Afirmações feitas ao Expresso das Ilhas pelo pneumologista do Hospital Baptista de Sousa, em São Vicente, José Luís Spencer.
Segundo o especialista, a pneumonia é uma das principais causas infecciosas de morbilidade infantil, enquanto a tuberculose continua presente, com incidência que tem vindo a diminuir desde meados da década de 2010, mas mantém-se relevante.
“A pneumonia é um dos principais motivos de consulta e internamento em crianças menores de cinco anos e continua a contribuir para a mortalidade infantil. O peso desta doença no SNS depende de dados de vigilância e de estimativas”, diz.
Quanto à tuberculose, José Luís Spencer aponta que o país notificou cerca de 200 casos por ano em torno de 2020–2022 e que a incidência foi estimada em 35 por 100.000 habitantes, segundo o plano nacional.
“Fontes alternativas indicam valores até 47/100.000 em 2023, conforme bases de dados internacionais. O país reportou melhoria na cobertura de tratamento e redução da incidência na última década”, complementa.
Causas de pneumonia e grupos vulneráveis
As causas são variadas e incluem tanto vírus respiratórios, como o da gripe, como bactérias, em particular o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae tipo B, embora a vacinação tenha reduzido estes últimos, conforme explica o pneumologista.
Crianças menores de cinco anos, especialmente menores de dois anos, idosos e pessoas com comorbilidades (doenças crónicas, imunossupressão, desnutrição) constituem grupos vulneráveis.
“Estas vulnerabilidades reflectem padrões globais e regionais”, diz.
A vacina contra o pneumococo não faz parte do Calendário Nacional de Vacinas, embora esteja disponível em farmácias privadas, conforme o especialista.
“Está a ser prescrita pela maioria dos pediatras e é comparticipada pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)”.
Já a vacinação contra a gripe sazonal é recomendada para grupos de risco, como idosos e pessoas imunocomprometidas.
Empresas que lidam com grandes grupos de trabalhadores também têm apostado nesta imunização como forma de reduzir o absentismo laboral.
Tuberculose
A incidência da tuberculose passou de 45 por 100 mil habitantes em 2005 para 35 por 100 mil habitantes em 2020, segundo o Plano Estratégico Nacional, com notificações anuais na ordem de 200 casos por ano em torno de 2020–2022.
“Bases internacionais reportam estimativas para 2023 que podem variar, por exemplo, 47/100.000, segundo aglomerados de dados. Há sinais de melhoria no tratamento e na cobertura”, explica José Luís Spencer.
O pneumologista refere que a doença é sensível à proximidade ou aglomerados urbanos, condições de habitação precárias, desnutrição, coinfecção VIH em casos particulares, mobilidade/migração, atrasos no diagnóstico e abandono terapêutico.
“Estes factores aplicam-se também ao contexto cabo-verdiano”, pontua.
De acordo com o médico, existem casos confirmados de tuberculose multirresistente em Cabo Verde, mas a literatura e relatórios nacionais indicam que, historicamente, não é uma grande epidemia no país.
“Casos diagnosticados foram tratados segundo protocolos nacionais (tratamento segundo regime e observação), e há atenção para garantir que estes casos sejam seguidos e referenciados correctamente”.
Diagnóstico
Como arquipélago, Cabo Verde enfrenta desafios logísticos, como o acesso ao diagnóstico laboratorial (radiografia, teste molecular para tuberculose), e o seguimento pode ser mais difícil em ilhas menores ou mais remotas, segundo o especialista.
“Relatórios da OMS e do Ministério da Saúde, subnacionais, descrevem esforços de descentralização, mas a acessibilidade inter-ilhas e as interrupções por eventos climáticos são constrangimentos reconhecidos”, refere.
Aliás, prossegue, o tratamento de primeira linha está disponível no Sistema Nacional de Saúde e a observação directa é prática recomendada. Contudo, o acompanhamento, face à necessidade de viagens inter-ilhas, rotinas de vigilância e recursos humanos, pode dificultar o seguimento completo em zonas remotas.
“Há capacidade básica (laboratórios, unidades de saúde), mas a capacidade molecular moderna e o acesso equitativo entre ilhas podem ser limitados. O país tem trabalhado na descentralização e no reforço da vigilância, com apoio técnico da OMS e de parceiros”.
Outras doenças respiratórias relevantes
A asma e a bronquite crónica estão presentes e fazem parte do que os especialistas chamam de “duplo fardo” das doenças transmissíveis e não transmissíveis.
“A carga relativa das doenças respiratórias crónicas tende a aumentar com o envelhecimento e a exposição ao tabaco e à poluição”, explica.
Poeiras, poluição do ar (partículas finas), humidade e condições de habitação influenciam a incidência e a gravidade das doenças respiratórias.
“Cabo Verde, por ser um arquipélago com ilhas áridas e poeirentas e com variações sazonais, pode ver flutuações de sintomas respiratórios associadas a factores ambientais”, afirma.
As chuvas e cheias de 11 de Agosto, que assolaram São Vicente, trouxeram riscos adicionais, além das vítimas, desalojados e destruição de infra-estruturas.
“Estes eventos podem aumentar o risco de doenças respiratórias a curto e médio prazo devido a: desalojamento, habitações danificadas (humidade, bolor), interrupção de serviços de saúde e aumento da exposição a agentes infecciosos em abrigos temporários”, explica.
José Luís Spencer diz que, para dar resposta ao peso das doenças respiratórias, a formação contínua dos profissionais de saúde é considerada fundamental.
“A OMS, o Ministério da Saúde e outros parceiros têm investido em capacitação, mas manter a formação actualizada em todas as ilhas e em todos os níveis de cuidados é um desafio logístico e financeiro significativo”, reconhece.
A cooperação internacional tem sido determinante. Programas apoiados pela OMS, pelo Global Fund e por organizações não-governamentais asseguram financiamento, fornecimento de medicamentos, vacinas e capacitação técnica. “A continuidade destas parcerias é vital para que o país consiga reduzir a incidência e o impacto das doenças respiratórias”, conclui.
O pneumologista defende uma estratégia integrada e de longo prazo. “É essencial reforçar a vigilância epidemiológica, aumentar a cobertura vacinal, garantir o acesso equitativo ao diagnóstico e fortalecer os programas comunitários de acompanhamento dos doentes. Só assim poderemos reduzir o peso destas doenças”, salienta.
Para José Luís Spencer, combater as doenças respiratórias em Cabo Verde não significa apenas tratar os doentes, mas também actuar sobre os determinantes sociais e ambientais.
“Trata-se de um problema complexo, que exige respostas multidimensionais, tanto a nível nacional como internacional”, finaliza.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1244 de 01 de Outubro de 2025.
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