Banco de Leite Humano do Hospital Agostinho Neto celebra 14 anos e projecta certificação de qualidade internacional

PorEdisângela Tavares,10 ago 2025 9:23

O Banco de Leite Humano (BLH) do Hospital Universitário Agostinho Neto (HUAN) assinalou, no dia 1 de Agosto, o seu 14.º aniversário, com mais de cinco mil litros de leite recolhidos e mais de quatro mil crianças beneficiadas desde a sua criação. Segundo a coordenadora do BLH, a meta agora é alcançar a certificação de qualidade atribuída pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no âmbito do Programa de Certificação Fiocruz de Bancos de Leite Humano (PCFioBLH), recentemente alargado a países de cooperação como Cabo Verde.

A Semana Mundial do Aleitamento Materno, celebrada este ano sob o lema "Priorizemos a Amamentação: Construindo Sistemas de Apoio Sustentáveis", tem como objectivo principal promover e proteger o aleitamento materno, reconhecendo os seus benefícios para a saúde infantil e materna.

No evento comemorativo dos 14 anos do BLH-HUAN - onde foram homenageadas as doadoras de leite e de frascos, bem como os parceiros da sociedade civil e colaboradores do banco -, a coordenadora Ester Lopes destacou que, além da certificação internacional por meio do programa da Fiocruz, o alargamento do horário de funcionamento do banco também constitui uma das principais prioridades.

“A meta da certificação inclui, além de seguir correctamente os procedimentos técnicos de colecta, processamento, armazenamento e distribuição, o cumprimento de normas de higiene e segurança alimentar, que nós seguimos correctamente. Temos ainda outra meta, que é o alargamento do horário de funcionamento. Actualmente, o Banco de Leite funciona apenas no período da manhã até à tarde. À noite não funciona, e nós sabemos que isso traz alguma dificuldade. Seria bom se conseguíssemos mais pessoal e alargar os turnos de serviço, porque a realidade do país exige isso”, afirmou.

Certificação de Qualidade

A coordenadora explicou que, para obter esta certificação, o Banco de Leite precisa de passar por um rigoroso processo de avaliação que verifica se os procedimentos técnicos de colecta, processamento, armazenamento e distribuição do leite humano são seguidos correctamente; se são cumpridas as normas de higiene e segurança alimentar; se existem registos e controlo rigoroso da qualidade; e se o leite doado é seguro para os bebés que o vão receber.

“Receber esta certificação significa que o Banco de Leite foi auditado e aprovado pela rede coordenada pela Fiocruz, assegurando que funciona de acordo com os mais altos padrões internacionais de qualidade e segurança”, sublinhou.

Doadoras

Desde Janeiro e até ao primeiro dia de Agosto, foram registadas 130 doadoras de leite. A coordenadora ressalva, no entanto, que o período de doação varia. “Tem algumas que vão até um ano a doar leite e outras que doam por períodos mais curtos, como três meses, ou apenas uma doação, conforme o excesso de leite da doadora.” Ester Lopes sublinhou ainda que não é possível falar em planos para aumentar o número de doadoras, pois a decisão depende da vontade de cada mulher. “O que podemos fazer é mais campanhas de sensibilização e promover o aleitamento materno. Claro que temos a perspectiva de aumentar.”

Ao ser questionada sobre os principais obstáculos a amamentação exclusiva até os seis meses de vida do bebé, a responsável aponta a falta de apoio como o maior desafio para as mães manterem o aleitamento materno exclusivo.

“É fundamental ter uma rede de apoio forte que abranja as famílias, parceiro, comunidade, estrutura onde a mãe trabalha. Sem isso é muito difícil, porque a mulher cuida do bebé e muitas vezes tenta dar conta de tudo. Mas o maior questionamento é: quem cuida da mãe? Ela perde noites de sono, sofre sobrecarga, e, a partir do momento em que tem o bebé, deixa de ser o centro das atenções. Todos os olhos estão virados para o bebé, o que leva a frustração, stress e cansaço. É importante ter pessoas a incentivar e ajudar.”

Quanto às vantagens do aleitamento materno para a mãe, destacou a redução do sangramento pós-parto, a ajuda na perda do peso ganho durante a gravidez, a prevenção do cancro da mama, a melhoria da autoestima e a poupança financeira. “Também falamos do benefício para a criança, que adoece menos e tem mais rendimento.”

BLH – Hospital Universitário Agostinho Neto

O BLH de Cabo Verde é o primeiro banco de leite humano em África a integrar-se na rede internacional coordenada pelo Brasil. Só este ano, já foram recolhidos mais de 20 litros de leite. Em 14 anos, o Banco recolheu mais de 5 mil litros. “Às vezes temos crianças que precisam de apenas 1 ml de leite, como temos crianças que precisam de 50 ou mais ml em cada toma. Por isso, o stock que temos é considerável, com margem de manobra tranquila para satisfazer todas as necessidades.”

