Ulisses Correia e Silva: Queremos duplicar o rendimento das famílias na próxima década

PorJorge Montezinho,27 mai 2017 6:23

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Um ano depois da aprovação do programa do governo, o Primeiro-Ministro aceitou falar com o Expresso das Ilhas. Mais do que um balanço, é uma conversa sobre uma visão para o país. Que Cabo Verde quer Ulisses Correia e Silva no final deste primeiro mandato e como pensa lá chegar, é o resumo desta entrevista, que decorreu antes de se conhecerem as novidades sobre a TACV.

 

Cabo Verde está num momento de viragem. Actualmente o sector privado está com problemas e a dívida pública não dá margem para grandes investimentos. Com este contexto, como é que o governo está a preparar o país para os próximos tempos?

Em primeiro lugar, introduzindo factores de confiança. Como em tudo na vida, você só investe e só aposta se tiver confiança no futuro a curto e médio prazo. Nós temos estado a fazer isso, não só no sentido de termos uma nova atitude no relacionamento do sector privado, como através de alguns instrumentos. Falou na dívida pública, é evidente que é um constrangimento ao investimento, quer público quer privado. Resolvê-la pressupõe reduzir o ritmo da dívida interna e externa, controlar o défice orçamental, gerir o orçamento com mais rigor e, ao mesmo tempo, fazer crescer o país. Esse é o grande dilema: ter um constrangimento de curto prazo – a dívida – e ter de preparar o país para o crescimento. Estamos a trabalhar nessas duas vertentes. Por um lado, um processo de consolidação orçamental, por outro, criando as condições para que o mercado possa responder.

 

E como contam fazer passar essa visão, essa estratégia e esse planeamento?

A oposição, por exemplo, acusa o governo de ‘navegar à vista’.

Para já, há mudanças de tendências. O país saiu de uma estagnação económica que vem desde 2009, quando cresceu a uma média de 1 por cento. Agora estamos a crescer a taxas superiores a 4 por cento, isso não é apenas uma resposta de inércia, porque se a resposta de inércia fosse realidade estaríamos com tendência de estagnação ainda amais agravada, quer dizer que introduzimos o factor de confiança. Hoje os investidores têm projectos de expansão das suas actividades. Tivemos uma iniciativa de alívio fiscal e o Orçamento de Estado para 2017 é claro relativamente a isso. Hoje há mais folga na tesouraria das empresas para fazerem investimentos. E há confiança de que podem investir para terem um retorno a prazo. Em segundo lugar, estamos a criar um conjunto de instrumentos para a melhoria das condições de financiamento, esse é o grande problema do sector privado. Os empresários vão ao banco, têm uma exigência de capital próprio, as empresas estão descapitalizadas porque foram descapitalizadas durante muito tempo, e precisam de instrumentos que permitam que os seus investimentos aconteçam. Já criámos a Sociedade de Capital de Riscos, o Fundo de Garantia através da transformação da CV Garante, para podermos definir os mecanismos que permitam a retoma da actividade económica. Por outro lado, estamos a lançar um forte programa de empreendedorismo jovem, para lhes permitir várias saídas. Pode ser que a sua vontade seja ir para o mercado de trabalho por conta de outrem, mas também pode querer desenvolver um empreendimento empresarial, e esse programa de empreendedorismo jovem vai responder quer a questões de crédito, quer de incubação, quer de formação, para lhes permitir uma saída profissional. A nossa visão de futuro seria o quê? Termos Cabo Verde como um país com nível de estabilidade económica reforçado, um país seguro, mas um país ancorado numa zona económica dinâmica e por isso é que falamos do reforço da nossa Parceria Estratégica com a União Europeia. Não queremos que o país espere mais 40 anos, para darmos saltos precisamos de bons parceiros económicos, que nos tragam tecnologia, que nos tragam acesso aos mercados externos, que nos tragam acesso ao conhecimento, que nos tragam segurança. É por isso que esse triângulo é fundamental para nós: a relação de Cabo Verde com a Europa, com os Estados Unidos e com a África, e também com a China, que é um parceiro cada vez mais importante. A nossa perspectiva de futuro é a de um Cabo Verde que possa ultrapassar a dinâmica dos pequenos avanços, que possa duplicar o crescimento do rendimento médio dos cabo-verdianos nos próximos cinco, dez anos. Atingir níveis que permitam às pessoas sentir menos o nível da pobreza para que possam melhorar o nível de vida das suas famílias. Dar aos jovens uma perspectiva de futuro, não uma perspectiva para os próximos 40 anos, mas uma perspectiva de futuro já para os próximos cinco, dez anos. Dar às famílias condições para garantirem que podem cuidar dos filhos, que podem assegurar educação de qualidade, prestação de cuidados de saúde de qualidade, protecção social, toda a construção económico-social vai, no fundo, atingir o indivíduo. Acreditamos que nos próximos cinco, dez anos as respostas serão efectivas nesses domínios.

