"Nós não damos só alimentos, damos mais do que isso, nós queremos fazer a felicidade das pessoas, ajudar as pessoas a melhorarem a sua vida", descreve à agência Lusa Ana Hopffer Almada, presidente da Fundação Donana, criada em finais de 2010 pelo marido.
"Há muitos anos que as pessoas vinham sempre à nossa casa, seja aqui, seja no escritório, pedir ajuda. E o meu marido disse para criarmos uma fundação e aí já conseguimos institucionalizar esta ajuda", recorda, explicando que Dona Ana é o nome pelo qual as pessoas a tratavam quando iam pedir qualquer coisa à sua casa, no meio de Achada de Santo António, o bairro mais populoso da Praia, onde também funciona a sede da Fundação.
Ao recordar todo este percurso, a presidente não consegue conter a emoção. "Fico emocionada porque faço isso com o coração, é com amor, é um trabalho feito sobretudo com muito amor".
Com dois pilares de actuação na sociedade, a cidadania, em que um dos projectos é um curso de Educação para a Cidadania, e solidariedade social, a Fundação Donana foi instituída numa altura em que havia muita violência urbana na cidade da Praia, recordou.
"Tinha feito um trabalho numa cadeira que leccionava numa universidade que era Ética e Deontologia, disse 'vamos ter que fazer qualquer coisa para diminuir essa violência, e não podemos só atuar na repressão, temos que atuar na prevenção', e a maior prevenção é a educação", considera Ana Almada, que foi professora durante 40 anos.
No pilar solidariedade, outro projecto que foi criado dois anos depois, em Outubro de 2012, foi o Banco Alimentar Contra a Fome de Cabo Verde, em parceria com a Entreajuda de Portugal, organização que tutela o Banco Alimentar Contra a Fome de Portugal.
O Banco Alimentar Contra a Fome de Cabo Verde funciona sob a directa dependência da Fundação Donana, que mensalmente beneficia cerca de 40 associações comunitárias com cestas básicas só na cidade da Praia, que fazem chegar essas ajudas a mais de 1.500 pessoas, sobretudo idosos, acamados e pessoas com deficiências e que não podem trabalhar.
Cada cesta básica contém uma média de 10 quilos de alimentos, como arroz, açúcar, feijões, leite, massas, totalizando cerca de 3.000 quilos de alimentos distribuídos todos os meses, só na Praia, sendo que até 2020 a organização tinha recolhido e distribuído 1.328.134 quilos de bens alimentares no país.
Além das associações comunitárias, as pessoas vão individualmente à fundação pedir ajuda.
"Beneficiamos quase que igual número de pessoas que não pertencem a associações, mas que vêm cá à Fundação, dizendo que têm necessidade e nós acabamos por ajudá-las, pontualmente", frisa a presidente, insistindo que a preferência é canalizar os apoios às associações parceiras.
Todo o trabalho é feito com alguns voluntários da Fundação, mas nas campanhas de recolha de alimentos nas lojas e supermercados da Praia -- na última, em Outubro, foram recolhidos cerca de 3.000 quilos -- conta com a colaboração dos membros das associações, havendo um total de 160 sempre disponíveis a ajudar.
"São pessoas de boa vontade que se oferecem para vir trabalhar connosco", afirma a presidente, para quem os cabo-verdianos têm "um grande sentido de solidariedade". "Respondem sempre ao nosso apelo, não temos razões de queixa".
Um desses voluntários é Jailson Jardim, da Igreja Adventista do Sétimo Dia do Palmarejo, que tem cerca de 400 membros, e que há mais de quatro anos recebe 10 cestas básicas mensais, que "contribuíram e de que maneira para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas".
Além dos alimentos, o voluntário sublinha o facto de a fundação ajudar com produtos de higiene, e financiamento de projetos, em parceria com a cooperação portuguesa.
"Esse apoio tem sido muito bem entregue, recebemos um 'feedback' muito positivo", avalia Jailson, também ele sem mãos a medir na hora de ajudar a distribuir os sacos a representantes de outras associações, que não param de chegar à sede da fundação, de onde saem carregados.
Além dos grandes donativos das empresas parceiras e das campanhas nos supermercados, a fundação recebe ainda outros bens, como roupas, calçado, colchões, que a permitiu criar ainda um banco de bens doados e equipamentos, projectos na área da saúde, uma bolsa de voluntariado, e até uma casa da sopa no Lar de Idosos de Pensamento, em parceria com uma empresa da Praia, levando 60 refeições por dia.
"As empresas já acreditam no Banco Alimentar, já reconhecem o nosso trabalho, já veem que o nosso trabalho tem utilidade, já temos alguma credibilidade, trabalhamos com as associações, é tudo controlado, durante toda esta crise não nos faltou apoio", diz, orgulhoso.
Foi precisamente nas mais recentes crises, primeiro da pandemia e atualmente com a escalada de preços por causa da guerra na Ucrânia, que a Fundação Donana enfrentou as maiores dificuldades, tendo recebido muitos pedidos de pessoas que não eram o público-alvo, mas a quem mesmo assim não deixou de estender a mão.
E deixa bem claro que a fundação não alimenta o "assistencialismo nem 'coitadismo'", sendo prova disso a criação este ano de um projeto de empreendedorismo, que conta com apoio da cooperação portuguesa, e que já beneficiou as primeiras 31 mulheres com os seus negócios.
"Correu bem, e vamo-nos candidatar para um novo financiamento porque nós temos centenas de pedidos", refere Ana Almada, queixando-se no entanto da falta de apoio do Governo no período da pandemia e quando foi declarada a situação de emergência social e económica no país devido aos impactos da guerra na Ucrânia.
"Mas não há problema, nós apoiámos mesmo assim, não tivemos falta de alimentos", enfatiza, dizendo que a maior necessidade neste momento é de um armazém maior, porque o atual já não tem espaço para guardar tantas doações.
Além da Praia, o Banco Alimentar trabalha em todos os outros concelhos da ilha de Santiago, em São Vicente, através da Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), no Fogo, na Brava, no Sal, e está praticamente pronto para começar na Boa Vista.
Mas a presidente disse que a ideia é ir a todas as ilhas do arquipélago e depois "emigrar" para a costa Ocidental da África. "Estamos à espera, primeiro, de consolidar aqui no país, não faz sentido nós não estarmos em todas as ilhas para irmos para os países da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental", afirmou.