O destino dos resíduos electrónicos em Cabo Verde

O lixo electrónico ganha destaque a cada dia como um problema da sociedade moderna, reflexo das inovações desenvolvidas nas últimas décadas, que estimulam o consumo e tornam a tecnologia obsoleta em pouco tempo. O Expresso das Ilhas foi apurar como é feito a gestão dos resíduos electrónicos na Cidade da Praia e conhecer junto das ONG’s ligadas ao ambiente a actual situação do país face aos resíduos electrónicos.

Os Resíduos Computacionais, também conhecidos como resíduos electrónicos ou lixo electrónico, são os equipamentos electrónicos descartados ou obsoletos. A definição inclui computadores, televisores, telemóveis, entre outros dispositivos que são conhecidos como Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE). 

Segundo dados da Organização não-governamental Greenpeace, em 2019, foram geradas mais de 50 milhões de toneladas de lixo electrónico no mundo, dos quais apenas 10 milhões de toneladas foram descartadas de forma correcta e recicladas. Entretanto, os últimos relatórios das Nações Unidas apontam para um possível aumento significativo dos resíduos electrónicos até 2050, podendo atingir aproximadamente 120 milhões de toneladas ao ano, se as tendências actuais permanecerem. 

Impactos ambientais 

O Vice-Presidente da organização ambiental Quercus Cabo Verde, Avelino Sanches, explica que os resíduos de equipamentos electrónicos, se descartados de forma inadequada, constituem um sério risco para o meio ambiente, possuem em sua composição metais pesados altamente tóxicos, como mercúrio, cádmio, berílio e chumbo, além de outros compostos químicos como os BFRs (Brominated Flame Retardants).

Avelino Sanches sublinha que, em contacto com o solo, os metais pesados, existentes nos resíduos electrónicos, contaminam o lençol freático, se queimados, os BFRs libertam toxinas perigosas ao meio ambiente. Portanto, a manipulação e o processamento dos resíduos electrónicos de forma incorrecta e desprotegida, contamina os seres humanos que executam estas tarefas e o meio ambiente à sua volta. 

“Por exemplo, com a popularização do telefone móvel e da computação pessoal, a geração de lixo electrónico teve um aumento significativo, porque muitas vezes comprar um aparelho novo é mais simples do que consertar. Alguns elementos contidos no lixo electrónico, embora sejam biodegradáveis, podem permanecer no solo por séculos, contaminando tudo. É preferível sempre que o usuário descarte os aparelhos corretamente. Estes materiais prejudicam o meio ambiente e a saúde das pessoas porque podem conter substâncias perigosas como o mercúrio, que pode afectar a memória. Um exemplo, uma única pilha pode contaminar mais de 175.000 litros de água, quantidade superior a que um ser humano consome durante toda a sua vida”, indicou. 

Legislação 

O Vice-Presidente da Quercus Cabo Verde destaca que a falta de lei que regulamenta a questão dos resíduos electrónicos é o maior obstáculo para conter a sua proliferação no ambiente. Em 2019, Cabo Verde gerou 2,8 toneladas de resíduos electrónicos. O país não dispõe de sistema de recolha e reciclagem deste material, que acaba por ser deitado fora no meio ambiente, em lixeiras ou aterros sanitários, juntamente com outros resíduos. A Quercus Cabo Verde alerta sobre perigos e necessidade de legislação para regular o destino destes resíduos. 

Avelino Sanches aponta que em função da complexidade do problema da contaminação e do aumento considerável da produção, consumo e consequente descarte de eletroelectrónicos, foi necessária a elaboração de leis específicas, actualmente em vigor em diversas partes do mundo, leis que Cabo Verde deveria espelhar para manter maior controlo e gestão de resíduos. 

Resíduos electrónicos em Cabo Verde 

De acordo com os dados da The Global E-waste Statistics Partnership, em 2019, Cabo Verde produziu em média 4,9 kg de lixo electrónico por habitante. De acordo com o representante da Quercus Cabo Verde é muito, considerando que Cabo Verde não tem uma fábrica de reciclagem deste tipo de resíduo e não existe uma política específica para a recolha e tratamento deste tipo de resíduos. 

“Em Cabo Verde a maioria do lixo electrónico encontrado, por exemplo, nas empresas, são peças de computadores antigos, impressoras velhas, pedaços de cabos, baterias de UPS danificadas, entre outros. Já nas residências particulares podemos encontrar maioritariamente telemóveis velhos, sem usos, baterias de telemóveis, peças de televisores, entre outros dispositivos, como computadores portáteis danificados, etc. Também é comum encontrar na rua, uma boa parte de lixo electrónico produzido em Cabo Verde, como frigobares, televisores velhos, máquinas de lavar, entre outros, abandonados ao ar livre de qualquer forma, longe dos pontos de recolhas de lixo, o que dificulta a sua remoção”, indicou. 

Como descartar o lixo electrónico 

O vice-presidente da Quercus Cabo Verde aponta que a maioria dos lixos electrónicos são produzidos nas empresas e instituições do Estado. Entretanto, o aumento do consumo e descarte de forma rápida de dispositivos móveis individuais e os seus componentes, devido a necessidade constante de acompanhar a evolução e a moda, faz com que este tipo de resíduo tenha aumentado nas residências particulares. 

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Este responsável sugere que a melhor forma de descarte seria apostar na sensibilização da população para a separação do lixo em casa, assim como nas empresas, para facilitar a sua recolha e tratamento, evitando assim que os lixos electrónicos acabem nos aterros sanitários ou nas lixeiras municipais juntamente com os outros resíduos. Uma outra forma seria através da criação de pontos de recolhas específicos para este tipo de resíduos, denominados de Ecopontos, onde todos possam entregar os seus resíduos electrónicos, sem correr o risco de estes acabarem no meio ambiente. 

