Óscar Santos só encontra superlativos para falar da Praia que está a festejar os 159 anos da sua elevação a cidade e o Dia do Município. Nas palavras do autarca, Praia está neste momento num ponto de inflexão. “Se até agora a cidade estava a crescer num ritmo mais ou menos lento, nos próximos dois ou três anos a Praia vai dar um salto enorme”, anuncia.
O que a Praia tem dado ao país e o que ela tem recebido?
A Praia, como todos sabem, mudou muito em todos os aspectos nos últimos 9 anos. Hoje, a autoestima dos praienses está num patamar muito mais elevado do que há alguns anos atrás. A Praia mudou significativamente em vários domínios: saneamento, infraestruturas básicas, desportivas e é agora considerada capital da cultura cabo-verdiana e uma referência para as outras câmaras municipais, o que é muito bom para a capital do país.
E o que a Praia tem recebido?
Realmente quando fazemos, não esperamos nada em troca. Estamos aqui para trabalhar e se as pessoas estão felizes é porque estamos a fazer bem as coisas.
As festividades estão orçadas em 30 mil contos. É um dinheiro bem gasto?
Seguramente que é um dinheiro bem gasto, porque nós temos uma cidade que tem gentes de todas as ilhas e de praticamente de todos os continentes. Praia é a cidade mais cosmopolita de Cabo Verde e por isso temos que ter muita actividade cultural que una as pessoas. Portanto, é a cidade da Praia que nos une. Talvez os 30 mil contos sejam insuficientes para as necessidades que a capital tem. Vamos preencher todo o mês de Maio com as festas do município, que iniciamos no dia 29 de Abril até 30 de Maio, cujo ponto alto é o festival da Gamboa. Como sabe, este festival custa muito, mais de 20 mil contos. Isso significa que só em festivais são canalizados mais de dois terços desse montante. Para além disso, temos corrida de cavalos e um conjunto de actividades desportivas e culturais para tornar a cidade cada vez mais atractiva. Gostaríamos de gastar mais para as festas do município e, seguramente, para o próximo ano em que a Praia celebra 160 da sua elevação à categoria de Cidade, iremos gastar um pouco mais.
A bancada municipal do PAICV acusou a CMP de conseguir angariar 30 mil contos para gastar em festivais e para 60 mil contos para obras municipais tem de ir à banca.
As pessoas têm que ter a noção das necessidades desta cidade. Disse-lhe que só no festival da Gamboa vamos gastar 20 mil contos. Depois temos outros eventos como a Corrida de Liberdade, o Carnaval, o Kriol Jazz Festival. No festival da Gamboa deste ano vamos apoiar o programa Wel come NôsTera para mulheres empresárias de Santiago, depois vamos ter Noite Branca, a festa que marca o final do ano. É uma cidade que precisa gastar para manter essa dinâmica e já não podemos voltar atrás. A CMP tem que ir à banca, porque não podemos contar só com as receitas próprias que são cobradas ao longo do ano. E muitas obras têm caracter de urgência com dois a três meses de execução. Por exemplo, uma asfaltagem não se faz a conta-gotas. Uma vez que os equipamentos são mobilizados, as obras não podem demorar mais que 45 dias, sob pena de acarretarem custos adicionais à empresa executante. E para concluir a obra, é necessário que a câmara tenha meios disponíveis para pagar. É por isso que nós temos que ir necessariamente à banca, porque o dinheiro está nos bancos. A bancada do PAICV critica porque é função da oposição camarária criticar. Mas a questão que se coloca é se os recursos financeiros da câmara estão sendo bem gastos ou não. Isso é que interessa. A asfaltagem da Achadinha, de Achada Santo António, da Cidadela, as obras de requalificação e os campos relvados feitos nos últimos anos são obras que transformaram a cidade. Isso significa que a câmara, apesar de estar a endividar-se, está a gastar dinheiro em obras que mudam a cidade.
No âmbito das festividades, foi inaugurada no início deste mês a exposição fotográfica “Um Olhar sobre Praia”. Que olhar sobre a Praia lança neste mês de Maio de 2017?