 

Falou em crescimento e estagnação económica. O crescimento actual está nos 4 por cento, o governo tem apontado para taxas de crescimento de 7 por cento, mas entretanto o FMI já previu um crescimento médio de 4 por cento para os próximos 4/5 anos. Como pensam conseguir esses 3 por cento que faltam?

É evidente que o FMI trabalha com projecções visíveis a médio prazo, mas nós queremos reforçar o desenvolvimento do turismo, por isso algumas medidas que estamos a tomar de facilitação da mobilidade, aumento de segurança das nossa fronteiras, diversificação do produto turístico, para que tenha um efeito multiplicador mais forte sobre a economia local, este é um dos factores que pode provocar a aceleração do processo de crescimento. Segundo, vamos apostar também na indústria, para termos condições para entrar no mercado da África Ocidental, porque Cabo Verde não vai produzir para exportar para França, ou para a Alemanha, o nosso mercado de exportação de bens e serviços é a África Ocidental. Para isso vamos ter uma política para fazer penetrar o produto e as empresas cabo-verdianas no mercado da CEDEAO. Isso exige mecanismos de investimentos em transportes, principalmente marítimos, mas exige essencialmente um profundo diálogo político e uma parceria efectiva com as nossas empresas para poderem ter acesso a esse mercado externo. Outro sector é o das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Temos potencial, jovens com talento, com potencial, com formação de base, por isso será outra grande aposta para podermos superar o que seria o crescimento normal da economia cabo-verdiana virada para a reciclagem dos factores de produção, que tem sido a prática, muito virada para a ajuda e agora para o turismo. Portanto, podemos potenciar outros sectores, como disse a indústria, as TIC e tudo o que são serviços especializados.

 

Falou recentemente no reposicionamento do NOSi.

Além desse reposicionamento, temos um pacote de incentivos para tudo o que é serviços portáveis na área das tecnologias de informação e comunicação. Estou a falar de Call Center, serviço de Back-Office, de Backup, um conjunto de acções que geralmente criam dinâmicas de emprego jovem e criam factores exportadores. No fundo, todo o pacote de incentivos que Cabo Verde tem estado a desenvolver muito virado para o turismo e para a indústria deverá ser aportado para o sector das TIC e o NOSi terá que ter um papel menos interventivo no mercado privado, tornando-se num instrumento facilitador da governação para o desenvolvimento da economia digital e do mercado privado nesse sector.

 

Está a falar da diversificação da economia e, como vem nos livros, ela terá de passar necessariamente pela modernização, pela inovação e pelos recursos humanos. O que pretende o governo nestas matérias?

Recursos humanos, para começar. Numa perspectiva de médio/longo prazo, temos de mudar o perfil da formação dos nossos jovens e todo o programa do sistema educativo que temos estado a desenvolver vai nesse sentido: garantir que desde o pré-escolar até à saída do 12º ano tenhamos jovens com competências em línguas – bom domínio do português, do francês, do inglês e de outra língua alternativa – que possam ter acesso ao domínio das tecnologias, das ciências e dos valores humanísticos. Numa perspectiva de longo prazo, uma criança que hoje tenha cinco anos, queremos que termine o 12º ano com essas competências que a preparem para o mundo cada vez mais exigente. Em segundo lugar, uma forte aposta nas elites, porque os países desenvolvem-se em função da qualidade das suas elites, e não estou a falar só de intenções, estou a falar de instrumentos de intervenção. O nosso programa de sistema educativo vai nesse sentido, da mudança de perfil do pré-escolar até à saída no 12º ano, uma forte aposta no ensino superior na área da investigação e desenvolvimento, o lançamento de uma bolsa a que chamamos Cabo Verde Global virada para jovens com talento – e quando digo jovens, falo de uma idade até aos 45 anos – que possam ter acesso a programas de masters para alta gestão, quer a privada e empresarial quer a pública e de governança. Esse programa será lançado brevemente para podermos complementar o outro lado, elevar cada vez mais a capacidade de governação, quer pública quer privada.

