“Na bancada todos têm opinião. O Sr. José Maria Neves esteve 15 anos para fazer aquilo que devia fazer e não fez. Deixou uma empresa (TACV) completamente falida, só em estudos económicos gastou mais de 7 milhões de euros. Deixou um país sem qualquer visão do ponto de vista dos transportes aéreos e agora vem nos dar lições em como devemos actuar? Em qualquer perspectiva, não pode querer dar-nos lição”, apontou Olavo Correia no final de uma visita a uma das maiores empresas grossistas do país.
“Um negócio intransparente”
Tudo começou com as críticas feitas, na segunda-feira, pelo antigo primeiro-ministro, José Maria Neves, à forma como o negócio da TACV tem vindo a ser gerido pelo governo.
Neves questionou a transparência nos negócios que envolvem a companhia pública de aviação, criticando a não divulgação dos estudos e contractos que os sustentam.
Num texto publicado na rede social Facebook, o ex-primeiro-ministro critica a falta de informação e de debate público em torno dos negócios.
“O Governo decide retirar os TACV dos voos inter-ilhas e entregar, sem concurso público, sem publicação de estudos ou dados que fundamentem essa estratégica decisão, o negócio, em regime de monopólio, a uma empresa privada, com a informação suplementar de que o Estado de Cabo Verde seria accionista da referida empresa. Um ano depois, ficamos a saber que o Estado nem sequer ainda faz parte da empresa, os valores estão a ser discutidos. Um negócio a todos os títulos intransparente, cujos contornos a sociedade e os cidadãos não conhecem”, escreve José Maria Neves.
O comentário surge na sequência das declarações de José Gonçalves, ministro da Economia, que, no sábado, disse que a aquisição de 49% do capital da companhia aérea por parte do Estado estará concluída até Junho de 2018. No entanto, Gonçalves recusou avançar qual o custo total da operação dizendo apenas que 30% são uma compensação dada pela companhia ao Estado e que os restantes 19% serão comprados por um valor ainda não apurado. “O valor das acções das empresas varia todos os dias”, disse o ministro para justificar o facto de ainda não ter sido estabelecido um preço para a compra dos 19% do capital da Binter Cabo Verde.
Dúvidas com a Icelandair
Neves questiona também o acordo estabelecido com a Icelandair. “Os estudos, se existem não são publicados, o contrato Governo-Icelandair está sujeito a cláusulas de confidencialidade e alguns empresários próximos do partido no poder vêm dizendo que se trata de um grande negócio e que ultrapassada esta fase de transição, cujos prazos e custos a sociedade também não conhece, as pessoas verão os resultados”.
O ex-primeiro-ministro lamentou ainda o anúncio de que, a partir de Janeiro, a companhia deixará de fazer voos directos para as duas ilhas mais populosas do país: Santiago e São Vicente, passando todas as ligações a serem feitas a partir da ilha do Sal.
“Onde estão os estudos de viabilidade? Qual é o custo oportunidade desta opção? Que impactos terá no desenvolvimento do turismo nas ilhas de Santiago, São Vicente, Santo Antão, São Nicolau, Boavista, Fogo, Brava e Maio? Vão ser construídos novos aeroportos internacionais ou não? As obras de ampliação do aeroporto da Praia não serão concluídas? Haverá novos investimentos nos aeroportos de São Vicente e da Praia?”, questionou.
José Maria Neves sustenta que “estão a ser tomadas medidas governamentais estratégicas, sem debate público” e que, no caso da TACV, há silêncio total.
“Verifica-se um total ‘blackout’ de informações sobre a reestruturação dos TACV, uma empresa pública que nos diz respeito a todos nós cidadãos contribuintes”, disse.
“Dêem-nos tempo que nós iremos apresentar uma boa solução em matéria de hub aéreo ao país”, respondeu, na terça-feira, Olavo Correia. E prosseguiu dizendo que o governo está a “trabalhar com responsabilidade, com estudos, com pareceres de quem conhece o negócio, para que possamos estruturar da melhor forma este hub. Há muitas companhias aéreas interessadas em Cabo Verde e sempre tenho dito que este é um processo complexo, difícil, exigente, que comporta riscos, mas nós estamos a trabalhar para trazer uma boa solução para o país. O Governo está muito optimista em como será possível a boa solução”.
Quanto ao contracto celebrado com a Icelandair o ministro das Finanças esclareceu que brevemente “os cabo-verdianos vão ter toda a informação relativa ao contrato feito com a Icelandair. Estamos a trabalhar com toda transparência e numa fase inicial não podemos partilhar tudo, porque num processo de privatização é preciso que determinadas informações sejam reservadas para que possamos proteger o interesse público. No momento certo todos vão saber toda a informação”.
“É preciso paciência e calma e menos ruídos, sobretudo por parte daqueles que estiveram 15 anos para apresentar uma solução ao país e deixaram uma empresa falida, sem qualquer perspectiva”, concluiu.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 833 de 15 de Novembro de 2017.