Eu acho que a cidade da Praia está a viver um momento interessante do seu percurso social e económico. Com as propostas de empreendimentos hoteleiros nesta cidade, sobretudo na orla marítima, eu diria que a Praia está praticamente num ponto de inflexão. Ou seja, se até agora a Praia estava a crescer num ritmo mais ou menos lento, eu acredito que nos próximos dois ou três anos, a cidade vai dar um salto enorme. Com a edificação desses hotéis sobretudo na orla marítima, nomeadamente o Casino, no Ilhéu Santa Maria, o KK, em Quebra-Canela, o Hotel na Gamboa e o hotel na encosta da Achada Grande, o Charles Darwin, são empreendimentos turísticos de standing muito elevados, o que significa que a cidade vai ser capacitada para receber grandes conferências internacionais, o que vai colocar a Cidade da Praia cada vez mais no roteiro internacional.
Qual a sua visão para a Praia e o que pensa alcançar no seu mandato?
Nós definimos como visão estratégica para este mandato, ter uma cidade inclusiva, planeada e ordenada. Isto significa que vamos dar muita atenção ao planeamento e organização do comércio informal. Definimos como segundo eixo estratégico ter uma cidade competitiva e aberta ao mar. O que é que isto significa? Significa que nós, durante muitos anos, habituamo-nos a viver para dentro, ao passo que temos uma orla marítima ainda por explorar. É esta a nossa vantagem comparativa e aí está o futuro da economia desta cidade. O terceiro eixo é termos uma cidade comprometida com o ambiente. Nós queremos atrair mais investimentos externos para promover mais emprego, mas queremos manter um ambiente saudável para atrair ainda mais investimentos para o bem do país e desta cidade.
Diz que quer ter uma cidade mais inclusiva. O que significa inclusão para si?
Significa muita coisa. Praticamente tudo o que a câmara faz é inclusão. Quando construímos um campo relvado em São Pedro Latada, onde os jovens não têm acesso a essa infraestrutura desportiva, estamos a trabalhar para a inclusão. Quando temos centros de idosos em Castelão, na Várzea e na Vila Nova, é inclusão. Quando realizamos o Praião do Desporto, estamos a estamos a promover inclusão social. Há dias terminamos a Taça da Praia, a maior competição de Santiago-Sul, é também inclusão. A asfaltagem da Achadinha é também inclusão. Este ano conseguimos incluir mais 150 crianças nos jardins da câmara municipal, é também inclusão. Temos cerca de 1.200 crianças nos jardins que pagam cerca de 200 escudos mensais, é também inclusão social. Praticamente todo o trabalho que a câmara faz é inclusão social: inclusão de pessoas e inclusão também dos bairros nesta grande cidade.
Quem fica fora desta inclusão, pelo menos segundo o presidente do Parlamento da CEDEAO, são os senegaleses. O que é que contrapõe?
No nosso programa vamos fazer um plano de integração dos imigrantes. A câmara tem uma boa relação com a associação de imigrantes. Todos os anos, no dia 18 de Dezembro, nós celebramos o “Dia Municipal dos Imigrantes”. Apesar das limitações da CMP, nós fazemos tudo o que está ao nosso alcance para integração dos imigrantes. Obviamente que a câmara tem limitação de recursos, mas aquilo que é da nossa competência, estamos a fazer.
Acredita que os senegaleses passam por um calvário em Cabo Verde, de acordo com as afirmações do presidente do Parlamento da CEDEAO.
Acho que ele exagerou um pouco. Eu não acredito que os senegaleses que estão cá vivem num calvário. Eu conheço senegaleses que estão muito bem enquadrados profissionalmente no mercado de trabalho aqui na Praia. Não significa que um ou outro não esteja em situação não muito favorável, mas isso não é a regra. Mas acho que a esmagadora maioria está muito bem enquadrada nesta cidade.
Praia cresce em termos populacionais a uma média superior à nacional, 2,4% por ano. Qual é o lado negativo deste crescimento incontrolado e como pôr cobro à situação?