 

Ainda sobre a diversificação da economia. Já foi referido por especialistas, que Cabo Verde precisa de identificar os nichos em que é competitivo – já falou de turismo, indústria, TIC, presumo que os considere esses nichos – mas depois é preciso desenvolver estratégias e ter uma certa agressividade nos mercados. Que passos serão dados?

São precisos alguns instrumentos que acelerem o processo com os empresários actuais. Porque não queremos que desapareçam, mas sim que tenham condições para superar as dificuldades e possam crescer. A base do empresariado actual pode ser a base para a diversificação e para a inovação futuras, para isso temos os instrumentos que já referi: o alívio fiscal e o financiamento, e por outro lado, é preciso que haja a emergência de novos empreendedores, em terceiro lugar necessitamos de um programa mais agressivo, no bom sentido, de conquista de mercados. Quer dizer que o Estado tem aqui um papel em relação, por exemplo, ao aproveitamento de oportunidades. Nós temos o AGOA, quando falamos da indústria, que nunca foi devidamente aproveitado por Cabo Verde, mas estamos a trabalhar nesse sentido de atrair investimento directo estrangeiro (IDE), fazer com que haja boas parcerias com os empresários nacionais e criar mercado externo para exportação. A mesma coisa relativamente à CEDEAO, nós temos facilidades comerciais, o que falta é uma estratégia de penetração nesse mercado. E quando digo CEDEAO não quer dizer que tenha de fazer negócios com todos os países da CEDEAO, precisamos de dois, três países que tenham mercados apropriados para as exportações cabo-verdianas. E não estou a falar de algo remoto, algo que pode vir a acontecer. Hoje já existem algumas iniciativas de IDE e de empresas que operam no sector da construção civil que conseguem entrar no mercado da CEDEAO, em países como o Senegal e o Togo, através de Cabo Verde, via principalmente alguns bancos sedeados – não vou dizer quais – que facilitam o processo de intermediação para acederem a concursos nesses mercados. Outra forma é criar mais facilidades de conhecimento desse mercado entre os empresários, ter um Estado pró-activo no desenvolvimento dos interesses dos nossos empresários e fazer outra coisa importantíssima que é captar mais investimento directo estrangeiro. O país tem que compensar essa quebra de ajuda externa por entradas de capitais muito mais reprodutivos como são os do IDE. Há manifestação de interesses em investir em Cabo Verde, o nosso papel será reforçar os factores de confiança: estabilidade orçamental, estabilidade fiscal, previsibilidade, segurança, para podermos ter uma estrutura mais sólida de atracção de investimento, não só no sector do turismo, mas também para que o país possa funcionar como plataforma de acesso a mercados, principalmente da CEDEAO. E nisso estou a falar da indústria, do sector da aviação civil, transportes marítimos, serviços espacializados em diversas áreas, tudo o que Cabo Verde possa trazer como vantagem aproveitando dois factores, para além da estabilidade e da localização, que são competências ao nível da qualificação dos seus recursos humanos e apropriação de tecnologia. O resto, o país tem.

 

Uma coisa parece certa, sem investimento directo estrangeiro não haverá crescimento.

É fundamental em Cabo Verde, como é fundamental em qualquer parte do mundo. Os países não conseguem desenvolver-se apenas com factores endógenos, o que é ainda mais evidente em países pequenos como o nosso. Portanto, o IDE é fundamental para que haja um aumento de recursos e de riqueza para o país.

 

O governo já disse que quer uma dívida pública sustentável dentro de cinco anos. Como?

