Os lavadores de carros são uma presença constante nas ruas da Praia, uma das atividades informais que improvisa formas de se acomodar à beira das ruas e estradas da cidade, especialmente em redor de sítios movimentados, como os mercados.
“Já lavei carros em todos os lados de Sucupira, porque temos de comer, não podemos ficar parados", descreve o lavador, de 40 anos, à Lusa, enquanto lava as jantes de um veículo, até as deixar a brilhar – não obstante as ruas em redor estarem empoeiradas.
"Aqui procuro o meu pão de cada dia, como qualquer pessoa”, porque as necessidades básicas são as mesmas, para quem é vendedor ou ministro, diz, garantindo: “delinquência tenho pouca, mas educação tenho muita”.
Paulo Tavares, taxista há dois anos, relata casos de colegas que perderam o que tinham no carro, durante lavagens, mas diz que ele próprio nunca teve problemas, porque tem um lavador ao qual é fiel.
"É aconselhável teres o teu lavador. Quando chegas, lavas e tens confiança, podes deixar todas as coisas dentro do carro”, descreve, como quem indica a fórmula para o sucesso.
A lavagem custa 250 escudos (2,2 euros), “mas nem todos querem pagar”. “Dizem que só pagam 200 escudos e nós aguentamos”, descreve à Lusa “Mamadou”, nome fictício, lavador senegalês que vive há 13 anos em Cabo Verde.
“Queremos trabalhar, é melhor isso que nada", para suprir as necessidades da família e “não cair no caminho da delinquência”, explica.
"Alguém sem nada, sem trabalho, pode ir para o caminho da agressão. Eu escolhi fazer este trabalho", refere.
A época das chuvas terminou na ilha de Santiago e tanto “José” como “Mamadou” agradecem aos céus.
Enquanto para a maioria da população a chuva é bem-vinda, porque é uma dádiva rara, para quem lava carros é a época mais difícil e em que - paradoxalmente - gastam mais água.
A lama e sujidade afetam as estradas e "todo o tipo de porcaria fica agarrada a carro", tornando mais complicada e dispendiosa a tarefa, descreve o lavador senegalês.
Tal como em qualquer outra profissão, há uma lista de material imprescindível: detergente, pano, vassoura, escova e balde fazem parte do conjunto base, complementado com outros produtos específicos que cada condutor pedir.
“Não duram nem um mês”, queixa-se “José”, que faz conta às despesas fixas que tem para pagar.
A atividade informal nas ruas salta à vista de todos, incluindo aqueles que estudam as relações sociais na capital.
"Penso que os lavadores devem ser encarados de outra forma”, refere o sociólogo Henrique Varela, referindo que “fazem um trabalho digno e, como tal, merecem mais respeito”.
Segundo o sociólogo, neste tipo de situações, “é preciso um pouco de empatia para reverter o preconceito".
A empatia pode ser a chave para melhorar relações, comparando o trabalho a outro que é feito nas ruas, o de engraxador, que por vezes também é alvo de preconceito, mas que sobrevive há séculos, assinalou.
O dia está quase a chegar ao fim e, à volta do mercado de Sucupira, as pessoas agitam-se, agora, na caça por uma ‘hiace’, transporte ligeiro coletivo, que as leve de regresso a casa.
Algumas dessas viaturas já passaram pelas mãos de “Mamadou”.
Enquanto todos correm para casa, ele continua no seu local de lavagem, onde passa 14 horas por dia.
Está na hora de juntar três pedras e lenha, montar um fogão improvisado onde vai aquecer algo para matar a fome, antes de lavar o próximo carro, em busca de um novo cliente leal.