Os recursos humanos continuam a ser um desafio, assim como o espaço, que já se mostra pequeno. “Mesmo sendo pequeno, continuamos a respeitar todas as normas de segurança, e tudo o que fazemos aqui está dentro das normas internacionais. O nosso principal objectivo é garantir que cada gota de leite tenha a qualidade necessária, porque é destinada a um recém-nascido que está na sua fase frágil. Nessa altura, o leite não é apenas um alimento, faz parte da terapia também. Por isso primamos sempre pela qualidade e não pela quantidade.”

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Mais de quatro mil crianças já beneficiaram do Banco de Leite nestes 14 anos, não só no HUAN, mas também no Hospital Regional Santa Rita Vieira e no Hospital Baptista de Sousa, em São Vicente. Ester Lopes garante a boa relação com os parceiros que considera, mais que a rede de apoio, membros da “família de leite”.

“A relação entre as doadoras e o Banco é de família. Quando uma mãe entra, ela está numa fase muito frágil, no pós-parto. Temos uma política de atendimento de nos colocarmos no lugar do outro. A mãe só entra, e continuamos com uma rede de amizade e de família, a família de leite. Conhecemo-nos nesta situação e o relacionamento perdura.” A coordenadora recorda que a doação não envolve apenas a mãe, mas toda a família que dá suporte à amamentação. “Temos tendência a romantizar a amamentação, mas quem já passou sabe das dificuldades. Trabalhamos com a ‘família que amamenta’, o casal, outros filhos que também precisam. Se não houver apoio, a mulher não terá sucesso. Isso inclui as empresas, porque quando a mãe volta ao trabalho, se não tiver bom acolhimento e suporte, vai fracassar no seu projecto de amamentação. Queremos que todos se envolvam, porque quem sai a ganhar não é só a família, mas a sociedade e o país. Haverá menos crianças doentes, menos separação de famílias, mais pessoas inteligentes. Estamos a semear hoje para colher no futuro, porque são eles que vão cuidar de nós.”

Doar amor em forma de leite

Em declarações ao Expresso das Ilhas, Ester Spínola, que foi a maior doadora de leite humano do HUAN no período de 2017 a 2018, contou que o início da sua jornada poderia ter sido diferente se tivesse acesso à informação desde o primeiro momento.

“É importante passar as informações. No meu caso, fui ter o meu bebé em Assomada, então passei 17 dias a despejar o excesso de leite na sanita, porque não sabia como recolher. Além disso, estava num período stressante. A amamentação em si foi tranquila, não tive fissuras nem nada, mas tinha muitos pontos do parto e não conseguia amamentar sentada. Amamentava a minha bebé de pé e passei um mês sem me sentar. Isso contribuiu para que os 17 dias que estive em Assomada fossem muito cansativos e stressantes, estava sem paciência para nada.”

Foi por orientação de uma amiga obstetra que Ester começou a fazer a ordenha para aliviar a dor causada pelo empedramento dos seios.

“Ela explicou que eu tinha excesso de leite e precisava fazer a ordenha de maneira contínua. No regresso à minha casa, na Cidade da Praia, informei-me melhor junto ao Banco de Leite e explicaram-me o procedimento. Fazia a ordenha em casa e a equipa do banco ia buscar. Como não tinha um electrodoméstico próprio para armazenar, separei um espaço no frigorífico, acondicionando o leite em frascos de vidro e dentro de várias sacolas de plástico, para que não ganhasse cheiro ou gosto de outros alimentos.”

O aleitamento materno exclusivo foi mantido até aos seis meses e, segundo Ester, foi uma experiência única. “Tenho saudades de amamentar. É uma conexão inexplicável entre mãe e bebé, momentos únicos. Até hoje a minha filha é muito saudável. Quando tomava vacinas, não ficava com febre, apenas mais calma”.

Outra doadora é Caicha, que começou a sua jornada com o BLH recentemente e destaca o acolhimento da equipa do BLH.

“Estou a doar leite desde o dia 18 de Junho. Tomei essa decisão porque o meu filho já não precisa de tanto e decidi doar amor para outros bebés. Sinto-me muito feliz e contente. Em casa, procuro ter uma boa alimentação. Aqui no BLH praticam uma política bem humana, são bastante acolhedoras e prestativas. Mais do que profissionais, são amigas e família de leite. Recebem-nos sempre com muito carinho e um abraço, conversam connosco e encorajam-nos, fazendo-nos sentir bem como pessoa, mulher e mãe, independentemente de sermos doadoras ou termos um bebé receptor.”

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1236 de 6 de Agosto de 2025.

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Autoria:Edisângela Tavares,10 ago 2025 9:23

Editado porAndre Amaral  em  11 ago 2025 11:55

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