Em primeiro lugar, reduzindo o processo de crescimento dessa própria dívida, portanto temos de inverter a tendência do défice orçamental, seleccionar bem as novas dívidas, de forma a ter um efeito reprodutivo sobre o crescimento e fazer crescer a economia. Mesmo dentro desta base de restrição da dívida. Porque se a economia crescer mais rápido que o nível do crescimento da dívida, se o superar em volume, teremos maior sustentabilidade. É isso que temos de atingir e é essa a nossa estratégia, fazer o país crescer de forma acelerada para poder acomodar a dívida actual, ao mesmo tempo que vamos baixando o ritmo de crescimento dessa dívida.

 

No entanto, a Campanha para o Jubileu da Dívida – uma ONG – considerou que Cabo Verde é um dos países que está em risco de sofrer uma crise de dívida. Este é um cenário preocupante? Realista? Que será evitado?

O risco potencial existe. Se tivermos situações vindas do exterior, nomeadamente dos Estados Unidos ou da Europa, em termos de valorização da sua moeda isso terá impacto directo no serviço da dívida. Mas temos várias possibilidades de contingência relativamente a isso, porque sabemos onde estão os maiores problemas em relação ao stock actual da dívida. Só o programa Casa para Todos representa quase 10 por cento do PIB, se somarmos o stock da dívida não contabilizada proveniente da TACV já estaremos a falar de quase 17 por cento do PIB, encargos com apenas dois grandes problemas que o país tem. No Casa para Todos estamos à procura de soluções que possam mitigar o peso dessa dívida, nos próximos tempos vamos tentar ver com os parceiros como fazer uma boa gestão do impacto dessa dívida pública de Cabo Verde, e vamos ter a necessidade de parceiros externos que apoiem Cabo Verde num processo de reestruturação da sua economia, e fundamentalmente fazer ver que, no futuro, não iremos pelos mesmos caminhos: rigor no processo de infra-estruturação e opções por investimentos com efeitos reprodutivos, quer sociais quer económicos, e que tenham um efeito mais alargado sobre a economia das ilhas. É com isso que temos de jogar, forte, para não cairmos na armadilha da dívida.

 

Entretanto, houve uma série de mudanças estruturais no ambiente de negócios, como a atribuição de competências às câmaras de comércio e câmara do turismo. Quando vão começar a ser sentidas as mudanças?

Já se sente. Há um instrumento que mede esse impacto, e estou a falar do indicador de confiança do INE, mas também através do contacto com as câmaras sente-se isso perfeitamente. Quando um empresário investe, projecta que vale a pena e que conseguirá ter um quadro favorável a prazo, mesmo que ainda não exista hoje. Só isso faz com que tome essa decisão. Os bancos estão com a mesma projecção, que vale a pena apoiar o investimento privado porque há perspectiva de melhorias. Portanto, há sinais evidentes de melhoria do ambiente de negócios. Para além disso, temos estado a trabalhar para remover alguns obstáculos concretos e que prejudicam os negócios. Como já disse, não temos um milhão de empresas em Cabo Verde, são em número reduzido, e por vezes resolvendo um, ou dois, ou três constrangimentos, sem pôr em causa as políticas gerais e a transparência, consegue-se desencravar o processo de investimento, de desenvolvimento e de crescimento de determinadas empresas. Já o fizemos. Com empresas exportadoras, com empresas que estavam na fase de quase desistência de operar em Cabo Verde. Dossiers complicados que estavam a constranger o processo da melhoria do ambiente de negócios estão em vias de resolução: TACV, a concessão dos portos, a própria CV Telecom e a PT Venture, é nessa base. Não só estamos a criar as bases para um bom ambiente de negócios, mas resolvendo os problemas também se consegue desencravar obstáculos.

 

Referiu-se a dossiers que passaram do governo anterior. Outros projectos do executivo do PAICV, pode-se dizer, que colapsaram: hubs, clusters, praça financeira. Que alternativas propõem?

