“Vi que era o melhor para mim porque não posso ficar em casa deitado só pelo facto de não estar na minha terra. Tenho de procurar o meu pão de cada dia”, desabafou à Lusa Koulémou Raymond, 34 anos, natural da Costa do Marfim, e que há 10 anos aterrou em Cabo Verde para continuar a carreira de futebolista.
Ainda fez duas épocas na equipa de Eugénio Lima, nos regionais de futebol em Santiago Sul, mas devido a uma lesão teve de pendurar as botas em 2014. Chegou a trabalhar numa empresa, mas há dois anos montou uma banca debaixo de uma árvore na praça de Terra Branca para dar nova vida a sapatos.
“Dá para viver”, garantiu o sapateiro, que aprendeu esta arte no seu país, porque era o próprio que arranjava as suas botas e as dos colegas.
Com uma filha menor em Cabo Verde que precisa de sustentar, Raymond cobra conforme o tamanho e a quantidade de sapatos, mas num dia pode facturar entre 100 e 400 escudos.
Depois de estar a fazer o que mais sabe e gosta, o marfinense sonha mais alto, e pede apoio para ter um negócio maior e mais organizado, porque descreve-se como um “faz tudo”.
“É para continuar, mas preciso desse apoio para poder ser um artista mais conhecido em Cabo Verde. Porque é aqui que estou a viver, é a minha terra também, não posso desistir”, afirmou Raymond, que recolhe uma boa avaliação dos clientes.
Um deles é Zito Moreira, 31 anos, natural do bairro de Ponta d'Água, mas que numa passagem por Terra Branca aproveitou para coser o seu sapato.
“Vi que ele é um bom artista, faz bons arranjos e aproveitei para coser o meu sapato aqui”, indicou o praiense, para quem dar um toque nos sapatos neste momento é a “melhor solução”, por causa da crise que não permite estar sempre a comprar novos.
“Às vezes compras um novo que pode ser pior daquele que tens, por isso às vezes preferes ficar com o que tens, e é só arranjá-lo, e fica melhor”, considerou o pedreiro, que confia tanto neste serviço que deixou lá os sapatos e foi para casa de meias, a pedalar na bicicleta, voltando depois para o pagamento e levantamento.
Disse também que é uma forma de ajudar outro a ganhar o seu pão de cada dia, num país onde se estima existirem 10.869 imigrantes ou estrangeiros legalizados, que representam 2,2% da população total.
De acordo com os dados preliminares do primeiro inquérito sobre população estrangeira e imigrante em Cabo Verde, apresentados em 19 de Dezembro, os guineenses, senegaleses e portugueses são as maiores comunidades estrangeiras residentes no arquipélago.
Quem também passa os seus dias a consertar sapatos é Kone Zoumana, também ele natural da Costa do Marfim, mas que só chegou a Cabo Verde há dois anos e meio. Foi ali que aprendeu esta arte, e há oito meses instalou a sua mesa de sapateiro no bairro de Tira Chapéu, igualmente debaixo de uma árvore e em frente a uma paragem de autocarros.
“É melhor trabalhar por conta própria do que por conta de outrem”, afirmou o sapateiro, que tem mais clientes mulheres, garantindo que o que ganha por dia dá para sobreviver na capital de Cabo Verde, mas os lucros variam.
A maior dificuldade, segundo Kone, é renovar os sapatos por completo, embora tenha dito que pode encontrar todas as matérias-primas em Cabo Verde, país que escolheu para viver e onde quer pôr em prática outros sonhos e objectivos de vida.
“Onde estás é onde tens de fazer os teus planos, quando chegar em minha terra vejo outra coisa para fazer lá”, projectou o sapateiro marfinense, que por agora cose tudo à mão, mas quer no futuro ter uma máquina e um espaço melhor para continuar esta arte, que é praticada um pouco por todas as ruas da Praia, sobretudo por imigrantes da costa ocidental africana.
E são muitos desses imigrantes que também arranjam roupas na capital cabo-verdiana, como é o caso de Yanicky Vaidoso, 52 anos, natural da Guiné-Bissau, e que chegou a Cabo Verde há cerca de 10 anos.
O guineense já sabia costurar, arte que aprendeu em criança com os familiares, mas primeiro trabalhou na construção civil e só há cerca de dois anos se tornou um dos costureiros numa das ruas do Palmarejo, com a sua mesa montada em frente a um edifício em construção.
“Tenho mais vantagens em estar aqui do que ir trabalhar com outra pessoa”, afirmou o costureiro, cuja família toda está na Guiné-Bissau, e dá “graças a Deus” pelo facto de ganhar mais dinheiro com este ofício, feito à sombra do alpendre da casa.
“Tenho muitos clientes, mulheres, homens, aqui é público”, salientou o guineense, que não revela quanto ganha por dia, mas dá uma garantia: “Dá para viver tranquilamente”.