Financiamento da saúde em Cabo Verde fica abaixo da meta de Abuja

PorEdisângela Tavares,16 fev 2025 10:11

O Relatório de Contas da Saúde 2019 – 2021, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelou que a participação do Estado no financiamento da saúde não atingiu o compromisso de Abuja, que prevê a alocação de 15% do orçamento geral do Estado para o sector. Estima-se que financimento aumente para 11% do OE, segundo o antigo Director Nacional da Saúde, Artur Correia.

Relatório de Contas da Saúde 2019-2021

O Relatório de Contas da Saúde 2019-2021, divulgado pelo INE, revelou que as despesas com remuneração de trabalhadores e produtos farmacêuticos continuam a ser as principais rubricas do orçamento da Saúde, enquanto as famílias arcam, em média, com 25% dos custos diretos, especialmente em medicamentos. O Governo financia a maior parte das despesas com doenças infecciosas (43,9%), enquanto as doenças não transmissíveis recebem menos recursos. Entre 2019 e 2021, os gastos totais com saúde cresceram 10,9%, passando de 11,28 para 12,51 mil milhões de escudos. O relatório destaca ainda que o regime da administração pública mobilizou 74% das despesas correntes em saúde, seguido pela segurança social com 19,5%.

A realidade

Artur Correia, ex-director Nacional de Saúde, que exerceu funções entre Agosto de 2018 e Outubro de 2020, numa análise ao relatório para o Expresso das Ilhas, sublinhou que a meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda é um objectivo distante para muitos países africanos e destacou que o aumento das necessidades de saúde exige um financiamento correspondente.

“Esse desígnio é uma caminhada longa, porque a maior parte dos países africanos estão muitíssimo abaixo desse valor e nós temos estado, nos últimos cinco anos, entre 8% e 11% do orçamento geral do Estado”, afirmou, acrescentando que a previsão para 2025 está em torno de 11%. São criadas novas necessidades com a vinda de especialistas, a aquisição de novos equipamentos, tudo isso demanda mais financiamento. É verdade que o orçamento tem aumentado, mas a caminhada para os 15% ainda falta muito. Esse défice impacta a contratação e formação de profissionais, a compra de equipamentos e a melhoria das infraestruturas de saúde”, explicou.

Impacto na qualidade da saúde

A insuficiência do orçamento pode comprometer a qualidade do serviço prestado à população. Artur Correia sublinhou que as despesas com remuneração dos trabalhadores e produtos farmacêuticos representam a maior fatia do orçamento da saúde e considera que essa distribuição de recursos é inevitável.

“É com esse orçamento que se contratam mais enfermeiros, médicos e técnicos de saúde. Também permite realizar formações e garantir equipamentos e infraestruturas de saúde adequadas. Com a nova PCFR (Plano de Carreira, Funções e Remunerações), o orçamento para pessoal aumentará consideravelmente, especialmente na classe médica, o que já era uma necessidade. É um investimento essencial para garantir melhores condições de trabalho e melhorar a qualidade da prestação dos serviços”, defendeu.

Outro dado relevante do relatório aponta que as famílias cabo-verdianas pagam, em média, 25% das despesas directas com cuidados de saúde. Este peso significativo recai, sobretudo, sobre os produtos farmacêuticos, o que levanta preocupações quanto à acessibilidade dos serviços de saúde.

“Os pagamentos directos representam uma fatia muito grande, comparados com o INPS. A OMS aconselha a redução dessas despesas, pois podem levar ao empobrecimento das famílias, especialmente em casos de doenças graves que exigem tratamentos prolongados e dispendiosos”, alertou Artur Correia e defendeu que o governo deve trabalhar para diminuir esse encargo, garantindo uma maior cobertura pelo sistema de previdência social e ajustando os custos de acordo com os rendimentos das famílias.

Doenças Infecciosas vs. Doenças Não Transmissíveis

O relatório também indica que as doenças infecciosas e parasitárias receberam a maior parte do financiamento público, enquanto as doenças não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, tiveram um orçamento inferior. No entanto, segundo Artur Correia, esta realidade pode ser explicada pelo impacto da pandemia da Covid-19.

“De 2019 a 2021, enfrentámos a pandemia da Covid-19, que exigiu um aumento significativo do orçamento para as doenças transmissíveis. No entanto, as doenças não transmissíveis são as que terão maior impacto nos próximos anos, devido ao aumento da esperança de vida da população”, afirmou, defendendo um maior investimento na prevenção e promoção da saúde.

O ex-director Nacional de Saúde realçou que Cabo Verde deve focar-se na melhoria dos cuidados terciários e hospitalares para reduzir a necessidade de evacuações médicas para o exterior.

“Já avançámos com a implantação da hemodiálise na Praia e em São Vicente, mas é preciso continuar a investir para garantir que mais patologias possam ser tratadas no país”, concluiu.

Apesar dos avanços, a caminhada para atingir os 15% do orçamento geral do Estado destinados à saúde continua a ser um desafio. Para este responsável, garantir um financiamento adequado é essencial para fortalecer o sistema de saúde e assegurar o acesso equitativo e de qualidade para todos os cabo-verdianos.

O relatório das CS referente ao período de 2019-2021 dá continuidade ao trabalho iniciado com o relatório de 2017-2018 e é fruto de uma forte parceria entre o INE, o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS) em Cabo Verde. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1211 de 12 de Fevereiro de 2025.

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Autoria:Edisângela Tavares,16 fev 2025 10:11

Editado porAntónio Monteiro  em  17 fev 2025 9:14

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