“Com a reciclagem do lixo electrónico é possível produzir diversos materiais. Por exemplo, pilhas usadas podem ser transformadas em pigmentos para fogos-de-artifício, pisos cerâmicos, vidros, tintas, além da reutilização do Zinco. Placas de circuitos electrónicos são enviadas para a recuperação de metais e as partes metálicas são recicladas e transformadas em novas peças. Com a destinação inadequada do lixo electrónico, estima- se que até hoje 7% do ouro do mundo tenha sido perdido. Por exemplo, em telemóveis antigos e placas de computadores podemos encontrar ouro e prata que geralmente são descartados junto com o lixo comum. É possível fazer a reciclagem desses metais e reutilizá-los na produção de novos produtos”, sugere. 

Situação de Cabo Verde 

Muitas instituições vêm-se confrontadas com o problema dos lixos electrónicos acumulados, sem ter uma alternativa clara, uma vez que não existem fábricas de reciclagem em Cabo Verde capazes de absorver mais de 2,8 toneladas de lixos electrónicos produzidos anualmente no país. 

“A criação de uma legislação específica para o problema dos resíduos electrónicos, assim como o reforço da sensibilização da população e das autoridades competentes, para a questão da separação dos resíduos, podem contribuir para melhorar este paradigma em Cabo Verde. No nosso país, cada cabo-verdiano produz, em média, aproximadamente 800g de lixo por dia, o que que significa que produzimos aproximadamente 450 toneladas de resíduos sólidos diariamente, de entre os quais se encontram os resíduos electrónicos, uma vez que não temos capacidade de reciclagem dos mesmos e nem sequer se faz a separação do lixo em casa ou durante a recolha”, realçou Avelino Sanches ao Expresso das Ilhas. 

ADAD defende criação de incentivos para redução de resíduos 

O presidente da Associação para Defesa do Ambiente e Desenvolvimento (ADAD), Januário Nascimento, defende que devem ser criados incentivos para as pessoas separem o lixo e reciclagem de resíduos. Este responsável adverte que deve ser criada uma comissão, “mas não uma comissão de papel, mas que trabalhe seriamente” para estudar os impactos do lixo electrónico em Cabo Verde. Segundo o representante da associação, a ADAD já está a preparar um projecto “muito forte” que está na fase de contactos com os parceiros, no sentido de ajudar a resolver os problemas dos resíduos. 

“Nós defendemos que é preciso mudar o comportamento, um projecto que incentiva as pessoas a separarem o lixo já em casa. A associação para a defesa do Ambiente já tem instalado um contentor que é fixo, para recolha de resíduos e queremos implementar em outros municípios. Acreditamos que se o Governo disponibilizar incentivos para que as pessoas comecem a separar o lixo, isso teria um impacto enorme na vida, saúde e ambiente em Cabo Verde. O caminho é o diálogo, em parceria com os actores não estatais, mobilizando parceiros para que possamos intervir de maneira mais abrangente”. 

Segundo Januário Nascimento, o saneamento é um grande problema de Cabo Verde e em particular da Cidade da Praia. O presidente da ADAD defende que além dos municípios o Governo tem a obrigação de investir para se chegar em soluções adequadas. 

“A cidade da Praia produz aproximadamente 1.120 toneladas de lixo diariamente e até bem pouco tempo tinha uma capacidade de armazenamento de aproximadamente 500 toneladas através dos contentores e o resto é recolhido através de sistemas de recolha porta a porta nos camiões, etc. Esta capacidade reduzida de armazenamento temporário poderá estar a contribuir para que grande parte do lixo electrónico seja descartado de forma inadequada, no entanto, a aposta na resolução do problema deverá passar inevitavelmente pelo reforço da sensibilização junto da população”. 

Associação de reciclagem 

Do Lixo ao Luxo Por seu turno, a vice-presidente da Associação de reciclagem Do Lixo ao Luxo, Adelaide dos Santos, reitera que a maioria das pessoas não estão preocupadas com as consequências do descarte indevido dos resíduos no ambiente. Esta representante insiste que uma das consequências que está a passar despercebido é a alteração do clima, incluindo o clima de Cabo Verde que a mesma aponta estar cada vez mais quente e seco.

Adelaide dos Santos avançou ao Expresso das Ilhas que em 2021 recolheram no âmbito de um projecto da associação, para edificação de uma fábrica de gestão de resíduos electrónicos, praticamente um contentor de lixo electrónico provenientes de diversas empresas e instituições na Cidade da Praia, e que estes resíduos estão alocados, para serem exportados para outras paragens do mundo que possa trabalhar este tipo de material.

“Como sabem, aqui em Cabo Verde não temos uma fábrica e nem equipamentos para trabalhar estes tipos de material. Temos um projecto, que já é do conhecimento das autoridades competentes, para construirmos uma fábrica que possa trabalhar estes materiais. No momento, estamos a apresentar o projecto, mobilizar parceiros e recursos, visto que é um projecto grande, o custo ronda os onze mil contos, mas com resultado directo na saúde, meio ambiente e sociedade. O que não podemos é deixar estes resíduos destruir o ambiente”. 

A semelhança da ADAD, a Associação de reciclagem Do Lixo ao Luxo também acredita que a melhor forma de intervir, é sensibilizar as pessoas, e criar mecanismos de incentivar a população a colaborar para a redução do impacto do lixo no ambiente.

Texto publicado originalmente na edição nº1094 do Expresso das Ilhas de 16 de Novembro

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Autoria:Edisângela Tavares (Estagiária),20 nov 2022 7:56

Editado porAndre Amaral  em  21 nov 2022 14:22

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