Da última vez que o Clube Desportivo ACROART participou numa competição no estrangeiro, dois dos seus atletas trouxeram três medalhas. Stephanie Cruz e David Spencer conseguiram a medalha de bronze na categoria de par misto, escalão juniores no Aquae Open Cup 2023 realizado em França. David Spencer foi igualmente bronze em individuais.
Antes disso, na 16ª Edição do Campeonato Africano de Ginástica que decorreu no Egipto em Setembro do ano passado, o par venceu a medalha de bronze, na modalidade de par misto, sendo que em individual David Spencer arrecadou igualmente a medalha de prata.
Ao todo, seis medalhas em duas competições internacionais realizadas em cerca de sete meses.
Terá, então, o cabo-verdiano um talento natural para a ginástica?
Jennifer Ramos, fundadora e professora na ACROART explica que “no nosso perfil temos muita capacidade nas disciplinas de ginástica aeróbica e acrobática, porque são disciplinas que exigem força e isso trabalha-se. Consegue-se com trabalho e não demanda extrema flexibilidade como na ginástica rítmica. Por isso, acredito que temos grande potencial de chegar longe”.
As medalhas ganhas nos torneios mais recentes sustentam a posição desta treinadora que entrou para o mundo da ginástica com apenas oito anos.
A paixão por este desporto “veio da minha mãe que já era ginasta”, recorda Jennifer Ramos em conversa com o Expresso das Ilhas.
Mas esta paixão não foi amor à primeira vista. “Ela colocou-me na ginástica quando eu era pequena. De início eu não me interessava muito, mas a partir dos oitos anos comecei a ter mais interesse depois de ir ver uma competição da minha prima. Assim que entrei comecei a ter resultados e gostei dessa adrenalina dos resultados e das competições e quis evoluir cada vez mais continuando a competir e a crescer”.
Mais tarde acabaria por se tornar atleta da Selecção Nacional de Ginástica. “Tive uma excelente experiência e consegui levar o nome de Cabo Verde a vários palcos internacionais junto com a minha equipa”.
Jennifer participou em torneios internacionais em Portimão e Cascais, Portugal, em Calais, França. “Tive a oportunidade de participar em quatro Campeonatos de África, com duas medalhas de bronze e duas de prata e num Campeonato do Mundo no Azerbaijão”.
Criação do Clube Desportivo ACROART
O Clube Desportivo ACROART surgiu depois de eu ter a oportunidade de fazer uma formação em ginástica aeróbica após o regresso da universidade.
A motivação, explica Jennifer Ramos, surgiu, porque “na altura tínhamos dificuldade de formar uma federação de ginástica uma vez que havia poucos clubes”, lembra.
“Eu quis dar o meu contributo, uma vez que fui ginasta da selecção nacional durante muitos anos, criando a ACROART”, explica.
Desporto muito exigente
A ginástica é um desporto muito exigente, reconhece Jennifer Ramos. “É um desporto de perfeição, de técnica. É preciso muita disciplina e longas horas de trabalho para conseguir resultados”.
No clube que fundou depois de regressar da sua formação superior no Canadá, a procura dessa perfeição e o trabalho técnico são uma constante.
Também constantes, no entanto, são as dificuldades e os desafios que se colocam ao clube e aos seus atletas.
“Como tenho dito ultimamente, chegamos a um nível em que se quisermos ir mais além temos de ter melhores condições. Já conseguimos medalhas com ginastas desde os sete anos em competições nas Canárias. Neste momento estamos com ginastas do escalão júnior a trazer medalhas, faltam os seniores. Para termos seniores com nível internacional teríamos de ter melhores condições de infraestrutura, um espaço próprio para podermos ter mais horas de treino e não só quando o espaço está disponível”.
As necessidades mais urgentes passam pela aquisição “de um piso adequado, para reduzir o risco de lesões, porque há necessidade de amortecer os saltos e o piso que usamos actualmente é prejudicial às articulações dos atletas”.
Outra necessidade é um espaço com maior altura, mais condições de segurança. “Tudo isso é investimento”, defende Jennifer Ramos.
Outro aspecto que ajuda a melhorar em qualquer desporto é a constante aposta em formações, estágios e competições.
“Aqui em Cabo Verde temos muito poucas oportunidades de ter formações e quase não temos competição. Quando vamos ao estrangeiro deparamos com ginastas profissionais, que só treinam para competir. São pagos para isso, têm todas as condições para treinar enquanto aqui nós estamos a querer competir com profissionais treinando como amadores”, lamenta a fundadora do Clube Desportivo ACROART.
“Fazemos isto porque gostamos, não ganhamos nada com isso em termos financeiros. É um trabalho quase de voluntariado, porque o que os ginastas pagam para treinar é apenas para pagar os custos de funcionamento do clube”.
Falta financiamento
O acesso ao financiamento e patrocínios são outras grandes dificuldades. Tanto para ter acesso a equipamentos que contribuam para o desenvolvimento da modalidade como também para “termos oportunidade de participarmos em mais competições, estágios e formações no estrangeiro para atletas, mas também para treinadores e júris”.
“Isto tudo contribui para evoluir”, reforça.
Federação de ginástica
“Neste momento temos uma boa relação com a Federação de Ginástica”, assegura Jennifer. No entanto, diz, também a Federação se queixa de falta de ajuda. “O que conseguem arrecadar com patrocínios serve para cumprir o calendário do campeonato nacional e, talvez, uma ou outra competição no estrangeiro”.
Neste momento em Cabo Verde há três disciplinas a serem praticadas em várias ilhas o que dificulta as coisas, por isso, em termos financeiros “não temos tido apoio” por parte da Federação.
Já do Estado o apoio tem existido.
“Temos tido muito apoio do Instituto da Juventude e Desporto que contribuiu para a nossa deslocação para França para participar no Aquae Open Cup 2023 e também estamos a aguardar a aquisição de um praticável que há muito tempo temos vindo a querer adquirir”, refere Jennifer Ramos.
Próximas competições
As medalhas ganhas nos diferentes torneios orgulham o clube, é certo, mas ainda assim já fazem parte do passado e já se preparam novas competições.
“Em finais de Abril vamos ter duas competições em simultâneo. Uma é o sexto torneio Mascote ACROART e o outro é o II Torneio Internacional de Ginástica Aeróbica”, aponta Jennifer Ramos.
O primeiro é um torneio que tem como objectivo “incentivar a prática das disciplinas que temos disponíveis e distinguir ginastas não só pelos resultados”.
“Normalmente o Torneio Mascote premeia atletas que se destacam com outros valores como a assiduidade, a pontualidade, bom desempenho, bons resultados escolares”.
Em simultâneo vai decorrer o torneio internacional em que vão participar ginastas de Portugal e do Senegal.
“É uma oportunidade de os nossos ginastas, que não podem ir ao estrangeiro por falta de financiamento, poderem competir com ginastas de outros países. Para verem o nível de outros praticantes, criarem laços de amizade e promover a nossa cultura”, conclui.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1114 de 5 de Abril de 2023.