Sobre os clusters, nós deixámos de usar o conceito, porque da forma como foi lançado em Cabo Verde, com uma forte carga propagandística, com soluções administrativas custosas, de clusters que não existiam, preferimos ir para um processo muito mais pragmático, eficiente e eficaz. Por exemplo, não falamos de cluster do mar, mas em resolver os problemas que têm a ver com o mar. Não vale a pena falar em clusters do mar quando não tínhamos ligações regulares com uma ilha como o Maio, que resolvemos. Não é a solução definitiva, mas hoje há mais ligações. Não vale a pena falar em cluster do mar quando se tinham constrangimentos efectivos nas operações dos portos e não se consegue sustentar negócios nascentes como o transhipping ou o transbordo de pescado, que também resolvemos, com medidas assertivas, e as empresas que operam nesse sector têm hoje um quadro totalmente diferente. Temos a grande aposta de criação de uma Zona Económica Especial em São Vicente, estamos a trabalhar com a República Popular da China e será uma abordagem de fundo, para darmos a São Vicente um perfil de economia diferente, potencializando a economia marítima. Mais do que nomes pomposos, queremos resolver os problemas e dar uma perspectiva de futuro. Relativamente ao hub aéreo, a reestruturação da TACV procura garantir duas coisas, que a companhia possa operar e possa privilegiar a efectivação do conceito de hub, quer dizer, funcionarmos como plataforma de tráfego aéreo e há uma forte possibilidade de conseguirmos um bom parceiro para que esse casamento se faça.

 

Uma das frases do actual governo é ser diferente, fazer diferente. Vamos aos níveis de eficiência, a ruptura com as práticas anteriores será o que vai marcar a diferença entre crescimento e emprego ou retrocesso?

A ruptura com várias práticas anteriores fará essa diferença, a começar pelo exercício do poder. Quando impusemos a nós próprios o princípio da incompatibilidade para a acumulação de cargos de direcção partidária com cargos da administração foi para que pudesse haver o foco no serviço público e romper com práticas que tínhamos de termos delegados de ministérios, directores de escolas, presidentes do conselho de administração de empresas públicas, etc., que estavam ao serviço de duas coisas ao mesmo tempo: serviço público e serviço partidário. Hoje já sentimos os efeitos dessa diferença de atitude. Essas mesmas pessoas eram o exército de recrutamento de candidatos para as eleições e essa prática teve efeitos nocivos na noção de administração pública, no seu foco, na sua qualidade e até na transparência do seu funcionamento. Levámos a lei da incompatibilidade ao parlamento, e não passou, mas mais importante do que isso é que a nossa atitude não se alterou. Como temos a prerrogativa de decidir sobre as nomeações, não nomeamos ninguém em situação de acumulação de cargos partidários com cargos de administração. Outra alteração que vamos introduzir é a lei anti-nepotismo, que será importante para definir um quadro de relações mais transparente ao nível da administração. É fundamental que haja mais espaço para a autonomia da sociedade civil, e hoje sente-se que há menos peso da administração sobre a vida das pessoas, isso marca toda a diferença. Porque as pessoas precisam de um ambiente favorável, quer económico, quer económico, quer social, para fazerem as coisas acontecer. Porque quem faz a economia são as pessoas, é assim em qualquer parte do mundo, são elas que investem, que poupam, que acreditam mais ou menos, e esse clima é fundamental, mesmo para além de todos os instrumentos políticos que possam existir. Hoje temos uma maior descentralização de recursos, de competências, e isso resulta também de uma forma de exercício de poder igualmente diferente. Antes tínhamos um governo que actuava como competidor com os municípios, uma concorrência permanente pelo mercado eleitoral, hoje não se sente isso, há uma predisposição maior para descentralizar e para fazer uma partilha de poder, independentemente de quem esteja à frente das câmaras. Tudo isto representa um valor elevado, porque as câmaras municipais sentem-se mais responsabilizadas, sentem que o governo tem uma relação de parceria e focam-se também mais nos resultados que vão beneficiar os munícipes. As relações com os empresários e com as organizações empresariais também resultam de uma atitude diferente, que não havia antes, porque o Estado achava que quanto mais paternalista, quanto mais poder tivesse nas mãos, mais poder de controlo e condicionamento tinha sobre a sociedade, sobre as famílias e sobre as empresas. A grande diferença é que nós partilhamos poder, delegamos competências, depois regulamos o cumprimento das regras.

 

Quando assinou os acordos com as câmaras de Comércio e de Turismo, anunciou também encontros com os dirigentes da administração pública para lhes mostrar qual devia ser a mudança de atitude. Vai ser uma luta permanente ou já se notam alterações?