Toda a cidade tem aspectos positivos e negativos, assim é a vida. Mas acho que os aspectos positivos ultrapassam de longe os aspectos negativos. Temos uma cidade que cresce rapidamente, tem actualmente cerca de 150 mil habitantes. De facto, no passado não houve uma cultura de planeamento da cidade. O espaço urbano que nós herdamos obriga-nos a fazer um esforço enorme para a sua organização, em todos os níveis. É só ver o Platô que era completamente desorganizado com pessoas a venderem nos passeios e agora está completamente diferente. Criamos vários espaços para a prática do desporto e lazer, como por exemplo, na Quebra-Canela. Hoje as pessoas têm mais espaço para andar e caminhar. Temos os fitness park em quase todos os bairros. Portanto, é uma cidade que respira agora com muito mais alegria do que no passado. Obviamente que há coisas que a câmara sozinha não consegue fazer. A cidade da Praia recebe uma população ambulante de cerca de 45 mil pessoas diariamente. Muitas pessoas querem viver na Cidade da Praia, porque é onde há mais oportunidades de emprego. Tudo isso coloca uma pressão enorme sobre a câmara municipal e gera situações não muito boas: crescimento urbano desorganizado, assentamentos informais, construção de casas em encostas, etc. Essas situações tornam o trabalho da câmara muito mais difícil, sobretudo a nível do saneamento do meio. Mas eu acho que no cômputo geral, a cidade está no bom caminho e vamos fazer um esforço enorme para organizar e transformar a Praia numa cidade cada vez mais atractiva para o bem de nós todos.
O Estatuto Especial para a Cidade da Praia, de que é a favor, não irá acelerar ainda mais o fluxo em direcção à capital?
O Estatuto Especial é uma norma que está na Constituição e assim sendo não deveria haver muita polémica à volta. Como sabe, todas as cidades capitais precisam do Estatuto Especial por causa dos custos da capitalidade. E hoje, mais do que nunca, não é só por razões de natureza económica que torna importante o Estatuto Especial, não só para a Praia, mas para Cabo Verde. Como disse atrás, a Praia está a se preparar para receber um conjunto de investimentos importantes na sua orla marítima, o que vai exigir da câmara municipal um esforço adicional sobretudo no domínio do saneamento, no domínio do trânsito e da sua disciplinação de forma a permitir que mais investimentos venham para esta cidade. Creio que todos os deputados da Nação vivem na Cidade da Praia e conhecem muito bem os seus problemas. Portanto, se pusessem de parte toda a politiquice, facilmente poder-se-ia chegar a um consenso sobre a necessidade do Estatuto Especial. E sendo atribuído o Estatuto Especial e os devidos recursos financeiros, a CMP teria muito maior responsabilidade em organizar esta cidade. E com mais recursos financeiros, a cidade da Praia estaria preparada para receber não só qualquer cidadão de Cabo Verde que queira viver na capital, como também qualquer cidadão do mundo que quisesse passar aqui uns dias, ou mesmo fixar residência. É claro que não se pode abordar a questão do Estatuto Especial de forma isolada. O Estatuto Especial é para a Cidade da Praia, mas é preciso também que todo o interior de Santiago tenha desenvolvimento. Não podemos aspirar a um desenvolvimento completamente desequilibrado; as outras ilhas também têm que avançar, os outros municípios têm que avançar. Ou seja, se não se estancar o fluxo do interior de Santiago e das outras ilhas, se não se resolver o problema do campo, obviamente que todos quererão vir viver na Praia – com ou sem Estatuto Especial. Isso significa que Cabo Verde no seu todo tem que avançar. Portanto, a questão que se põe em relação ao Estatuto Especial é que Praia é a capital do país, o poder político está aqui, as embaixadas estão todas aqui. Nós precisamos de uma cidade organizada porque é a capital do país. Mas, de per si, só o Estatuto Especial e os recursos alocados não resolvem os problemas desta cidade. É necessário políticas que promovam o desenvolvimento do interior de Santiago e das outras ilhas.
O governo transferiu ou vai transferir para as câmaras algumas competências, nomeadamente a gestão dos Centros de Juventude e de Desenvolvimento Social e as casas de Classe A do projecto Casa para Todos. Como avalia essas transferências?
