É um mercado em que empresas de outras partes do mundo podem compensar a poluição que fazem, pagando a organizações como a Ekonatura Cabo Verde, ficando com os créditos por cada quilo que esta associação recolhe das praias ou transforma em mobiliário escolar.
Além da compensação financeira por um trabalho que já sabe fazer, pode ser “mais uma ferramenta educativa”, disse à Lusa a presidente da Associação cabo-verdiana de Ecoturimo e mentora do projecto, Edita Magileviciute.
“Um dos desafios é a monitorização do processo” para os plásticos corresponderem aos créditos que podem ser aceites a nível internacional.
Na Ekonatura, esse método “está quase pronto” e pode ser um dos próximos capítulos numa história de expansão alinhada com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e que está a ser estudada por um projecto português.
O centro comunitário de São Francisco a poucos minutos da Praia, começou por recolher 100 a 200 quilos por ano, porta a porta, e a transformar plásticos em pequenos objectos, como porta-chaves.
“Mas havia muitos interessados”, inclusivamente restaurantes e outras empresas da capital o que permitiu à oficina ganhar uma trituradora e uma prensa para produção de placas, explica Edita, ao lado das máquinas.
Resultado: este ano, a Ekonatura poderá chegar a uma tonelada de plástico processado.
“Uma placa de um metro quadrado tem 11,5 quilos de plástico totalmente reciclado e transformado”, detalha a responsável.
Cipriana Lopes, colaboradora da Ekonatura, carrega um carrinho de mão e vai buscar ‘matéria-prima’ ao ecoponto, onde a população já se habitou a deixar lixo de plástico.
Segue-se um trabalho de paciência, a limpar cada embalagem, recipiente ou garrafa de detergente, de faca na mão, a raspar cada rótulo até a face de plástico ficar nua, pronta para triturar.
Antes, há ainda o corte manual da peça, com tesoura industrial, em pedaços mais pequenos, separados por cores.
No final, a areia de plástico que sai da trituradora entra numa plataforma que vai ser aquecida sob pressão, onde nascem resistentes placas de plástico reciclado.
Uma pequena loja no centro comunitário é um dos sinais de mudança
Ao lado das oficinas e armazéns onde se processa a reciclagem, vendem-se porta-chaves de golfinhos, secretárias, mesas de apoio e até árvores de Natal, tudo com plástico de diferentes cores que já foi garrafa de detergente ou outra embalagem qualquer.
A pouco e pouco, a loja vai atraindo mais visitantes, entrando nos roteiros para turistas, que acabam por fechar o ciclo de reciclagem, ao comprar e dar utilidade aos produtos, um exemplo prático de economia circular.
O Estado também já é cliente, encomendando mobiliário escolar à Ekonatura.
“É a educação em prática: que melhor exemplo pode haver para as crianças? Sentam-se em cadeiras de plástico 100% reciclado com tampinhas”, aponta Edita Magileviciute, à espera que a colaboração com instituições e empresas cresça, porque “há muito potencial”, como demonstra a quantidade de plástico que ainda vai parar às lixeiras.
“Não é fácil mudar hábitos enraizados”, conta João Ferreira, gestor da Ekonatura, que descreve a importância dos residentes, motores da mudança: “os jovens são quem reage melhor, os adultos não são tão fáceis de moldar”.
A resiliência dá frutos e, agora, a ideia é “crescer, alargar o projecto para outras comunidades”.
Todos os plásticos recolhidos do meio-ambiente podem ser alvo de certificação para entrarem no mercado global “em que as empresas integram esses créditos nas suas estratégias de sustentabilidade”, explicou Rita Barros Silva, membro da Associação Portuguesa de Empresas de Tecnologias Ambientais (Apemeta).
A Ekonatura é um exemplo de organizações que trabalham em Cabo Verde, referenciadas num projecto português, a ser apresentado em Dezembro, sobre o potencial do arquipélago no mercado internacional de créditos de plástico.
“Partindo dos contextos favoráveis identificados [campanhas de limpeza de praias, projectos de reciclagem e transformação], os actores cabo-verdianos podem já começar a procurar a certificação” para depois obterem “financiamento para a continuidade dos seus projectos”, referiu aquela responsável à Lusa, em Setembro, a par de uma primeira apresentação.
O estudo é realizado pela Apemeta e conta com o co-financiamento do Camões – Cooperação Portuguesa, com apoio técnico da C-Plastic e parcerias estratégicas locais com o Câmara de Comércio do Barlavento e a Associação para a Defesa do Ambiente e Desenvolvimento (ADAD).
Estima-se que seja despejado um camião de lixo no mar, cheio de plásticos, a cada minuto, a nível mundial.
O Fórum Económico Mundial previu, em 2016, que, se as tendências se mantiverem, os oceanos poderão ter mais plástico do que peixes, até 2050.
Num estudo publicado em Junho, o Banco Mundial explorou a viabilidade “dos créditos de plástico como um mecanismo emergente, baseado em resultados, capaz de ligar o financiamento público e privado com actividades específicas de combate à poluição”.
Actividades como a reciclagem que desponta no país: “Basta que nos apoiem, nós estamos prontos para continuar”, diz Cipriana, ao pegar no carrinho de mãos, para o voltar a encher com lixo de plástico em São Francisco.