Vai continuar a ser trabalhado, mas já se nota a diferença. É um processo que vai levar o seu tempo, a mudança de atitudes não é algo que se faça de um momento para o outro. Num primeiro momento, as pessoas sentem alguma desconfiança, outros vão apalpando terreno para ver onde se posicionam, mas acredito que com tempo há-de ser definida uma consistência. Nós vamos manter esta linha e os funcionários e os dirigentes vão acabar por sentir que a única coisa que queremos é que sejam profissionais, que produzam, que se sintam satisfeitos nas suas missões enquanto servidores públicos e que o conceito de servidor público, de facto, entre na cultura dos serviços cabo-verdianos. É a mensagem que temos estado a passar, todos estão ao serviço do Estado, que os remunera, e esse Estado não é o governo, o Estado é os cidadãos. É essa noção, de estar ao serviço da cidadania, que deve prevalecer sobre a de estarmos ao serviço de uma administração em abstracto ou de uma administração em concreto que tem por trás um partido que suporta um governo. Esta alteração para nós é fundamental e essa relação entre a administração e as empresas é também fundamental. Porque temos uma administração que esteve formatada durante muito tempo para ser uma boa gestora de transferências e da ajuda internacional e hoje é obrigada a ser uma boa gestora de processos que criam riqueza, fazem funcionar a economia, que fazem acontecer os investimentos. Essa inversão vai levar o seu tempo até se transformar numa rotina, e para isso temos de ser coerentes, consistentes e persistentes. Se me perguntar qual é a herança mais difícil que recebemos do governo anterior, digo-lhe que é precisamente o quadro institucional.

 

O governo tem aceitado as reivindicações dos sindicatos, que chegaram a ameaçar posições mais radicais, apesar de nunca terem precisado de fazer greves. Não teme que passe a imagem de um executivo que cede demasiado facilmente?

Não é verdade que fizemos cedências mediante pressões.

 

Houve ameaças de greve.

Sim, mas se tivéssemos à priori uma posição de intransigência pela defesa de princípios que consideramos que não poderiam ser negociáveis, não iríamos transigir. Dou-lhe o exemplo dos oficiais de justiça. A posição inicial do governo foi de dizer que não estava de acordo com a declaração de inconstitucionalidade da norma que impunha a obrigatoriedade da concessão do subsídio de exclusividade em comparação com os oficiais do Tribunal de Contas, mas o Estado é de direito democrático, nós respeitamos os acórdãos do Tribunal Constitucional. A concessão desse subsídio de exclusividade foi decidida no sentido de que se trataria de um processo excepcional, aplicável só a esse caso e não em casos futuros para outros agentes da administração e que tendo em conta o seu impacto orçamental em 2017 só poderia vigorar no ano 2018. Não foi a resposta a um anúncio de greve, mas uma decisão que o governo tomou. De qualquer forma, brevemente vamos ter uma reunião de Concertação Social para acordarmos um quadro de médio prazo, relativamente às políticas salariais, de segurança social, fiscal, para garantir que haja a convergência de todos os interesses, uma convergência submetida à necessidade de sustentabilidade económica e social do país.

 

É um recado para os sindicatos?

Os sindicatos sabem que é assim. E já houve conversas nesse sentido. O governo, o patronato e os sindicatos têm de convergir para algo, porque se hoje houver medidas que possam incrementar de forma desmesurada o custo dos salários, isso vai ter implicações, sobre os que estão desempregados, sobre o peso da dívida do Estado, sobre as condições de financiamento do mercado ao sector privado, vai ter efeitos sobre o nível de crescimento do país e quem no final da linha paga tudo isso são os mais vulneráveis. Por isso tem de haver equilíbrios, assim como o governo não pode aumentar os impostos para satisfazer as suas necessidades de financiamento sem ter em conta que isso tem consequências, para os trabalhadores e para os empresários. Assim como os empresários não podem ter uma política de exploração da mão-de-obra, com custos salariais abaixo do salário mínimo, ou que não levem em conta a produtividade, porque isso também tem consequências. Temos de procurar os equilíbrios e só se conseguem com uma perspectiva de médio/longo prazo. É isso que queremos.