A transferência para a CMP do Centro de Juventude do Parque 5 de Julho foi na verdade uma devolução porque aquilo já pertencia à câmara, só que tinha sido apropriado pelo governo anterior. Em relação às casas de Classe A do projecto Casa para Todos há um memorando assinado com a Associação Nacional dos Municípios, mas a transferência para a Câmara da Praia ainda não se concretizou. Estamos, neste momento, a trabalhar em termos de procedimentos para podermos atender à demanda das pessoas. O que vamos fazer é, de acordo com critérios muito bem definidos, proceder à escolha dos beneficiários. Sabemos que existem algumas barracas na Cidade da Praia, o que significa que vamos deslocar essas pessoas para Casa para Todos e extinguir essas barracas. A capital do país não pode ter barracas. Essa será a primeira medida assim que recebermos as casas de Classe A. Entretanto, acho que o governo deveria ter ido um pouco mais além, cedendo também às câmaras municipais as classes B e C para que pudessem fazer a comercialização dessas casas, criando desta forma um fundo que poderia ser gerido pelas ONGs para financiar a requalificação de habitações. Como se sabe, temos na Cidade da Praia um défice habitacional qualitativo de cerca de 16 mil casas. E uma das formas de dar resposta a essas preocupações é através de microfinanciamento.
Quais as propostas da CMP para a melhoria da segurança no município?
Bom, a nossa intervenção melhora, e de que forma, a segurança. Quando construímos vias de acessibilidade, estamos a contribuir para a segurança, porque significa que a polícia pode circular com mais segurança. No princípio do ano iniciamos uma campanha de demolição de vários pardieiros que servem de esconderijo aos caçobodistas. Já demolimos mais de trezentos pardieiros nesta cidade. Estamos a discutir com o governo o reforço da iluminação pública. A guarda municipal vai ser transformada em polícia municipal. É a contribuição que nós podemos dar para a segurança, não obstante ser da competência do governo central.
A videovigilância é um projecto que teima em não sair do papel. Quando é que arranca definitivamente?
Segundo informações disponibilizadas pelo governo, o projecto já foi financiado pelo governo chinês e vai arrancar em pouco tempo. A nossa contribuição aqui é indicar os pontos mais sensíveis da cidade para a colocação do sistema de videovigilância. Vamos colaborar com o governo no sentido de colocar videovigilância porque as pessoas sentem-se muito mais seguras quando sabem que têm uma cidade muito bem iluminada e com um serviço de videovigilância. A questão que se coloca é de criar o serviço de Patch em colaboração com o corpo de bombeiros e com a guarda municipal para propiciar intervenções rápidas. Daí a complementaridade entre a câmara municipal e o governo.
Porque é que o emblemático projecto do complexo turístico do Djêu do empresário David Chow está parado?
Simplesmente porque eles alteraram o projecto. Apresentaram uma nova versão que já foi aprovada pela câmara municipal e em breve arrancará. E essa obra quando arranca, arranca de uma forma intensa.
À chinesa.
À chinesa mesmo, eles trabalham de domingo a domingo até meia noite.
Disse no mês de Julho do ano passado que antes do final desse ano, o Cemitério de Achada São Filipe estaria terminado. Estamos ainda a esperar.
As obras estão praticamente concluídas. Está-se neste momento a trabalhar a parte do estacionamento, a parte administrativa e o estabelecimento comercial de apoio. Portanto, muito em breve o cemitério vai entrar em funcionamento.
Qual é o seu género musical preferido?
Jazz.
A resposta não me deixa colocar a questão que queria. Isto é, a CMP anunciou que vai transformar a Tabanka num património cultura municipal e apoiar a candidatura da Morna a património imaterial da humanidade. Como vai concilia as duas manifestações artísticas?
A Tabanka é uma manifestação cultural da cidade da Praia que no passado era muito popular e que depois entrou em decadência e recupera-se agora. E a CMP quer apoiar as tabankas de Achada Grande, Várzea e Achada Santo António na sua recuperação. A Tabanka é uma manifestação cultural que merece ser preservada na cidade da Praia. Já no mês de Junho vamos apoiar as tabankas sobretudo a de Achada Santo António que está muito bem organizada, através de uma deliberação camarária com critérios muito bem definidos sobre que tipo de apoios vamos disponibilizá-los por forma a incluirmos a Tabanka na agenda cultural da cidade. Vamos também instituir o dia 25 de Junho como o Dia Municipal da Tabanka. Obviamente que a CMP vai apoiar também a Morna, porque a morna é de todos nós. Até porque a Praia vai-se candidatar-se à Rede das Cidades Criativas da UNESCO. Para isso queremos apostar fortemente na morna que é um activo importante de Cabo Verde.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 807 de 17 de Maio de 2017.