o momento, prossegue, apenas três torres foram vendidas.

Texto publicado originalmente na edição nº1093 do Expresso das Ilhas de 09 de Novembro

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Autoria:Sheilla Ribeiro,13 nov 2022 8:40

Editado porDulcina Mendes  em  14 nov 2022 14:28

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