 

Está a falar num pacto para o crescimento e para o emprego? É isso que vai ser proposto aos parceiros?

É isso mesmo. Mais do que pacto, um acordo social entre as partes, porque salvaguardamos os interesses, não daqueles que estão ali representados, mas os interesses do país, que é mais importante.

 

Outra diferença tem a ver com o governo enxuto que lidera. Percebe-se a mensagem que passou, mas hoje, um ano depois, acha que o governo é demasiado pequeno para os desafios que tem de enfrentar?

Sobre isso não falo na comunicação social. No dia em que tivermos de tomar uma decisão, sobre uma possível redimencionalização do governo, tomaremos.

 

Adicionar Secretários de Estado pode ser uma solução?

Como eu disse, é matéria estritamente estrita (risos) à comunicação social. No dia em que tivermos uma decisão, comunicamos.

 

Mudamos de assunto então. Como vê a relação com as ilhas?

Queremos que o desenvolvimento se faça de forma equilibrada e os municípios têm um papel fundamental para fazer com que em cada uma das ilhas e concelhos haja desenvolvimento e aproveitamento do potencial instalado, quer a nível de recursos humanos, quer a nível institucional, quer a nível natural. Como os municípios têm sob a sua responsabilidade a gestão territorial, são os mais preparados para dar essas respostas. Queremos desenvolver um sentido de complementaridade. Cabo Verde vai precisar de ter territórios minimamente organizados, com qualidade ambiental e urbanística, e temos ainda muito por fazer nessas áreas, que são de intervenção directa dos municípios. Assim como medidas de mitigação de dificuldades sociais, são muito mais efectivas de forem feitas e organizadas através dos municípios. É assim que vemos a complementaridade, quem governa a câmara ganha o resultado dessa relação, o governo ganha o resultado dessa relação, mas o mais importante é que as pessoas ficam melhor servidas. Não iremos, em nenhuma circunstância, entrar em competição por territórios de gestão municipal.

 

Uma das grandes preocupações sociais neste momento é a segurança, principalmente na capital. Quais são as soluções do governo para diminuir a sensação de insegurança?

Penso que já está a diminuir. Há uma percepção, hoje, que há uma presença mais visível das forças policiais, mais eficácia no combate, os casos são resolvidos, mas é evidente que não consegue, de um momento para o outro, eliminar todos os factores que geram o processo de insegurança e criminalidade. Estamos a trabalhar para que haja uma redução efectiva, progressiva, mas consistente da insegurança urbana. Vamos introduzir a Cidade Segura ainda este ano, assim como a Central de Comando de Polícias. O combate à insegurança tem um factor fundamental, se não tiver informação e não tiver as forças policiais integradas e com instrumentos de combate, teremos dificuldades. Mas terão de haver acções fortes, por exemplo, no combate ao uso excessivo do álcool, temos indicações que muitos dos crimes estão ligados a esse fenómeno. Para além das acções de natureza social que serão necessárias desenvolver. Até que os efeitos da alteração do quadro social se produzam é preciso que os efeitos da acção policial possam estancar a hemorragia.

 

Duas últimas questões. O slogan: ‘Temos solução’ provocou uma pressão maior sobre o executivo?

Não. É evidente que há uma perspectiva das pessoas e uma perspectiva do governo e temos de gerir as expectativas. Temos um mandato de cinco anos, faltam-nos quatro e em quatro anos faz-se muita coisa. Espero que no final se faça a avaliação com resultados da governação e não com resultados de apenas um ano de governação.

 

Dá muita importância à aprovação e desaprovação das redes sociais?

Para mim não conta. Passo, vejo, mas não interiorizo, nem me preocupo sequer. Acho que as avaliações não podem ser feitas através de instrumentos que são muito parciais. O instrumento mais eficaz são as sondagens e pesquisa de opinião feitas de forma científica, objectiva e abrangente na amostra, do que estar apenas atrás de um like. Tem os seus efeitos, mas não é por aí que a governação deverá guiar-se para tomar as suas decisões. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 808 de 24 de Maio de 2017.

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Autoria:Jorge Montezinho,27 mai 2017 6:23

Editado porAndré Amaral  em  29 mai 2017 11:07

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