Quais são as vantagens competitivas para as empresas cabo-verdianas optarem por esta estratégia ESG?
Ao nível governamental, há um quadro legislativo e de apoio institucional que deve ter respaldo naquilo que vai saindo noutros países, e deveria dizer um quadro legal daquilo que vai saindo em termos europeus, para poder ver o alinhamento entre o que se passa em Cabo Verde e o que se passa na Europa. Esse respaldo legal deve ser o esteio para que depois as empresas procurem soluções, e procurem estar a operar dentro desse quadro, nas várias dimensões, quer na dimensão ambiental, quer na dimensão social, quer na dimensão de governança. Acho que é fundamental para o país posicionar-se na vanguarda do ESG, até porque há, seguramente, maiores possibilidades de atracção de investimento directo estrangeiro se estivermos a falar de um país que tem uma preocupação claramente enquadrada dentro da lógica ESG e que favorece, que protege projectos ESG. Depois, as empresas nacionais ou internacionais que aqui estejam devem actuar de modo a que possam, por exemplo, ser acarinhadas. O acarinhamento das empresas passa por várias medidas, desde fiscais, a incentivos dados, por exemplo, pela banca nos empréstimos, que permitam desenvolver projectos que tenham por base estas questões ambientais, sociais e de governo.
Como é que se deve apoiar as empresas no desenvolvimento das suas estratégias ESG? Políticas públicas específicas? Apoios dos bancos, como referiu?
Ao nível governamental, há aqui um apoio que deve ser muito claro face às boas práticas. Por exemplo, uma isenção de algum tipo de impostos ou um benefício a determinado tipo de pagamentos ao Estado, para que a empresa se sinta motivada a investir e não seja penalizada pelo investimento. Primeiro, porque é um investimento e custa dinheiro e se não houver este respaldo legal para motivar as empresas, é difícil que as empresas, por sua própria iniciativa o façam. A menos que se queiram diferenciar muito das restantes, vão sempre à procura do baixo custo, para terem baixo preço. Agora, estamos num mercado em que temos pelo menos duas, três empresas que podem candidatar-se a ser exportadoras para o mercado africano. Este argumento de produção e serviços praticados com consciência ambiental, com responsabilidade social, com modelos de governança sólidos, é uma forma de conseguir mais facilmente entrar nos mercados externos. O papel do governo tem que ser de apoio explícito. E isso manifesta-se normalmente em redução efectiva de alguns impostos a pagar. Pelo menos nos primeiros anos, até que haja resultados palpáveis dos projectos.
Segundo os últimos dados, 83% das empresas cabo-verdianas são microempresas, 77% não têm a contabilidade organizada. Estas empresas estão fora deste tipo de quadro ou podem, na mesma, tentar implementar estratégias ESG?
Isso é um bocadinho à semelhança do que acontece em Portugal. Se nós criamos quadros de referência em que os indicadores de ESG sejam muitíssimos, tal como os europeus, difíceis de interpretar, de uma complexidade enorme, as empresas não se vão candidatar, porque elas têm um mecanismo de pequenas, médias, micro empresas, e passam ao lado de tudo isto. Temos que conseguir, e aí está a grande arte, saber produzir um conjunto de 3, 4 indicadores iniciais e não mais, que sejam entendíveis pelas empresas. Que possam ser fáceis de ser aplicados. E que tenham benefícios para as empresas na forma como elas os aplicam. E que às empresas, percebendo esse quadro onde se movimentam, seja fácil chegarem a esses três, quatro indicadores.
Por exemplo?
Coisas tão simples como redução de consumo de água, redução de consumo de electricidade, etc., têm de ser coisas muito simples. Implementação, por exemplo, de um sistema de aquecimento de água solar ou alguma energia a não ser comprada directamente à Electra, mas autoproduzida. Todas estas pequeninas peças, juntas, podem fazer grandes diferenças. É preciso é que as empresas as entendam. Agora, começarmos com quadros legais muito complexos, com indicadores muito complexos, torna tudo mais complicado.
Conhece a realidade portuguesa. Como é que as empresas estão a integrar a estratégia ESG nos seus modelos de negócio?
Há duas realidades. Há as grandes empresas e essas vão ser obrigadas, por normativo comunitário, a terem o relato integrado, que é um quadro complexo, é um derivado de uma transposição comunitária, mas que é complexo. Essas estão obrigadas, aquelas que estão cotadas em bolsa estão obrigadas, as grandes empresas vão estar obrigadas, porque é uma questão de sobrevivência para as próprias empresas. Não podem deixar de lá estar, porque há um quadro, no horizonte temporal de 2050, de descarbonização e carbono zero e, portanto, quanto mais tarde começarem, mais difícil será lá chegar. O Estado também pode qualificar em concursos públicos empresas apenas que apresentem determinadas práticas, que sejam conformes com o enquadramento legal estatuído, que toque as vertentes ambientais, sociais e de governança que as empresas terão que cumprir. Sem o que, não se podem candidatar a fornecer o próprio Estado. Isto é outra forma, para além dos impostos, de conseguir aprofundar passos positivos no sentido das melhores práticas. Para as pequenas e micro empresas, é sempre muito difícil se o quadro for complexo.
Que desafios estão a enfrentar as empresas que estão a implementar as práticas ESG e como é que estão a lidar com esses desafios?
Isto é paulatino. Temos um problema de descarbonização com metas para 2050, temos um problema de biodiversidade, temos um problema de economia circular e de implementação de práticas de economia circular, temos um problema de diversidade, temos um problema de saúde e bem-estar nas empresas, trabalho digno, cadeias de abastecimento que sejam limpas, temos um commitment por parte da população que tem que ser trabalhado pelas instituições estatais e temos um problema de governance das empresas, ao nível ético, ao nível de remuneração, ao nível da diversidade dos conselhos de administração, ao nível dos checks and balances desses conselhos. Há uma série de práticas e de desafios. Se me pergunta: quais são os desafios? Imensos. Mas mais uma vez, temos que começar pequenino. Se começamos muito grande, como têm feito alguns países, e com um quadro ninguém percebe, porque as empresas não são capazes de perceber quadros legais muito complexos, vamos continuar na mesma.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1234 de 23 de Julho de 2025.